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Eça no Panteão de regresso à choldra

por João-Afonso Machado, em 06.01.25

CABAIA.jpg

O velho José Maria, no termo de muita controvérsia, parte enfim para o famigerado Panteão das figuras gradas da República. Cumpriu-se a vontade de não sei bem quem.

Ilustro, propositadamente, esta crónica com a cabaia exposta em Tormes que o seu amigo e parceiro dos Vencidos da Vida, o Conde de Arnoso, trouxe da China e lhe ofereceu. É mais que certo, Arnoso não se comparava literariamente a Eça de Queiroz. Ambos tiveram, porém, igual projecção na sociedade da sua época. E quando o escritor morreu e a viúva e os filhos orfãos ficaram na sua conhecida aflição financeira, foi Arnoso quem mais se mexeu para que lhes fosse atribuida uma pensão - que, anos volvidos, a República extinguiu, dadas as convicções monárquicas dos filhos de Eça e a sua intervenção nas Incursões de 1911-12. 

Outrossim, não me compete a intromissão nos assuntos internos da Família Eça de Queiroz, dividida pelo vai-ou-não-vai dos restos mortais do antepassado para o Panteão. Mais depressa me ponho do lado dos fregueses de Santa Cruz do Douro e tento acompanhar o que seria a vontade de Eça se o pobre coitado se pudesse pronunciar sobre si mesmo.

Arnoso morreu na casa da sua gente, em cujo jazigo foi e está sepultado. Dali não creio que saia. Eça, decerto impossibilitado de rumar, pós-morte, para Verdemilho (Aveiro), trazido de Paris foi levado ao Alto de S. João. Muitas décadas corridas, os seus próprios familiares lograram trasladá-lo para Santa Cruz. De onde agora o propuseram ao Panteão!

Uma honra para Eça? Ou um penacho para os proponentes?

Sem voz já, indefeso, coberto por uma bandeira de que ele faria a maior troça - quem duvida de tal? - Eça foi, está a caminho. Ao encontro de quem? Quem lá está com quem se identifique?

Com o devido respeito por Sofia de Melo Breyner Andersen (in casu com manifestas afinidades com a Maria Amália Vaz de Carvalho contemporânea de Eça), o mais é nada. Nem arrisco Guerra Junqueiro, sem embargo da célebre fotografia dos "cinco"... Não, basta lembrar a sua reacção, em vésperas de casamento, ante o propósito ligeiramente biográfico de Ramalho Ortigão, para conhecer a distante vontade queirosiana face ao universo da política e das multidões. Mesmo, até, face ao magnetismo de Lisboa, do fascínio que a capital alimenta contra a província. A vida de Eça não foi linear, mas a sua derradeira fase literária são A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras.

Eça gostaria, estou certo, que as suas ossadas permanecessem em Tormes. Foi o que a sua familia quis e deixou de querer. Pode ser que um dia mais tarde deixe de querer o que agora quer. Mas será já demasiado tarde. E à História restará guardar os actos e o nome dos autores...


15 comentários

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De vasco Silveira a 06.01.2025 às 19:38

Caro João


A última fase literária do grande escritor, veio no seguimento de uma sossegada vida financeira e de funções profissionais em Paris, sua muita adorada cidade ( sua pátria ?!), em vez de Newcastle ou Havana, quando  escrevia "O crime do padre amaro", a "A relíquia, ou outros pretensiosos ( sempre maravilhosos ) e anti-religiosos textos realistas  .É o rei da escrita portuguesa ( atrás de Vieira ), mas, demorou a ser UM Português  que respeitamos(Batalha Reis; Ramalho Ortigão)
Deixem-no no Douro, deixem-no na origem da "Cidade e as serras"


Um abraço amigo, pelo Eça
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De João-Afonso Machado a 06.01.2025 às 19:47

Caro Vasco
Em algumas coisas discordo totalmente de ti. Para o caso não interessa.  Eça já vai a caminho...
Um bom Ano,  um abraço 
JA
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De vasco Silveira a 07.01.2025 às 19:50

bom ano João, e obrigado pela condescendência...


