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Sou um leitor frequente, ou mesmo muito frequente, dos artigos de Leal da Costa no Observador.
A razão é simples: quer eu esteja de acordo, quer não (e muitíssimas vezes não estou), são artigos informados, com informação solidamente sustentada, e racionais.
Tanto quanto percebo, a raíz para não estar muitas vezes de acordo com Leal da Costa acho que é muito bem caracterizada por estes dois parágrafos:
"Em dezembro de 2012, como já fazia há muitos anos e seguramente por ter tido a sorte de crescer no meio das “gentes” da medicina preventiva, disse que “se nós, cada um dos cidadãos, não fizermos qualquer coisa para reduzir o potencial de um dia sermos doentes, por mais impostos que possamos cobrar aos cidadãos, o SNS será, mais tarde ou mais cedo, insustentável” e continuei afirmando, “numa altura em que temos uma elevadíssima carga fiscal que nos é imposta pela necessidade de manter os serviços públicos, é importante que a sustentabilidade do SNS comece a ser encarada como obrigação de cada um de nós”. Na resposta, chamaram-me de tudo. Houve um palerma que me considerou lobotomizado num artigo de opinião que um semanário não se importou de publicar, insultando até a minhas capacidades de médico, ouvi um ex-secretário de estado, também médico, dizer que eu deveria estar “bêbado” e as associações de utentes reagiram com repúdio denodado à minha proposta de que os cidadãos fizessem alguma coisa para adoecerem menos e, por essa via, libertassem recursos e onerassem menos o SNS.
E há um grupo concertado de negacionistas, agregados em torno de corporações como aquelas que fabricam, distribuem e vendem tabaco, álcool e outros produtos de reconhecida nocividade que vão passando incólumes e até são protegidos pelos poderes instituídos. Negam conscientemente e de forma reiterada, mentindo, as maleficências que causam – neste caso as tabaqueiras superam largamente as empresas do álcool – sempre na posição de vítimas de difamação ou tentando colocar-se como agentes da solução do problema que criam. O problema tem números e é a morte anual de milhões de pessoas, muitas mais do que aquelas que a COVID-19 já matou."
Ou melhor, a raiz das minhas discordâncias está na ideia, não explícita aqui, mas explícita noutros artigos, que é legítimo proibir, ou restringir fortemente, o consumo de produtos ou os comportamentos dos indivíduos em nome de um bem maior que é a saúde pública.
Em rigor, eu estou de acordo com esta ideia, quando entendida como uma resposta excepcional a situações excepcionais.
Já não estou quando o argumento é o de que: “se nós, cada um dos cidadãos, não fizermos qualquer coisa para reduzir o potencial de um dia sermos doentes, por mais impostos que possamos cobrar aos cidadãos, o SNS será, mais tarde ou mais cedo, insustentável”.
E não estou de acordo por duas ordens de razões.
Em primeiro lugar, a sustentabilidade ou não do sistema de saúde é uma opção política dos cidadãos e não está fora da discussão política normal sobre a afectação de recursos, não há nada na saúde que faça dela um valor acima de qualquer outro valor social: ao nível do indíviduo, eu posso querer rebentar com a minha cabeça com LSD e ninguém tem nada com isso, ao nível da comunidade, a comunidade pode preferir gerir os problemas sociais associados ao consumo de drogas de muitas maneiras diferentes, e é no debate e decisão política que se faz a ponderação de interesses públicos contraditórios.
A segunda ordem de razões é mais explícita nos dois parágrafos que citei: a escolha dos demónios que consideramos como inaceitáveis é também uma escolha política que tem de ser politicamente escrutinável, não pode basear-se em estatísticas de saúde desgarradas do resto. Leal da Costa escolhe aqui o tabaco e o alcool, mas não refere o açucar e o sal, por exemplo. Naturalmente, seria preciso saber por que razão escolheu esses dois e não os outros dois, responsáveis por números ainda mais terriveis nas estatísticas de saúde.
Acresce que não podemos discutir as estatísticas de forma excessivamente parcelar: é verdade que o tabaco contribui grandemente para a despesa em saúde na medida em que está associado a doenças que custam rios de dinheiro aos contribuintes, mas ao mesmo tempo é responsável por um nível de impostos que corresponde ao princípio, mais que justo, do utilizador/ pagador e, surpreendentemente, como está associado a menores esperanças de vida, contribui para a sustentabilidade dos sistemas de pensões.
Bem sei que o parágrafo anterior pode ser lido como chocante, mas note-se que estou a enunciar factos e não a fazer juízos morais, e só olhando para os números associados a tudo isto é que a discussão ganha racionalidade.
Mas peguemos agora no exemplo do alcool: um dos princípios que Leal da Costa enuncia no seu credo, é o de que "A eliminação da pobreza deve ser o primeiro objetivo da política de saúde". Pois bem, quando se adopta uma política maximalista de redução do consumo de alcool em nome da saúde - e não querendo discutir a velha ideia de que a diferença entre o remédio e o veneno é a dose - estamos mesmo dispostos a atirar para a miséria milhões de produtores de vinho, aceitando, por exemplo, a destruição do património mundial do vale do Douro em nome da saúde? E o mesmo se diria das terras altas da Escócia e muitos outros lados?
Ou afinal temos de ponderar seriamente?
Não tenho nada contra a ideia de que é legítimo aos estados procurarem influenciar os comportamentos das pessoas para que sejam mais saudáveis, seja por razões financeiras, seja porque uma boa saúde é uma condição importante de qualidade de vida, desde que se respeite a liberdade das pessoas não quererem seguir os conselhos que lhes são dados.
O que tenho, isso sim, é contra a ideia de que a saúde é um valor absoluto que se sobrepõe a outros valores, incluindo ao valor do sagrado direito à asneira.
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