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Dúvidas legítimas

por henrique pereira dos santos, em 07.09.24

"O relatório da Inspeção-Geral de Finanças conclui que o negócio de compra da TAP por David Neelman foi financiado com um empréstimo de 226 milhões de dólares feito pela Airbus, em troca da compra pela companhia aérea de 53 aviões à construtora aeronáutica europeia.

ou seja , comprou a tap com uma venda de aviões à tap. a tap comprou esses aviões à toa , podia ser que outra empresa proporcionasse um melhor negócio na compra dos aviões. a tap precisava de mais 53 aviões na altura ? essa questão tem de ser respondida".

Estas dúvidas, por mais que já tenham sido respondidas (podem procurar o video a audição de Diogo Lacerda Machado, na comissão de inquérito da TAP,  que penso que ninguém dirá que é um avençado de Passos Coelho), são legítimas e postas de forma perfeitamente razoável e por isso respondo aqui.

Em primeiro lugar convém esclarecer que não é verdade que o relatório da Inspecção-Geral de Finanças conclua que o negócio da compra da TAP foi financiado com um empréstimo de 226 milhões de dólares feito pela Airbus, em troca da compra pela companhia aérea de 53 aviões.

A TAP foi vendida e, consequentemente, comprada, por 10 milhões, com dinheiro de David Neeleman.

Posteriormente, e na sequência das obrigações contratuais resultantes dessa compra, foi financiada em 226 milhões de dólares.

O que os juristas da Inspecção Geral de Finanças (os dois chefes de equipa que participam no processo têm um uma ligação ao governo de Guterres, outro ao governo de Sócrates, mas esqueçamos isso) admitem como hipótese, a ser avaliada pelo Ministério Público, é que a essa capitalização se aplica legislação que explicitamente é sobre a compra de acções, no pressuposto de que sendo a capitalização uma parte essencial do processo de privatização, então a capitalização, ainda que indirectamente, se inclui na compra do capital da empresa.

Não sou jurista, não vou discutir esta interpretação fascinante, mas como leigo parece-me evidente que tendo Neeleman pago dez milhões ao Estado (Neeleman na qualidade de comprador, o Estado na qualidade de vendedor) e sendo a TAP (não o Estado) o destinatério dos 226 milhões, fundos que forçosamente ficam trinta anos na TAP, contratualmente, é absurdo pretender que dinheiro que entra na empresa pode ser juridicamente tratado com base em normas que se aplicam à compra de acções.

Mas deixo essa parte da o Ministério Público avaliar.

Esclarecida esta parte sobre o que realmente conclui o relatório da IGF, vamos à substância.

A TAP tinha encomendado aviões à AIRBUS e estava em sério risco de incumprimento contratual por falta de dinheiro, o que teria como consequência perder quase 50 milhões de prestações já pagas, sem qualquer renovação de frota.

O que Neeleman faz é ir ter com a Airbus, apresentar-lhes um projecto para a empresa que implica transferir o dinheiro já pago para uma nova compra de aviões alinhada com o conceito estratégico que tem para a empresa, anular a compra anterior, explicando que para fazer isto precisa urgentemente de 226 milhões para resolver os problemas de tesouraria da TAP e, com isso, manter a companhia a voar e a comprar aviões à AIRBUS.

A troca dos aviões encomendados por outros (bastante mais baratos) justifica-se porque os primeiros só têm vantagem em vôos acima de 10 horas (de que a TAP só tinha duas rotas) significando, para o novo conceito estratégico trazido por Neeleman, de pôr a TAP a fazer a ligação entre a Europa e as Américas, essa troca é uma vantagem operacional brutal.

A AIRBUS acredita no projecto de Neeleman, empresta-lhe o dinheiro a ele (que depois transfere para a TAP, nessa altura, também de Neeleman), exigindo no entanto uma garantia adicional no caso da compra dos novos aviões não se concretizar.

