Como prova de que sou um bom português (não gosto muito do termo "cidadão", que me lembro logo da guilhotina francesa) começo por fazer um aviso prévio: por minha vontade não existiriam autocracias nem ditaduras, regimes que por principio deploro, todos os países do mundo seriam culturalmente tolerantes e democráticos, lastimo o preconceito racial e a exploração do homem pelo homem, nomeadamente imigrantes, a desigualdade de género, o tráfico humano, detesto a estigmatização e repressão dos homossexuais, e por último sou visceralmente contra a corrupção. A par disto tudo, refira-se que compreendo a importância da diversidade cultural e religiosa no planeta apesar de conceder que tudo seria mais fácil se toda a gente se regesse pelos meus sofisticados princípios judaico-cristãos, mas isso levar-nos-ia a reflexões demasiado complexas para este post. Também não tenho a culpa que Marcelo Rebelo de Sousa não prescinda duma ida ao Qatar para se promover a si na zona mista do estádio – a instituição que representa por estes dias está nas lonas (alguma vez não esteve?), não promove nada nem ninguém – e que não tenha optado por ficar a ver o jogo da selecção sossegado no Palácio de Belém.
Dito isto, assumo que tenho seguido o campeonato do Mundo no Qatar com curiosidade e sem qualquer remorso. Estando o certame a ser organizado há doze anos naquele exótico destino agora é tarde para o seu cancelamento ou outras impertinências, que a boa educação e a diplomacia têm regras. Mais, acho que a vulgarização do aproveitamento político de grandes eventos desportivos por certas causas é uma caixa de pandora, que um dia acaba mal: vai chegar o dia em que os torneios só serão possíveis entre paróquias, quanto mais entre nações. Muitos boicotes ao longo da história têm sido realizados entre países e culturas desavindas, mas por princípio esse não me parece um bom caminho. Claro que hoje ninguém sabe o que é o Espírito Olímpico, muito menos quem foi Pierre de Coubertin. E se algum leitor depois deste último parágrafo tiver dúvidas de que, apesar de tudo, eu sou bonzinho, que volte ao início do texto. E não me venham chatear com moralismos.
Eu muito gostaria de entender o que são princípios "judaico-cristãos". Eu estudei um bocado sobre religiões e tenho a impressão de que a religião mais próxima do judaísmo é o islamismo e não o cristianismo. "Judaico-cristãos" para mim não faz sentido nenhum em termos religiosos - somente em termos políticos - e para um americano, não para um português. Em Portugal, ao fim e ao cabo, há muitos séculos que não há judeus em qualquer número significativo.
Judaico-cristão significa muito simplesmente a profética judaica - na parte não contrariada posteriormente - e os ensinamentos cristãos. Apenas acrescentaria que, tratando-se de nós europeus, faz pouco sentido se não complementada com a filosofia grega e o direito romano. Aliás o nosso cristianismo é uma versão helénica havendo outras como o nestoriano que teve grande expansão no médio-oriente e ainda subsiste numa ou duas bolsas.
Judaico-cristão significa muito simplesmente a profética judaica - na parte não contrariada posteriormente - e os ensinamentos cristãos.
Mas isso é cristianismo tout court. O cristianismo (tal como o islamismo) assume como sua, logo à partida, a profética judaica. Logo, basta dizer "cristão" para se estar a incluir a profética judaica. (Tal como basta dizer "muçulmano" para também se a estar a incluir.) Então, para que é que se diz "judaico-cristão" quando basta dizer "cristão"?
João Távora, autor do "post" referiu-se aos "seus sofisticados princípios judaico-cristãos". Se não tresli, princípios terá mais a ver com moral do que com religião. Por outro lado, judaico-cristão ou judaico-cristianismo é uma expressão relativamente recente que inicialmente significava o cristianismo mais a profética judaica não contrariada por este. Neste preciso sentido, o comentador Balio pode ter razão e não vou investigar os motivos quem cunhou a expressão e que a prestimosa "Wikipedia" me disse ter sido o "Oxford Dictionary" nos anos de 1899 e 1910 Mas a expressão cedo evoluíu para o significado mais lato de tudo o que é comum ao judaísmo e ao cristianismo. Ou seja, voltamos novamente ao domínio das normas morais, éticas e até de conduta/etiqueta. Nesse sentido actual, parece-me claro que o islamismo, por mais próximas que estejam as suas origens, está muito longe do judaico-cristianismo. Mesmo considerando os judeus mais incisivos, os ortodoxos, sinto-me à vontade com personagens como o genro de Trump - que, sendo judeu ortodoxo. conseguiu o espantoso negócio de vender 1.100 milhões de armamento à Arábia Saudita - ou Ben Shapiro, também judeu ortodoxo que guarda rigorosamente o Sabbath sem sequer ligar a televisão por 25 horas, cujos livros me têm sido um auxiliar precioso para pôr as ideias em ordem e defender-me das culturas de cancelamento, "wokismo" etc.. Por exemplo, sendo católico praticante e monárquico, subscrevo tudo o que contém o "post" excepto a menção a "igualdade de género" que eu substituiria por (não) discriminação sexista. É que o género é só um, o "homo" a espécie o "sapiens" e só depois os sexos, masculino e feminino. Os géneros masculinos e femininos apenas existem na gramática e não são aplicáveis à humanidade. Mas essa é uma batalha "da novilíngua" - método de desconstrução da nossa cultura - que a esquerda (neo-marxista, neo-gramsciana ou, mais originalmente, da escola de Frankfurt) parece ter já ganho e a que eu continuo a resistir graças também a Ben Shapiro.
Mas, de facto, pouco há de comum ao cristianismo e ao judaísmo, com exceção dos profetas judaicos, dos Dez Mandamentos, e do conceito de Deus único, o qual, no entanto, n(a maior parte d)o cristianismo se encontra muito diluído, pois que o Deus único afinal acaba por ser uma Trindade de deuses (mais os semi-deuses - os santos e Maria).
No islamismo, pelo contrário, há muito mais de comum com o judaísmo. Por exemplo, o conceito de uma lei divina para as relações sociais, a estrita unicidade de Deus, a estrita separação entre os homens e Deus (nenhum homem é considerado um semi-Deus, como Maria ou os santos o são no cristianismo), as regras alimentares, etc.
Por isso a mim me parece que o conceito de "judaico-cristão" é mais político que religioso, destinando-se essencialmente a reunir sob uma mesma bandeira política os judeus e os cristãos americanos. O que faz bastante sentido nos EUA atuais, mas não faz sentido nenhum em Portugal, onde - para começar - quase nem há judeus.
Sim, agora que penso nisso, os costumes europeus estão muito mais próximos dos do Qatar, do Irão, ou do Paquistão do que dos de Israel. P.S.- Tenho um genro judeu, praticante e muito activo na comunidade, com direito a fotografia com Marcelo e tudo. E tinha - infelizmente já faleceu - um cunhado árabe.
Tenho um genro judeu, praticante e muito activo. E tinha - infelizmente já faleceu - um cunhado árabe.
E então? Há muitos judeus árabes. Muitos judeus naturais de países árabes, que falam árabe em casa e têm traços culturais árabes. Alguns deles, naturalmente, têm familiares casados com outros árabes, que podem não ser judeus.
Tal como há judeus portugueses casados com portugueses que não são judeus, também há judeus árabes casados com árabes que não são judeus.