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Desde o princípio da epidemia que a verdadeira discussão nunca foi entre valorizar ou desvalorizar a epidemia, muito menos enfiar toda a gente que desde o início tem dúvidas no caixote do lixo do "é só uma gripezinha" em que se tentava enfiar toda a gente com dúvidas sobre a estratégia de gestão da epidemia, evitando discutir argumentos.
O que está em casa é a discussão das melhores medidas para gerir uma epidemia.
A esmagadora maioria das pessoas e dos governos, com a Organização Mundial de Saúde à cabeça, entenderam que a melhor maneira de lidar com uma epidemia era evitar contágios a todo o custo e, face à incerteza, que se justificaria adoptar medidas que nunca foram testadas e sobre cuja eficácia existe muito pouca informação empírica de suporte, mesmo que os seus resultados negativos noutros domínios fossem bastante certos e arrasadores.
Dizer que quem tinha - e tem - dúvidas sobre esta abordagem se limita a desvalorizar uma epidemia é tão demagógico como dizer que quem defende esta abordagem desvaloriza totalmente o efeito económico e social negativo associado às medidas de contenção tomadas.
Provavelmente, tirando os extremos de uma posição e de outra, ninguém desvaloriza coisa nenhuma, a dificuldade não parece ser essa, a dificuldade parece ser a racionalização da discussão, necessária, sobre as estratégias possíveis de gestão dos efeitos da epidemia.
É aqui que, mais uma vez, aparecem os argumentos de que isto está a correr muito mal.
Confesso que não entendo o argumento.
É verdade que se olharmos para o número de casos, há sinais preocupantes.
Mas também é verdade que se olharmos para o número de mortes, os sinais são muito diferentes.
O que se vê é uma melhoria muito relevante nas regiões temperadas do hemisfério Norte e uma estabilização no continente americano em que os ganhos da Améria temperada são anulados pelos aumentos na Améria tropical (se olharmos com mais atenção para a América tropical parece ser clara a estabilização que se verificou noutras regiões ao fim de algumas semanas de subida rápida, mas deixemos isso por agora, que é cedo para conclusões).
Estranhamente para mim, vejo pessoas a olhar para a situação na Europa e a afirmar a pés juntos que a sazonalidade da doença não existe, apesar do que se vê no gráfico seguinte que, na pior das hipóteses, dirá que a sazonalidade parece mitigada quando comparada com outras doenças pulmonares.
Se olharmos para o conjunto dos países europeus, até vemos em alguns (Bulgária, Roménia, Portugal, por exemplo) alguns aumentos de casos, mas olhando para os gráficos à direita, esse aumento de casos não se traduz em aumentos de mortalidade (poupem-me ao argumento de que se vão verificar esses aumentos no futuro, em Portugal o aumento ligeiro mas contínuo de casos vem desde o princípio de Maio, já houve tempo para se reflectir em internamento e mortes, coisa que não se verifica nos números, como se vê no zoom que faço para Portugal).
Resumindo, se há hoje mais informação que nos permite dizer que o contágio pelo contacto próximo é mais importante que o contágio indirecto através de superfícies contaminadas, o normal seria irmos adaptando as medidas de gestão a esse conhecimento.
Tal como hoje sabemos que uma boa parte da mortalidade está associada a lares e à cohabitação, e que o confinamento generalizado não impediu a progressão da epidemia nesses meios.
Tal como sabemos que os riscos abaixo dos 60 anos são baixíssimos - existem, como existem muitos outros riscos, mas são manifestamente baixos nesta doença, não muito superiores a muitos dos outros riscos - e portanto as medidas também de se deveriam adaptar, sendo absurdo fechar creches porque há um surto num lar, ou proibir a Volta a Portugal em Viana do Castelo porque há um surto no Algarve ou em Lisboa, etc..
A questão foi muitíssimo bem colocada pelo responsável pela gestão da epidemia na Suécia há algum tempo: não se compreende como nos metemos todos neste confinamento sem termos uma estratégia de saída dele.
O que se passa em Portugal não é que o desconfinamento ou a gestão da epidemia estejam a correr mal, o que se passa em Portugal é que temos uma comissária política a fazer de Directora Geral de Saúde e uns decisores políticos completamente aterrorizados com a hipótese de lhes ser assacada qualquer responsabilidade sobre a mortalidade associada à Covid, mesmo que essa mortalidade esteja hoje completamente dentro da normalidade (e continuará a estar dentro da normalidade sem em vez de três a quatro pessoas, morrerem dez pessoas associadas à covid, por dia).
Como diz José Miguel Roque Martins no post anterior a este, aqui no Corta-Fitas, não se pode admitir que existe uma calamidade e simplesmente pretender que a calamidade não tem consequências, como se não vivêssemos no mundo real em que vivemos, convivendo com a doença e a morte todos os dias, mas sim no mundo de Walt Disney em que um rato como mais de noventa anos, não só anda em pé e fala, como continua na flor da vida, sem nunca ter estado seriamente doente.
O risco zero não existe e a gestão do risco pressupõe uma definição clara da ameaça, o que hoje, vários meses depois do aparecimento da epidemia, já pode ter uma caracterização bem mais rigorosa do que no início e não há nada que nos faça pensar que não podemos conviver com a covid de forma adulta: reconhecendo que existe, reconhecendo que não é grande ameaça para a maioria da população e reconhecendo que podemos melhorar na protecção dos mais frágeis.
A estratégia de proteger os mais frágeis pela supressão dos contágios na generalidade da sociedade, através de medidas radicais de confinamento, falhou, é tempo de abandonar essa fantasia (e já vamos tarde, muito tarde).
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