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Os minoritários da covid não são uma massa uniforme de pessoas com ideias iguais, tal como os maioritários.
A clivagem essencial está entre os que defendem o que sempre foi feito para o controlo de epidemias e os que entendem que se justificam medidas extraordinárias nunca testadas antes à escala adoptada desta vez (e a outras escalas também não estão muito testadas mas vamos fugir dessa discussão).
A discussão técnica e científica da epidemia só interessa para nos permitir discutir as opções possíveis e a proporcionalidade de cada medida.
Se a epidemia matasse muito e se espalhasse rapidamente (normalmente não é o que acontece, mas vamos admitir que esta epidemia fugia ao padrão habitual em que uma expansão rápida não se compadece com mortalidades elevadas) talvez se justificassem medidas radicais de contenção da doença, se a epidemia se espalhar rapidamente mas tiver baixa mortalidade, então há medidas que devem ser evitadas por causa dos seus efeitos secundários na sociedade.
Isto não está muito longe do que fazemos com a prescrição de medicamentos, em que o que está sempre em causa é garantir que os efeitos positivos de cada medicamento é maior que os seus efeitos negativos.
A dificuldade numa epidemia é que a decisão não está centrada numa pessoa - o médico que acompanha o doente - e a informação necessária para tomar decisões não se consegue obter facilmente - por exemplo, quanto aumenta o risco de degradação da saúde quando aumenta a pobreza associada a uma medida com impactos económicos negativos e que parece razoável para gerir contágios?
Para o comum dos mortais não vale a pena perder muito tempo com a discussão estritamente científica, o que vale a pena é discutir política.
Ainda que assim seja, não é possível fugir à contaminação da discussão política por aspectos técnicos.
Por exemplo, se a infecção de transmite por aerossóis de forma relevante, há um conjunto de medidas que podem ser úteis ou necessárias ou as duas coisas, se se transmite essencialmente por grandes gotículas em contactos próximos frequentes e demorados, há outro conjunto de medidas, se se transmite principalmente por contacto com superfícies infectadas, há um terceiro conjunto de medidas.
Mas todas elas, se aplicadas à sociedade, com efeitos na gestão da epidemia, mas também na vida quotidiana das pessoas que não tem qualquer relação com a epidemia, são medidas de política, não são decisões técnicas.
É essencialmente por essa razão que a Direcção Geral de Saúde não deveria determinar coisa nenhuma, deveria fazer, como lhe compete, recomendações, com valor técnico, com certeza, mas sem valor legal, que seriam transformadas em normas legais, ou não, pelos processos normais de produção de legislação.
O que está em causa em toda esta discussão não é se a covid é muito mais impactante que a gripe (em Portugal, até agora, em mortalidade, manifestamente não me parece ser, com os números conhecidos, mas é uma mera opinião de quem não tem mais preparação que saber ler e usar o seu senso para formar uma opinião) mas sim se é razoável ou não ter casinos abertos e bares fechados.
Um exemplo concreto.
No Público de Sexta-feira há uma boa entrevista a Henrique Barros, presidente do Conselho Nacional de Saúde e do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto. Uma pessoa claramente mais qualificada que eu para discutir uma epidemia.
Nessa entrevista diz "Na fase anterior às vacinações generalizadas na infância, havia em relação a algumas doenças (que as pessoas assumima como pouco graves) uma espécie de entendimento que levava a que fossem encaradas como necessidade do crescimento. No sarampo, por exemplo, havia essa ideia de pôr os meninos todos juntos porque mais valia que se infectassem logo. E é esse tipo de discurso que se está a ouvir agora mas que é duplamente precipitado. Primeiro porque não sabemos sequer se a infecção dá imunidade duradoura. ... Em segundo, porque a maior parte das pessoas nessas idades são muito pouco assintomáticas (suponho que é um engano, deveria estar escrito são muito pouco sintomáticas) e isto pode querer dizer que estas pessoas que se consideram saudáveis ou têm os sintomas banais, como um cansaço ou uma tossiqueira, podem estar a transmitir a infecção a outras pessoas cujo prognóstico pode não ser tão benigno".
