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A minha interpretação da posição da AD e do Chega no arranque dos trabalhos parlamentares já terá ficado clara, sobretudo somando o artigo de hoje no Observador.
A tese central é a de que o inimigo principal do Chega é o PSD e "a ideia de que o debate no parlamento português já não é tanto um debate entre adversários políticos que têm ideias diferentes sobre as políticas a seguir, mas um debate sobre grupos sociais que temem pela sua sobrevivência: uns porque temem perder o que sempre foram, outro porque quer garantir que chega onde os outros chegaram", tendo o Chega uma "necessidade de caos" para atingir os seus objectivos.
Hoje interessa-me responder à perplexidade da esquerda da esquerda que, com razão, fez notar que o acordo do PS com a AD para desbloquear o impasse institucional era um acordo muito desequilibrado para o lado da AD, visto que a AD obteve tudo o que queria - garantir a eleição da mesa que repunha a prática institucional que António Costa tinha destruído, com a indicação dos nomes que a AD pretendia no que lhe dizia respeito - sem que o PS realmente tivesse tido algum ganho real.
Ninguém acredita que o parlamento não seja dissolvido antes de se chegar ao momento em que o PS indica o presidente da AR mas se, por milagre, o parlamento ainda estiver em funções nessa altura, é uma vitória tão grande da AD, que até lhe fica bem a magnanimidade de entregar a presidência da AR ao PS.
Por que razão o PS aceitou um acordo que lhe é tão desfavorável (independentemente de imediatamente ter posto a correr a ideia de que tinha sido o PS o verdadeiro condutor de todo o processo)?
Aparentemente, o PS ficou tão surpreendido como a AD com "Korbut flip" do Chega.
Até ao momento em que se contaram os votos da primeira eleição, o Chega alimentou a ideia de que iria votar favoravelmente Aguiar Branco (aparentemente para ampliar a dimensão do gesto de vassalagem que esperava que a AD viesse a fazer depois) e a esquerda passou a manhã toda a dizer que afinal a AD, na primeira necessidade, tinha ido a correr para os braços do Chega.
Esta é uma ideia base do PS: radicalizar a sua posição para obrigar a AD a aparecer de braço dado com o Chega, uma ideia exactamente simétrica, e complementar, da do Chega que consiste exactamente em radicalizar a sua posição para a AD aparecer de braço dado com o PS.
Acontece que para o PS esta ideia é meramente tática, visando ter ganhos de comunicação, sendo estratégica para o Chega, que pretende cavalgar a ideia de que o PS e o PSDois são a mesma coisa, portanto quem quer uma vida diferente, tem de votar no Chega.
Para surpresa do PS (do Chega, da comunicação social e minha) a AD, em vez de entrar em parafuso e ir a correr fazer todas as cedências necessárias para não passar pela humilhação de não conseguir eleger um presidente da AR, encolheu os ombros e disse que havendo uma coligação negativa entre PS e Chega, que se chegassem à frente e elegessem quem quisessem, a AD iria manter a sua posição inicial.
E deixou o assunto correr, apesar do coro da comunicação social a assinalar a incapacidade da AD resolver o assunto, o barulho do Chega a pôr-se em bicos de pés e dos zig-zagues do PS para evitar deixar sedimentar a ideia de que fazia parte de uma coligação negativa com o Chega e de que era um partido irresponsável, mesmo em questões meramente institucionais.
Quando Montenegro foi ter com Pedro Nuno Santos, evitando a cedência à chantagem do Chega, manteve-se na mesma: recusava deixar de votar nos nomes indicados pelo Chega, que era a sua obrigação constitucional, e mantinha a candidatura de Aguiar Branco o tempo que fosse necessário até o parlamento encontrar uma solução.
Ou o PS cedia, mesmo encontrando uma maneira de salvar a face, ou ficava associado ao bloqueio institucional criado pelo Chega, o que podia ter custos eleitorais relevantes no futuro.
Com a impossibilidade de dissolver o parlamento nos próximos seis meses, com duas eleições nos próximos meses em que o PS não quer aparecer coligado com o Chega no bloqueio das instituições, o PS cedeu e propôs uma solução que, no essencial, é uma derrota em toda a linha, como muito bem assinalou a esquerda da esquerda (o PS não tem nada a temer desse lado, é só pôr Fabian Figueiredo falar o mais possível, que a questão da fuga de votos do PS para o BE fica resolvida definitivamente).
O resultado final é Aguiar Branco a propor uma revisão do regimento da Assembleia e um aviso sério da AD ao PS: tenham lá cuidado com o que fazem porque não temos problema nenhum em pôr nas mãos da coligação PS/ Chega a resolução dos problemas que quiserem criar, escusam de agitar o fantasma das alianças da AD com o Chega, porque existem tanto quanto as alianças com o PS.
A vida está difícil para a AD, mas não está mais fácil para o PS, o Chega, os pequenos partidos e nós.
A turbulenta eleição do Presidente da Assembleia da República confirmou a tese do perspicaz Rui Tavares. Efetivamente, os três blocos são uma realidade, porém, a sua constituição e visão ideológica diverge substancialmente daquela que o porta-voz do Livre sugere. O modelo, a matriz, a grelha de interpretação do mundo político ocidental, alicerçado na clássica dicotomia entre esquerda e direita, desmoronou. A tradicional divisão assente na organização económica cedeu lugar a um novo paradigma cujo âmago é a identidade. A gritante clivagem que se manifesta é entre globalistas e nacional-populistas, dado que é a identidade nacional a única com força para se opor à avalanche da “governança” global.
Confrontada com o impasse, a corrente do liberal globalismo em Portugal optou por uma solução pouco inovadora: consensualizou-se dividir o mandato em períodos de dois anos, atribuindo os primeiros dois a Aguiar-Branco e, posteriormente, outros dois a Francisco Assis. Esta é uma prática estabelecida ao longo dos anos no Parlamento da União Europeia (UE), um dos mais infames centros do liberal globalismo, resultante do consenso entre os grupos políticos que o Partido Socialista (PS) e o PSD integram, respetivamente o Aliança Progressista dos Socialistas e Democratas (S&D) e o Partido Popular Europeu (PPE). O leitor não se engane: a atual elite política dominante na UE é vincadamente anti-nacional. O Chega destaca-se, inequivocamente, como o único partido com representação parlamentar que se posiciona em oposição ao globalismo. De facto, a defesa de uma “Europa das nações” traduz essa postura num ambiente de marcada clivagem identitária.
Jorge Humberto Pinto no Observador (artigo Esquerda e direita já não existem)
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