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Sim, claro que há, mas raramente são o centro da informação sobre a epidemia.
Por puro acaso, nos últimos dois ou três dias tenho estado em frente a uma televisão na altura em que o telejornal (uma jornalista da SIC, com quem conversava de vez em quando, corrigia-me sempre que eu falava do telejornal da SIC, porque o telejornal era da RTP, mas é como o cimbalino no Porto, que nem sempre é tirado em máquinas Cimbali) principal da SIC falava da covid - que aliás ocupa grande parte do notíciário - e acabo sempre a ir verificar os dados dos países que vão sendo citados, de tal forma a imagem com que fico do que ouço na televisão é distante da que tenho na cabeça, resultante de uma visita diária matinal aos números. A coisa é de tal maneira que fico com genuínas dúvidas sobre se terei visto bem os dados.
Por exemplo, quer Espanha, quer a Suécia eram citados ontem como países onde estão a ocorrer crescimentos imensos da epidemia, quando o que se vê nos gráficos é o que está abaixo.
O mesmo se passa com o Observador, que agora se entretém, dia sim, dia sim, a fazer umas coisas sobre os recordes de casos que todos os dias são batidos.
Ao mesmo tempo, o mesmo Observador, publica este texto de opinião em que se lembra, e bem, o que é a intervenção médica clássica e como ela tem vindo a ser prevertida com invenções que nunca foram aplicadas antes e cujos efeitos benéficos estão por demonstrar, enquanto os efeitos negativos são já evidentes.
Sobre o fundamento das medidas preconizadas pelo fascismo sanitário - cujas consequências estão muito bem descritas por João Távora num post do Corta-Fitas anterior a este - tenho visto poucas coisas, em Portugal, mais esclarecedoras que esta entrevista de Filipe Froes.
Comecemos pelo desligamento da realidade social que Filipe Froes demonstra, logo ao início da entrevista, ao mostrar uma máscara nova, dizendo que acabou de a trazer do hospital. Eu sei que é um pormenor ínfimo, mas a verdade é que Filipe Froes está a demonstrar a natural cegueira do privilegiado em relação ao seu privilégio. Filipe Froes, que defende o uso de máscara em numerosas situações, e defende que esse uso seja feito de acordo com regras sanitárias muito estritas, incluindo a sua substituição frequente por outra nova, está a explicar que milhares de pessoas que ganham muito menos que Filipe Froes estão a pagar-lhe as máscaras que usa, mesmo em contextos privados como o de uma entrevista. Ao fazê-lo com a desenvoltura de quem acha isso natural, está a demonstrar não ter a menor ideia, ou pelo menos o menor respeito, pela dificuldade que milhares de pessoas de muito baixos rendimentos terão para usar três ou quatro máscaras por dia, acrescentando uns 50 euros por mês de despesas aos seus magros orçamentos. Esse problema nem sequer existe para Filipe Froes e portanto desconhece que por mais obrigatório que seja o uso de máscaras, elas nunca vão ter o efeito que pensa pela simples razão de que as pessoas as usarão de formas totalmente erradas, não garantindo os tais efeitos positivos que alguma literatura descreve, no pressuposto de que as máscaras são usadas correctamente.
Como disse, este é um pequeno pormenor, mais relevante é o paralelismo de bom senso que Filipe Froes estabelece ao considerar que não sendo possível fazer testes de evidência com grupos testemunha no uso de máscaras e saltos de pára-quedas, é razoável equivaler a atitude de não usar máscara à atitude de saltar de um avião sem pára-quedas. Não sou eu que estou a exagerar, é mesmo este o nível da argumentação usada para fazer a defesa do fascismo sanitário.
Mais grave é, por exemplo, uma leitura totalmente ilegítima de um estudo publicado na Lancet ali por volta dos 11 minutos da entrevista, em que Filipe Froes simplesmente sugere que o estudo que cita diz que as máscaras podem oferecer uma protecção de risco de infecção até 85%, quando na verdade não é nada disso que o estudo diz, sendo extraordinária a forma como lê uma parte do estudo, até que introduz, sem aviso, uma conclusão sua, que o estudo não suporta.
Saltemos por cima da sua opinião de que os portugueses não podem ser responsáveis por si próprios e portanto têm de ser protegidos por iluminados como Filipe Froes, razão pela qual a gestão da epidemia feita pela Suécia nunca poderia ser usada em Portugal e saltemos pelas fábulas das centenas de milhar de óbitos que existiriam se a abordagem fosse outra, que Filipe Froes se escusa de demonstrar ou fundamentar seriamente (é absolutamente inacreditável a resposta à objecção de que a percentagem de jovens em cuidados intensivos é muito reduzida, uma evidência impossível de negar, a que Filipe Froes resolve responder com uma piada de mau gosto, dizendo que para os que lá estão a percentagem é 100%).
Mas o que verdadeiramente caracteriza esta entrevista é a afirmação (por volta do minuto 30) de que as excepções de evolução grave da doença em jovens são em muito maior número na covid que na gripe. Isto é simplesmente falso - eu sei que Filipe Froes responderá que não é da gripe mas das pneumonias que as pessoas morrem, como se não estivesse mais que demonstrada a associação entre os picos de gripe e doenças pulmonares e a morte subsequente às respectivas complicações - e claro que Filipe Froes sabe que a mortalidade nos grupos etários mais baixos é muito maior por causa das gripes e doenças semelhantes que por causa da covid, isso está perfeitamente documentado neste momento.
O que isto quer dizer é que não se trata de ignorância (como dizia recentemente um comentador dos meus posts, Filipe Froes sabe mais disto num dedo mindinho, e a dormir, que eu inteiro acordado, o que é verdade), trata-se da execução de uma missão evangélica (como são características as referências à honestidade própria, à imensa dedicação, às horas de trabalho, à sua intervenção na salvação dos seus semelhantes, ao longo de toda a entrevista, por oposição à corrupção moral de todos os que discordam do profeta) que, como é normal no tipo de pessoas que se atribuem a si próprios missões transcendentes, não hesita em recorrer à mais evidente mentira para salvaguardar a grande missão (pungente, a forma como Filipe Froes leva a mão ao peito para falar das pessoas cujo prognóstico foi agravado pela falta de resposta do sistema de saúde, em consequência da estratégia de gestão da epidemia adoptada, para logo concluir que isso são meros danos colaterais da salvaguarda de um bem maior para todos).
E, no entanto, ao fim deste tempo todo, ficamos sempre com uma pergunta por responder: e doentes? Quantos há em cada momento? Com que consequências? Com que evolução?
Não sabemos porque médicos resolveram esquecer-se de que o doente é o centro da sua preocupação, para se passarem a preocupar com resultados de testes laboratoriais.
Se alguma vez eu tivesse dúvidas sobre as vantagens da democracia face à tecnocracia e, consequentemente, das vantagens de ter pessoas comuns a fazer política e influenciar as decisões para todos em detrimento do excesso de peso dos especialistas, esta epidemia ter-me-ia ter tirado todas as dúvidas: eu não quero o evangelista Filipe Froes a tomar decisões sobre a minha vida sem que para isso tenha passado pelo processo de legitimação social que são as eleições.
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