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"Realmente a gestão privada é uma maravilha, viu-se quando acabaram as parcerias público privadas dos colégios e muitos foram à falência. Vê-se nos empresários negreiros do Alentejo. Vê-se na gestão da banca.
Vale tudo, interessa é o lucro, quais serviços sociais quais carapuça.
Na saúde? Com os "especialistas" todos a receber dinheiro das farmacêuticas?
Pois... eu também acredito no Pai Natal."
"Custa-me muito a conceber que haja em Portugal alguma família remediada, já nem digo pobre, que tenha um filho no ensino privado. Não deve haver mesmo nenhuma. Dificilmente uma família remediada terá 400 euros mensais para pagar a propina de uma escola privada."
"Se não têm dinheiro para pagar os livros os pais podem sempre matricular os filhos no ensino público, está aberto a todos. A seguir vão exigir que o Estado pague os ordenados dos professores dos colégios, já que paga os do ensino público."
Este tipo de comentários são habituais de cada vez que alguém resolve escrever sobre o facto de, em Portugal, ser habitual o Estado confundir o acesso público a bens e serviços sociais com a prestação estatal desses bens e serviços sociais.
Durante muito tempo achei que era simplesmente ignorância. Mais tarde, o processo de liquidação de boas escolas para as substituir por escolas piores, por parte de Alexandra Leitão e António Costa, tirou-me qualquer dúvida sobre a natureza do que estava em causa: a defesa de más soluções colectivas, por razões de utilidade política de curto prazo.
O fundamental para os alunos e para as suas famílias (tal como para os doentes e suas famílias) é que exista acesso aos bens e serviços sociais prestados, com a melhor qualidade possível.
O fundamental para o contribuinte (não existem bens e serviços sociais gratuitos, o que existem são bens e serviçoes sociais pagos pelos utilizadores ou pagos pelo contribuinte) é que esse acesso e a melhor qualidade possível sejam obtidos com o mínimo de recursos possível.
Destas duas premissas resulta que o óptimo social é que se obtenha o melhor nível possível de bens e serviços, com o mínimo custo possível.
Desta enunciação simples do problema está completamente ausente a natureza da entidade que presta os serviços ou disponibiliza os bens.
Há, no entanto, quem acredite (trata-se de fé, não há qualquer demonstração objectiva disso) que para obter o melhor resultado social possível, a questão da propriedade das entidades que prestam o serviço ou disponibilizam o bem é fundamental, havendo os que garantem que só o Estado é capaz de disponibilizar bens e serviços de qualidade com baixos custos por não visar o lucro - estas pessoas consideram que os ganhos em votos não cabem na definição de lucros - e havendo quem garanta que é preciso o estímulo do lucro para que a eficiência seja optimizada, o que implica que só a gestão privada e orientada para o lucro permite bons resultados.
Quer uns quer outros recusam-se a discutir com base em casos concretos e informações objectivas e por isso raramente aceitam começar por discutir a disponibilização dos bens alimentares, que são bens sociais absolutamente essenciais.
Para simplificar, falemos apenas do pão.
Há experiências, pelo mundo fora, de quase total liberdade dos agentes privados para obter estes bens e de completa estatização do processo de disponibilização do pão, passando pelas inúmeras variações como fixação de preços máximos e afins.
Dessas experiências podem tirar-se algumas conclusões.
As intervenções mais pesadas do Estado, fora de situações de emergência, traduzem-se sempre por escassez e má qualidade dos bens disponibilizados, seja na forma mais crua e pesada da antiga União Soviética e afins, seja nas mais mitigadas situações de controlo administrativo do preço do pão (por alguma razão a lei de 1899, de Elvino de Brito, que é a primeira ou das primeiras leis de protecção da produção de cereais na Europa moderna, ficou conhecida como "Lei da fome").
A total liberalização na disponibilização desses bens tende a ser socialmente injusta, para além dos limites de tolerância das sociedades modernas em relação à injustiça relativa, em situações de emergência (guerras, catástrofes, pragas, etc.), podendo, em sociedades especialmente injustas, ter o mesmo resultado fora de situações de emergência.
Actualmente, apesar de estar em causa um bem social absolutamente essencial, o pão, ninguém (há uns lunáticos que ainda falam na apropriação colectiva dos meios de produção, mas são seitas ultra-minoritárias) discute hoje a apropriação por parte do Estado das terras agrícolas, das máquinas agrícolas, da gestão agrícola, da comercialização de cereais e a criação de uma rede de padarias do Estado com o objectivo de fornecer pão mais barato e de melhor qualidade, eliminando o lucro que vai existindo em todos os agentes envolvidos no complexo processo de produção, armazenamento, comercialização e disponibilização de alimentos, mormente do pão.
No caso da educação, em Portugal, até seria fácil fazer a discussão das vantagens da gestão privada e estatal de escolas, na medida em que existiam (e existem, cada vez mais marginalmente) escolas de acesso aberto (ou seja, com propinas pagas pelos contribuintes) privadas e do Estado, sendo por isso possível avaliar o seu desempenho, quer do ponto de vista da qualidade do serviço prestado e do custo associado para o Estado.
Em vez da estupidez (que me desculpe o comentador, mas estou a tentar ser simpático porque a alternativa seria considerar a desonestidade, que me parece mais insultuoso porque a estupidez é apenas uma característica e a honestidade é mesmo uma escolha) de se dizer que a gestão privada é tão má que mal foram cortadas as verbas do Estado, fecharam algumas dessas excelentes escolas (como se cortando o financiamento as escolas estatais não fechassem igualmente), o que interessa discutir é o custo para o contribuinte face ao retorno dado pelas escolas, em cada escola.
Ora a informação existente, apesar do esforço militante de Alexandra Leitão e outros para impedir a transparência que permite a discussão informada e racional, é a de que as escolas estatais, de maneira geral (haverá excepções que se tornariam visíveis quando se disponibilizasse a informação escola a escola), custam mais dinheiro aos contribuintes, dando em retorno bens que as famílias dos alunos (o verdadeiro centro do processo educativo) consideram piores que nas escolas privadas que foram obrigadas a fechar (insisto que este grau de generalização é prejudicial à discussão racional sobre as melhores soluções, mas é a opacidade da administração pública portuguesa que impede a necessária e útil distinção escola a escola, que permitiria demonstrar que também há boa gestão em escolas estatais e má gestão em escolas privadas).
E o mesmo se passa na saúde.
Espantalhos como o nível das propinas das escolas privadas, como se não houvesse diferenças entre elas, como se algumas não recebessem alunos carenciados, como se não fosse legítimo aos pobres e remediados cortar em tudo o resto para conseguir pagar uma propina que consideram um bom investimento na educação dos filhos, não passam disso mesmo, espantalhos para evitar a discussão de fundo: como obter melhores resultados com menos recursos, em cada escola, independentemente da natureza do seu proprietário, que é uma coisa completamente irrelevante para o que se pretende.
Tal como são espantalhos a conversa dos empresários negreiros, como se não houvesse corrupção e crime dentro do Estado ou a generalidade dos empresários agrícolas tivessem sido presos nas recentes operações contra o tráfico de pessoas, ou o dinheiro dos bancos, como se não tivesse sido necessária resgatar os bancos estatais.
E como a maior parte das pessoas que fazem este tipo de comentários são pessoas sem qualquer défice cognitivo, a minha conclusão, de há uns anos a esta parte, é simples: não é ignorância e falta de informação, é má-fé mesmo.
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