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Equívocos

por henrique pereira dos santos, em 20.03.23

No mesmo dia em que o Observador tem um texto meu sobre a aplicação do Fundo Ambiental e a gestão da paisagem, o Jornal de Notícias faz uma manchete, que é replicada por toda a gente, sobre umas declarações de autarcas que protestam contra a possibilidade das pessoas serem impedidas de sair de casa por causa do risco de incêndio.

Confesso que não percebo a manchete do Jornal de Notícias, nem a surpresa dos senhores autarcas: aquilo a que se referem é apenas o resultado de uma política de gestão de fogo que esquece a realidade e acredita que o Estado é a fonte do poder de gerir o mundo, política essa que tem sido fortemente apoiada pelos senhores autarcas em geral.

O Estado português, em vez de aceitar que o fogo é um processo natural, filho do seu contexto, e que o actual padrão de fogo em Portugal resulta da falta de recursos necessários para a gestão da paisagem, decide fazer uma abordagem moral do problema, achando que os proprietários têm o dever moral de cuidar bem da sua propriedade (o que é verdade), ao ponto de terem obrigações de a gerir em função dos interesses de terceiros, mesmo que com isso se arruinem (o que já é mais que discutível).

Portanto o Estado português montou todo um edifício jurídico assente nessa moral, criando legislação atrás de legislação cujo objectivo, em teoria, é obrigar os proprietários a fazer o que o Estado (de que fazem parte os senhores autarcas), e grande parte da sociedade, acham que é o seu dever de gestão.

Na realidade, e isso pode ser visto de forma muito clara na tese de doutoramente de Tiago Oliveira, que hoje é o manda-chuva da Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais (de quem sou amigo, fica feita a declaração de interesses), a produção da tal legislação aumenta quando existem grande fogos, e diminui nos anos que correm mais ou menos, demonstrando que a legislação serve essencialmente para que os decisores passem a impressão de que estão a gerir o problema, sem ter de fazer o que realmente é difícil: gerir o problema.

Mas este modelo, assente em legislação que persegue os proprietários, em corpos de bombeiros que recebem milhões de euros dos contribuintes, apesar da gestão mais que opaca de muitas das organizações de bombeiros, e numa protecção civil onde se encaixam os náufragos da política, é o modelo que tem sido apoiado pela acefalia das redacções dos jornais e pela generalidade da sociedade.

Agora que a necessidade de ir sempre mais longe, de embarcar em fugas para a frente neste modelo de gestão do fogo assente em legislação cada vez mais absurda, sem qualquer avaliação de resultados séria, chega ao ponto de terem transformado uma carta técnica (fraquinha, já agora, e bastante inútil, mesmo para o fim a que se destinava) num instrumento normativo que dá resultados tontos, os senhores autarcas, em vez de pararem para pensar, acham que o que é preciso é alterar essa carta que, suspeito, nem sabem como é construída, nem para que serve.

Meus senhores, o resultado que agora vos assusta (mas não tem assustado nestes anos todos em que se tem vindo a caminhar neste sentido), não se resolve alterando documentos técnicos produzidos com fins definidos e abusivamente usados para fins normativos, isto resolve-se liquidando a generalidade da legislação sobre prevenção de incêndios, que é estúpida, inútil e nunca deu nenhum resultado relevante, por aquilo para que a informação relevante e séria aponta: o pagamento da gestão de combustíveis finos que permita aos proprietários gerir o que é deles de forma razoável e sustentável.


