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Entre os dois, eu não tenho dúvidas sobre o lado em que estou

por henrique pereira dos santos, em 27.01.19

A propósito da provocação de dirigentes do PNR a Mamadou Ba, confrontando-o de forma hostil e com argumentos idiotas na rua, ouvi mais que uma vez o argumento que da título a este post como se a questão estivesse entre estar do lado do agressor ou da vítima.

Não podia estar mais em desacordo com este reforço de uma visão maniqueísta do mundo, ninguém é obrigado a estar de um lado ou de outro neste caso.

Nunca gostei destas abordagens hostis e não desejadas a adversários políticos como forma de combate político, mas não gostei quando os visados eram Passos Coelho e os seus ministros, dezenas de vezes abordados desta forma e tratados de ladrões e gatunos para baixo, tal como não gostei agora quando o visado é Mamadou Ba.

Não posso é deixar de reconhecer a legítimidade deste tipo de actuação: Mamadou Ba nunca esteve fisicamente em risco, não deixou de poder continuar a andar para onde queria, não foi ameaçado, foi simplesmente abordado de forma hostil e incómoda por gente que, para criticar Mamadou, usa argumentos que são uma bosta, tal como aconteceu, salvo raríssimas excepções, nas vezes em que Passos Coelho e os seus ministros também foram abordados por gente com pouca cabeça e ainda menos argumentos, como estes de agora.

Por isso não existe vítima e agressores, existem adversários políticos que acham que a gentileza e as boas maneiras são dispensáveis, como se não fosse possível manter um mínimo de civilidade na discussão sem que a contestação perca um átomo da dureza que se lhe quiser dar (no fundo, seguindo o que me parece ser o melhor exemplo que conheço de civilidade e dureza no discurso: "“Aonde vos achais sei que dizeis sempre mal de mim; eu, pelo contrário, não perco ocasião de dizer louvores vossos: porém, quem a ambos nos conhecer, a nenhum de nós há-de dar crédito”).

Se o discurso troglodita do PNR é conhecido, talvez não seja pior saber o que defende Mamadou Ba e o SOS Racismo, uma espécie de Partido os Verdes, do BE, uma fraude política que me parece servir essencialmente para canibalizar a militância anti-racistas e canalizar financiamento ilegal para a actividade política do partido (sim, eu sei, não tenho maneira de provar que assim é, mas a opacidade sobre a organização e financiamento do SOS Racismo é da sua responsabilidade, não minha).

"As recentes conquistas desportivas nacionais têm vindo a ser usadas para a reprodução de mitos sobre a multiculturalidade e harmonia inter-racial do Portugal contemporâneo. Como portugueses não-brancos, e imigrantes não-brancos residentes em Portugal, recusamos ser cúmplices desse branqueamento.

...

o recente sucesso desportivo de tantos portugueses não-brancos está a ser posto ao serviço da reprodução de narrativas mitológicas, descrevendo um país multicultural e não-racista, que não existe nem nunca existiu, como as nossas histórias e experiência quotidiana nos fazem questão de recordar permanentemente. Ao mesmo tempo, as celebrações do triunfo recuperam referências culturais exaltando o passado dito glorioso dos “descobrimentos”, que na verdade não corresponde senão a séculos de pilhagem colonial e imperial dos nossos territórios de origem, e de redução dos nossos povos à indignidade da escravidão.

...

um país que pratica o terrorismo de Estado nos bairros periféricos de Lisboa, essas autênticas colónias internas onde se concentram as populações não-brancas, nas quais vigora um estado de exceção permanente, e onde uma polícia militarizada se comporta como um exército ocupante levando a cabo, com total impunidade, execuções extrajudiciais

...

Para lá de palavras, o combate ao racismo branco da sociedade portuguesa exige medidas concretas. Nesse sentido, exigimos:

1. Medidas que garantam o acesso efectivo às esferas da sociedade que nos permanecem vedadas. Não aceitamos que, das unidades de saúde à função pública, passando pelos órgãos de comunicação social, escolas e universidades, todos estes espaços permaneçam exclusivos a portugueses brancos;

2. A desmilitarização imediata da polícia, e o fim imediato das operações do CIR (Corpo de Intervenção Rápida) nos nossos bairros, como primeiro passo rumo à abolição total da PSP e GNR, e sua substituição por mecanismos de garantia da segurança colectiva, baseados nas comunidades;

3. Uma comissão de inquérito independente aos assassinatos perpetrados pela policia;

..."

Chega de citações de uma petição assinada por Mamadou Ba e mais 160 pessoas (numa demonstração de representatividade desta visão radical da luta anti-racista) para deixar claro que entre o PNR e Mamadou Ba eu não tenho de fazer, nem faço, escolhas, são excrescências simbióticas que se alimentam mutuamente.

Que o racismo existe na nossa sociedade, isso é uma evidência que não pode ser negada, que esse racismo tem expressão excessiva na cultura das nossas polícias é menos evidente, mas ainda assim não me parece que isso possa ser negado, que discursos de ódio e incendiários como o que citei contribuam minimamente para resolver o problema é que francamente não me parece sequer que mereça grande discussão.

Soluções lineares, maniqueístas, para problemas sociais complexos não ajudam a fazer sociedades melhores, apenas servem para dar visibilidade e proveito político (os outros não discuto) a quem se alimenta desse maniqueísmo e das fracturas sociais.

Eu não tenho de estar de um lado ou de outro, eu estou firmemente contra esses dois lados.


1 comentário

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De Eremita a 30.01.2019 às 20:37

"Mamadou Ba nunca esteve fisicamente em risco". A sério? O Henrique deve ser daqueles que dizem que "as palavras não são actos". Se um dia receber ameaças de morte e afins pode ser que mude de ideias.  

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