por Miguel A. Baptista, em 30.03.23
Eu penso que a finalidade de uma pena judicial é, fundamentalmente, dupla. Por um lado, castigar o acto cometido, sinalizando a ilicitude e maldade deste e procurando, sempre que possível, a recuperação e reinserção do indivíduo. Por outro, contribuir para prevenir crimes futuros mostrando que a um acto criminoso corresponde uma pena.
Há casos em que possa ser aconselhável uma pena especialmente severa. Por exemplo, não me choca que um violador reincidente possa ser condenado a prisão perpétua, não para o "fazer sofrer", mas para que a sociedade se possa proteger e simultaneamente protegê-lo a ele dele próprio.
Quando a pena ultrapassa o domínio da punição e prevenção e entra sobretudo numa lógica de vingança e de ódio eu penso que é a própria sociedade que perde dignidade. Nestes debates, em que defendo que a decência de uma sociedade também passa pelo humanismo com que trata os seus criminosos há um argumento que surge quase invariavelmente, e o argumento e "e se fosse com o teu filho?".
Deixem-me dizer que considero o argumento bastante estúpido. Primeiro, não sei como reagiria se um filho meu fosse vítima de algum facínora ou pervertido. Segundo, acredito que a minha reação seria relativamente irrelevante. Uma das características das sociedades civilizadas é que as penas não são decretadas pelas vítimas ou pelos familiares destas e ainda menos quando estes estão numa situação de fúria ou desespero. Eu sei que este meu raciocínio não é nada popular, pois contraria os nossos instintos mais básicos. No entanto, acredito que ele é relevante quando pensamos na essência de uma sociedade civilizada e decente. A Alemanha dos anos 30 seria a sociedade mais culta do seu tempo, e, no entanto, a coisa descambou. Eu acredito que a civilização é uma construção extremamente frágil. Deixar à solta o ser cavernícola que há dentro de nós não augura nada de bom.