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Com frequência me insurjo aqui com o que me parece ser o mau jornalismo, sobretudo o jornalismo que jamais deixaria que os factos influenciassem as boas histórias que se pretendem contar.
Hoje resolvi destacar Carla Castelo, jornalista de ambiente (na verdade a classificação é redutora, é jornalista de sociedade, com uma atenção permanente a questões ambientais) há muitos anos.
Por trabalhar em conservação da natureza conheço a Carla Castelo pessoalmente e sei a distância que nos separa do ponto de vista ideológico e político em dezenas de assuntos e, mesmo nos assuntos em que as nossas ideias estão mais próximas, a Carla tem normalmente um ponto de vista bastante mais radical que o meu, o que não é difícil porque eu sou um vendido aos interesses, a acreditar no que dizem por aí.
Esta peça de ontem vale a pena ser vista e ouvida.
Eu daria ênfase diferente a vários aspectos, é verdade, eu acho que a peça dá demasiada atenção a opiniões da treta não fundamentadas, mas isso são não só aspectos marginais, como são sobretudo aspectos que se cruzam com a impossibilidade de contar uma história absolutamente neutra, seja quem for que a conte.
O essencial é dar destaque à forma equilibrada, séria, justa como a Carla trata um assunto que raramente é tratado de forma isenta na comunicação social, um assunto que um pequeno grupo de activistas, como agora se chama a quem faz muito barulho sem que se consiga perceber porquê, tem conseguido introduzir histeria permanente, ano após ano, sem que a generalidade dos jornalistas se dê ao trabalho de explicar porque liga a quem continua a dizer coisas que nunca consegue demonstrar, alegando apenas que os interesses assim e os interesses assado.
Das coisas a que, provavelmente, eu daria peso, talvez a mais importante fosse à declaração de uma responsável sobre a diminuição do consumo de glifosato, aparentemente por substituição por produtos com mais riscos toxicológicos.
Das coisas a que daria menos peso, talvez valha a pena exemplificar com as declarações muito sérias de uma senhora que responde ao facto do glifosato ser usado de forma muito extensa há quarenta anos sem sinais evidentes de risco quer para a saúde, quer para o ambiente, com um paralelismo com o tempo que demorou o reconhecimento dos problemas do DDT, supostamente por causa dos interesses.
E daria menos peso porque esse paralelismo é uma verdadeira patetice: o DDT desde o início tinha indícios de problemas toxicológicos, que se entenderam que eram menores que os benefícios associados ao seu uso, mas sobretudo é autorizado para uso comercial nos Estados Unidos no fim da guerra, em 1945, dando origem a um dos mais importantes livros do movimento ambientalista em 1962, Primavera silenciosa, de Rachel Carson, e é proibido no início dos anos 70 nos países desenvolvidos, ou seja, para explicar uma ausência de indícios evidentes de problemas toxicológicos no uso de glifosato em 40 anos, invoca-se o exemplo da influência dos interesses no uso de um pesticida que foi proibido em menos de trinta anos e que, aliás, motivou fortemente o reforço dos sistemas de segurança associados ao licenciamento de fitofármacos, hoje incomparavelmente mais sólidos que em 1945.
Repetindo, isto são apenas aspectos laterais no tratamento exemplar que Carla Castelo faz do assunto, e é justo distinguir o trigo do joio, também em matéria de jornalismo.
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