Abraço


Vasco
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De João-Afonso Machado a 07.01.2025 às 20:42

Bom ano Vasco.
Não tens de agradecer.
Um grande abraço.
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De Anónimo a 06.01.2025 às 19:55

« ... a sua derradeira fase literária são A Ilustre Casa de Ramires e A Cidade e as Serras



A última da "derradeira" foram as Lendas de Santos, que não completou. A dedicada a S. Cristóvão é uma das melhores coisas que ele escreveu.
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De Francisco Almeida a 07.01.2025 às 13:31

Pois, não teve a sorte de se ter casado com uma espanhola ligada ao meio editorial. Se tivesse, a obra teria sido acabada e publicada a título póstumo.
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De Anónimo a 06.01.2025 às 21:39

"A Capital" mostra bem  o que pensava "o ilustre Zé Maria" de Lisboa e  respectiva choldra...


Juromenha
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De César a 06.01.2025 às 21:58

Resta-nos rir porque, como ele disse, " o riso é a mais antiga e mais terrível forma de crítica" 
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De Costa a 06.01.2025 às 22:26

Uma república vazia e sedenta da pompa que lhe dê, em forçados instantes de forma, um simulacro da substância que não sabe merecer. 
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De Francisco Almeida a 07.01.2025 às 13:28

Também me despedi de Eça com "A Cidade e as Serras" e a "A Ilustre Casa de Ramires" e sou muto crítico do resto da sua obra. Não evidentemente pela forma, ainda hoje inigualada mas pelos enredos, que bem podiam ser guiões de  telenovelas de segunda categoria.
Fisicamente, despedi-me há imensos anos em Tormes, onde fui pela mão de um amigo ainda aparentado com a família e onde tomei chá com a Senhora (sobrinha neta?) que velava pelo solar, numa pequena varanda com a vista maravilhosa que certamente ajudou a inspirar Eça. 
No Panteão não tenho intenções de pôr os pés.
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De João-Afonso Machado a 07.01.2025 às 19:10

A Senhora, que bem conheci, era casada com um neto de Eça. O dono da quinta. A Senhora Dona Maria de Castro, viúva desde a Década de 40, ali foi vivendo até à sua morte, já nonagenária. Foi ela a criadora da Fundação, reservando para si o usufruto vitalício da casa. Tinha a sua parte reservada. Conheço vagamente os estatutos da Fundação e, comigo, nunca se pronunciou sobre a trasladação. Recebia-me como um sobrinho que sou de um grande amigo do escritor e eu creio não estará satisfeita com esta história.
Quanto à obra de Eça, dou-lhe o maior apreço, sobretudo aos Maias, um retrato fiel da época. E, claro, a Ilustre Casa é a minha preferida.
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De Teresa Sabugosa a 08.01.2025 às 19:19

No título do post está tudo dito. Eça no panteão de regresso à choldra. O génio de  Eça de Queirós não cabe no panteão, por isso não devia ter saído de Tormes. Teve ao longo da sua vida um percurso ascendente na sua produção literária, culminando, a meu ver, naquilo que eu considero o monumento, a catedral que são Os Maias, obra que qualquer nação se orgulharia de ter, acabando nas capelas imperfeitas que são aquela jóia que é a Cidade as Serras e os seus Contos que são belíssimos. Obrigada José Maria Eça de Queirós pelos momentos maravilhosos que a leitura da tua obra me proporcionou.
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De Marques Aarão a 09.01.2025 às 16:59

Atrevo-me a dizer que havendo uma lei celestial universal se isto não seria considerado profanação de cadáver.
Como se já não bastasse que a Constituição caseira define que todos somos iguais em vida com direitos e deveres, o que pressupõe que essa igualdade não se esgota quando a morte bate à porta.
Seria bom que notáveis constitucionalistas e professores em direito, a começar em Marcelo nos viessem dizer se as notáveis figuras do costume que promovem este tipo de inconsequentes e abusivos eventos. que para além do mais defraudam de tal maneira a nossa lei fundamenta se pronunciassem se esta clique de notáveis deveriam ou não ser julgados e condenadas. A enorme figura de Eça de Queirós bem merecia ser respeitada no seu eterno repouso.
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De José da Xã a 10.01.2025 às 19:14

Bom amigo,


Eça não deve parar quieto dentro da sua tumba ali na Graça!

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