Por que razão, reconhecendo eu a autoridade de Henrique Barros nesta matéria e a minha falta de preparação, ao ler isto, fico de pé atrás?
Primeiro por uma evidente dissonância cognitiva (sem qualquer sentido pejorativo) ao falar da gestão de risco anterior à vacinação generalizada das crianças.
O problema não era a percepção das pessoas, o problema é que as doenças, como o sarampo, estavam na comunidade e, sem vacina, não havia maneira de evitar o risco de a contrair.
O que era uma questão de percepção generalizada, aliás correcta, é que havia um conjunto de doenças cujo risco era muito diferenciado com a idade, havendo um risco relativamente baixo de complicações na infância e um risco muito mais elevado na idade adulta (algumas com grandes riscos durante a gravidez).
E era essa análise de risco que fazia com que as pessoas, sabendo que não havia maneira de garantir que não apanhavam a infecção, preferiam controlar o que podiam controlar: ter a doença o mais cedo possível.
Uma pessoa que com todas as qualificações de Henrique Barros não entende o funcionamento da sociedade ao ponto de dizer o que disse sobre este assunto não me inspira grande confiança na discussão da melhor maneira de uma sociedade gerir o risco perante doenças que estão para lá do seu controlo.
Infelizmente, a minha disconfiança é acentuada com o que é dito posteriormente: reconhecendo que as pessoas mais novas não correm grandes riscos - acho extraordinária a utilização de casos de muito baixa probabilidade como demonstração de que não há risco zero, como tem sido frequente - sugere que a sua infecção deve ser evitada para não prolongar a cadeia de contágio até aos vulneráveis (ir à raiz do problema eliminando todos os contágios, defende Filipe Froes noutro lado, sem que ninguém lhe pergunte qual é a viabilidade de ter resultados com essa abordagem), sem que discuta se as medidas de política se devem concentrar em evitar todos os contágios ou se devem concentrar em reforçar a defesa dos mais vulneráveis.
Uma e outra opção são politicamente defensáveis, a primeira parece-me uma fantasia sem um único caso em que se demonstre a possibilidade de isso ser feito - liquidar todos os contágios com base em medidas não farmacêuticas -, a segunda parece-me mais viável, desde que não se tenha como objectivo reduzir o risco de contágio de pessoas vulneráveis a zero, porque isso é também impossível.
Em qualquer caso é de política que se fala e, para isso, os epidemiologistas, intensivistas, infecciologistas, virologistas, etc., não só também não pensam todos da mesma maneira, como não vejo razão para os considerar especialmente aptos a tomar melhores medidas de política que quaisquer outras pessoas.
Nesse aspecto concreto, António Costa tem razão em dizer que a informação técnica e científica que lhe é dada deixa muito a desejar.
O que escusa é de fingir que a sua obrigação não é tomar decisões, e assumir a responsabilidade dessas decisões, sem se esconder atrás da incerteza que é inerente ao conhecimento que temos da natureza e aos instrumentos de que dispomos para nos relacionarmos com ela.
É a vida António, é mesmo de política que se trata quando se discutem opções de gestão de uma epidemia, é ao governo que cabe fazer opções, não é à OMS, à DGS, às universidades e centros de investigação.
Eu sei que é injusto que se responsabilize o governo pelos efeitos das epidemias: é o vírus que infecta pessoas, não é o governo, tal como é injusto responsabilizar o governo de turno pela área ardida em cada ano, que depende essencialmente da meteorologia mas, mais uma vez, é a vida.
Já responsabilizar o governo por fechar administrativamente supermercados às oito ou às dez, ou optar por pôr a polícia a dispersar ajuntamentos ou fazer outras tarefas, ou ter bons ou maus transportes públicos, ou suspender ou não as consultas dos centros de saúde, isso é perfeitamente justo.
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