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Joana Lopes, há dias escrevia:
"BENFICA VERSUS FEIRA DO LIVRO
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Reina a indignação porque, no sábado, a FdoL vai fechar umas horas mais cedo por causa da esperada multidão de benfiquistas que festejará a vitória do clube, como habitualmente, nas imediações do recinto da Feira.
Não sei se algum leitor, ávido de comprar cultura, deixará de o fazer nas centenas de horas que terá à disposição. Não creio. Só posso portanto imaginar que se esperasse que um simples pedido no Estádio levasse muitos, muitos milhares de pessoas a regressarem a casa, ao nonagésimo minutos de jogo mais descontos, ou que a polícia de choque vedasse dois terços da cidade para que apenas um acesso à Feira fosse possível.
Em que país julgam viver? Num paraíso de intelectuais? Ou na Coreia do Norte?"
Parece uma coisa sensata, o que está escrito, mas tem um conjunto de falácias a que convém dar atenção.
Em primeiro lugar, o maniqueísmo expresso não tem sentido nenhum, a questão não é benfica vs feira do livro, mas sim, um funcionamento normal da comunidade vs suspensão das regras por umas horas porque eles são muitos e querem que seja assim.
Em segundo lugar, o maniqueísmo da parte final do texto, opondo a realidade da festa à Coreia do Norte, não faz, igualmente, qualquer sentido.
É claro que ninguém espera que um monte de pessoas que acham muito importante uma coisa que conseguem alcançar (seja que coisa for), deixem de manifestar a sua alegria só porque alguém as manda para casa.
É portanto de esperar que haja manifestações de alegria mais ou menos orgânicas quando um grupo suficientemente grande de pessoas sentem que alcançaram o que queriam.
O problema consiste em saber se o Estado cabe simplesmente aceitar a suspensão das regras normais de convivência, porque eles são muitos e é pouco tempo, ou se cabe ao Estado defender os mais fracos das consequências da falta de juízo dos mais fortes (sim, fazer um espectáculo pirotécnico de dez minutos no Marques de Pombal às duas da manhã é uma violência inconcebível para os milhares de pessoas que vivem à volta, no raio muito alargado afectado pelo barulho desse espectáculo pirotécnico).
Para quem acha normal fechar a feira do livro, fechar dezenas de estabelecimentos comerciais (ao mesmo tempo que aprova dezenas de roulottes para servir comidas e bebidas no mesmo espaço), fechar boa parte das principais vias de circulação de uma cidade, fechar estações de metro ao mesmo tempo que se pede às pessoas que se dirijam ao local por transportes públicos, instalar pontos de revista pela polícia das pessoas que se dirigem a um espaço público, com o único objectivo de garantir que a falta de juízo dos mais fortes não descambe em mortos e vandalismo, pois com certeza, está tudo bem, nada a dizer.
Para os outros, como eu, que acham estas prepotências inaceitáveis, a questão não é confiar que as pessoas vão placidamente para casa a pedido do Estado, e quando vão, levam com a repressão policial dura, à maneira da Coreia do Norte, mas sim avaliar em que medida o Estado e o adepto médio, com a sua complacência face à suspensão das regras de convivência social quando se trata de futebol, estão a criar um problema que, cedo ou tarde, vai dar asneira.
Em que medida cabe ao Estado fazer de populista que vai atrás dos populares que são muitos, ou cabe ao Estado defender as regras de convivência social em todas as circunstâncias, sem abrir excepções.
Claro que as regras sociais de convivência devem ser adaptadas a cada circunstância e à natureza humana, é inevitável que no fim dos campeonatos de futebol haja expressões populares de alegria (a ida para o marquês começou espontaneamente, com pessoas que saiam de casa para dar uma volta a gritar vivas ao seu clube a concentrar-se ali por razões meramente funcionais), pelo que as regras a usar nessas alturas devem ter em atenção a irracionalidade da natureza humana, em algumas circunstâncias.
Para mim, a questão não é impedir ou deixar de impedir as pessoas de darem vivas a quem queiram (alguns dos principais utilizadores começam a manifestar alguma irritação porque ir ao Marquês já não tem graça nenhuma, de tal maneira aquilo está condicionado), mas sim, saber por que razão não começa o Estado, os clubes e as federações a pensar em maneiras socialmente menos opressivas para os grupos minoritários (alguns deles bastante frágeis), começando hoje a preparar a canalização da energia popular noutros sentidos.
E isto não é independente do populismo de ter sete canais de televisão (mais o do Benfica) a transmitir horas da recepção da câmara ao clube que ganhou o campeonato, de acordo com o que li de José Teixeira, num absurdo editorial que simplesmente não compreendo.
A ideia de que o futebol é um força social incontrolável, portanto o que há a fazer é suspender as regras de convivência social em algumas circunstâncias é uma ideia típica de populistas, e eu não gosto de populistas.
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