Resumindo, não compra a TAP com uma compra de aviões, financia a TAP, que entretanto comprou, junto de um fornecedor com interesse em manter um cliente relevante e, até hoje, ninguém demonstrou que o preço dos aviões tenha sido inflacionado para pagar esse empréstimo.

Achar que a AIRBUS anda metida em negócios manhosos (financiar clientes e depois aumentar os preços de venda) por estes valores é não ter a mínima noção do que é a diferença entre o valor da operação comercial em causa e o valor reputacional para a AIRBUS que representaria a demonstração de que a AIRBUS andava metida em esquemas mafiosos para beneficiar uns clientes em detrimento de todos os outros.


17 comentários

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De maria a 07.09.2024 às 11:10

V.Exª é muito claro, só os idiotas interessados e sobreviventes do Tacho no sistema trafulham a verdade.
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De Anónimo a 07.09.2024 às 11:27

E vão quatro!
Amanhã há mais?
O assunto é mesmo bichoso, incomoda mesmo.
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De JPT a 07.09.2024 às 11:33

Aparentemente, ninguém sabe dos "contratos de fornecimento exclusivo" que toda a alma que abre uma tasca em Portugal outorga com (pelo menos) uma das duas grandes produtoras/distribuidoras de cerveja, e que consistem em (para lá de lhe entregarem cadeiras, mesas, toldos e afins com a imagem da marca) entregar dezenas de milhares de euros, a título de adiantamento de "desconto" sobre o "preço de tabela" a que ficam obrigados a comprar as futuras encomendas dos produtos do respectivo catálogo (em quantidades e durante prazos pré-determinados, que, se não forem cumpridos, importam a obrigação de devolver o "desconto", acrescido de sanções pecuniárias, e de juros de mora). Mediante este negócio, o comerciante, primeiro fica com o adiantamento do "desconto" para fazer o que entender (às vezes é para pagar as prestações do trespasse, a compra do stock, e os primeiros salários ou rendas, suprindo a falta de capital próprio ou crédito bancário), e depois, claro, fica obrigado a comprar cerveja, água, refrigerantes e café ao "valor de tabela", que é muito acima do valor de mercado (pois está a pagar o empréstimo que, na prática, lhe foi feito pela cervejeira e os juros sobre o mesmo). Parece-me que é isto, com aviões.
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De henrique pereira dos santos a 07.09.2024 às 12:18

Não, neste caso não é isso por duas razões.
A primeira, não é um contrato novo, é renegociação de um contrato existente que a TAP estava em risco de incumprir.
Segundo, o accionista não pega no dinheiro para fazer o que quer porque o dinheiro não é entregue ao acionista, mas entra na TAP, com um fim específico.
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De JPT a 07.09.2024 às 16:16

A primeira diferença existe, mas a segunda não é diferença: o dinheiro das cervejeiras também não é entregue aos gerentes das tascas, mas às empresas que estes constituíram. O problema é a frequente confusão entre ambas. 
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De Anonimus a 07.09.2024 às 12:23

Achar que a AIRBUS anda metida em negócios manhosos (financiar clientes e depois aumentar os preços de venda)



Cortar manhosos
Sim, andam. Como quaiquer outra empresa. Até as há na area da aeronáutica, que oferecem aviões e helicópteros. Desde que tenham monopólio da manutenção. É manhoso?
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De henrique pereira dos santos a 07.09.2024 às 12:27

A Airbus, que fabrica aviões, oferece aviões em troca da manutenção, que não é o seu negócio?
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De Anonimus a 07.09.2024 às 13:00

Nao está isso escrito.
É ler. Se quiser, claro.
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De Anonimo a 07.09.2024 às 13:03

A Airbus não fornece serviços de manutenção?
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De henrique pereira dos santos a 07.09.2024 às 15:21

Deve fornecer, como apoio ao seu negócio de fabrico de aviões, não é o seu negócio, mas se tem dúvidas, procure informação sobre o assunto, encontra facilmente, com certeza
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De Anonimo a 07.09.2024 às 16:51