12 comentários

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De balio a 20.03.2023 às 10:40

O linque ao Jornal de Notícias não está a funcionar.
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De henrique pereira dos santos a 20.03.2023 às 10:54

Obrigado, está resolvido
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De balio a 20.03.2023 às 10:44


os proprietários têm o dever moral de cuidar bem da sua propriedade, ao ponto de terem obrigações de a gerir em função dos interesses de terceiros, mesmo que com isso se arruinem



Foi com este pensamento que se promulgou a lei celerada que diz que os proprietários têm que manter a sua propriedade limpa de toda a vegetação desde que ela se encontre a menos de 50 metros de um qualquer edifício - edifício esse que, tipicamente, pertence a outra pessoa - ou a menos de 10 metros de uma estrada.
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De balio a 20.03.2023 às 11:03


Repare-se naquilo que um autarca afirma:


"Na lei anterior dizia que o proprietário era obrigado a limpar a faixa de gestão de combustível. Nesta lei já diz que o município deve limpar. É humanamente impossível, financeiramente impossível fazer este tipo de coisas."



Ou seja, o autarca reconhece que aquilo que a lei anterior impunha que os proprietários fizessem é "financeiramente impossível" (porque a generalidade dos proprietários florestais não tem suficiente dinheiro para o fazer) e "humanamente impossível" (porque não há suficientes trabalhadores disponíveis para fazer todo o trabalho que é imposto).


Ou seja, o autarca apercebe-se, somente agora, de que a lei anterior era impossível de cumprir.
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De entulho a 20.03.2023 às 11:11

o estado marxista actual não faz nem deixa fazer.
atribui-se a De Gaule «faz tudo o que se lhes permite, consente tudo o que se lhes faça»
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De Anónimo a 20.03.2023 às 20:36

Marxista era a sua mãe.
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De entulho a 21.03.2023 às 10:06

La demencia es el declive lento y progresivo de la función mental, incluida la memoria, el pensamiento, el juicio y la capacidad para aprender.

australopiteco

Mamífero homínido que vivió durante el plioceno y el cuaternario; había alcanzado la posición erguida y la marcha bípeda, y tenía una capacidad craneana de entre 450 y 550 cc; no conocía el fuego ni fabricaba útiles de piedra, y vivía en sabanas .
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De Anónimo a 21.03.2023 às 05:48

HPS, a propósito do seu artigo do Observador, que li com muito gosto, gostaria,  de lhe indicar, se me permite, um texto do último número do jornal Sol (online):
"O interior de Portugal na sua decadência",  por Ester Amorim - na pág. 37


https://sol.sapo.pt/artigo/795055/o-interior-de-portugal-na-sua-decad-ncia
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De Francisco Almeida a 21.03.2023 às 09:33

Torna-se quase fastidioso louvar os artigos de HPS. O acolhimento é excelente, como vi na caixa de comentários do Observador mas fica a sensação de que este regime, este sistema talvez melhor, abafa qualquer voz fora da caixa. Dito de outra maneira, é irreformável.
Das autarquias, pouco mais há a esperar do que as alterações pré-eleitorais ou de fim de prazo de programa, em jardins que só frequentados pelo pessoal da manutenção e criação de empresas de fins culturais que apenas servem para colocar amigos e parentes e subsidiar pretensas iniciativas  os mesmos fora das regras da gestão pública.
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De balio a 21.03.2023 às 10:57


jardins que só frequentados pelo pessoal da manutenção


Perto de minha casa situa-se o jardim do Torel, que há poucos anos foi reabilitado pela junta da freguesia de Santo António. Durante a semana não será talvez (não sei) muito frequentado, mas às tardes de fim de semana alberga dezenas e dezenas de jovens, maioritariamente estrangeiros, que para lá vão conversar e apanhar sol.
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De Francisco Almeida a 21.03.2023 às 11:54

Um esclarecimento, uma pergunta e um comentário.
No âmbito do "post" como eu o entendi, referi autarquias pensando em áreas interiores, sobretudo predominantemente rurais. Não de Lisboa e Porto onde abunda funcionalismo e turismo com tempo para o lazer.
Quem reabilitou? A Junta de Freguesia de Sto. António ou a Câmara de Lisboa?
Só ter regido a essa parte do meu comentário, permite-me presumir que concorda com o restante. Vá lá, já não é mau.
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De Francisco Almeida a 21.03.2023 às 12:01

Correcção: A pergunta não faz sentido. Está respondida no comentário.

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