Todas as empresas da aeronáutica mantêm área de negócio com manutenção, peças, e formação. Claro que não é o core business, essa é a venda de aeronaves. Mas quantas vezes não será melhor vender baratinho, a troco de um contrato de exclusividade de umas dezenas de anos.
Verdade que não possuo o know how do HPS na área, posso estar equivocado.
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De cela.e.sela a 08.09.2024 às 11:34

««O argumento de que alguma coisa não tem novidade não é um argumento, nem político, nem legal, é um argumento jornalístico e, mesmo assim, mau e errado. O objectivo do seu uso é minimizar a relevância de um facto, por já ser conhecido há algum tempo. É nesse argumento que o primeiro-ministro e o seu coro partidário e “comunicacional” se baseiam para considerar irrelevantes as acusações do relatório da Inspecção Geral de Finanças sobre como foi feita a anterior privatização da TAP, nas últimas horas do já póstumo governo Passos Coelho, com o papel destacado para personalidades que, com o actual governo PSD/CDS, saíram do limbo onde estavam.
Declaro desde já, por causa das moscas, que não sou contra uma privatização da TAP, depende de como for feita e em que condições para o interesse público, nem me pronuncio sobre a legalidade ou não do que aconteceu, mas apenas sobre o modus operandi político-comunicacional, porque hoje não há uma coisa sem a outra. Pode haver muita relevância política sem que necessariamente haja matéria criminal, sob pena de cairmos no argumento de Pina Moura sobre a “ética republicana” que dava para lavar tudo. ..

José Pacheco Pereira
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De henrique pereira dos santos a 08.09.2024 às 12:27

Pedro Adão e Silva diz hoje exactamente o mesmo, os dois assentam a sua argumentação numa mentira, a de que o relatório da IGF tem alguma matéria substancial relevante
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De Francisco Almeida a 08.09.2024 às 14:49

HPS é suficientemente claro mas, não sendo jurista (eu também não sou mas tive formação e actividade profissional submetida ao Código das Sociedades Comerciais) não foca o seguinte..
O relatório da IGF, no seu texto, classifica expressamente (e bem) esses 226 milhões como prestações suplementares de capital, para nas conclusões, levantar a dúvida com citação expressa de um artigo que se refere a aquisições de capital. Salvo melhor opinião, a IGF parece assim ter dúvidas de que restrições expressamente dirigidas a aquisição de capital o possam também ser (porquê?) a prestações suplementares. 
Antes do mais o referido artigo, claro e inequívoco, não poderá ser interpretado extensivamente. Depois as diferenças entre capital e prestações suplementares é tanta (um confere direitos na nomeação da gestão, as outra não; um aplica-se- ao objecto social da empresa, as outras podem aplicar-se a finalidades específicas; um só pode ser levantado pelo accionista em circunstâncias específicas e definidas na lei o outro pode ser livremente levantado pelo prestador bastando o acordo da empresa e daí a restrição específica dos 30 anos) que não se percebe (eu não vislumbro) motivo específico para tratamento igual em circunstância não definidas por lei.
A PGR dirá (se calhar sou optimista) mas a minha opinião como cidadão medianamente informado é que o relatório da IGF, nas suas conclusões é um frete ao PS e nada mais do que isso.
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De henrique pereira dos santos a 08.09.2024 às 16:25

O argumento da IGF é o de que sendo a capitalização da empresa uma obrigação decorrente do acordo de venda de capital, se lhe aplica uma norma estritamente sobre transações de capital.
Eu, e parece-me que a Parpública (que lembra que nem sequer é parte no acordo de capitalização com a Airbus), acho este argumento completamente estúpido.
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De Francisco Almeida a 08.09.2024 às 16:58

Essa aplicação é exactamente uma interpretação extensiva da lei. Não vejo que possa ter cabimento jurídico.
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De henrique pereira dos santos a 08.09.2024 às 17:06

Eu leio o artigo em causa e não vejo como possa haver aplicação indirecta a uma coisa que não é o objecto do artigo, mas não sou jurista e portanto admito que seja a minha ignorância a permitir-me ver o brilhantismo da análise da IGF.

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