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Não vou demorar-me na primeira resposta - o actual crescimento de casos decorre da retoma das nossas actividades, ideia que se apresenta sem qualquer base objectiva que se possa discutir, como a relação entre as variações de mobilidade e a evolução da curva, diferenças na evolução da curva de casos em função das diferenças de retoma da mobilidade nos diferentes países e regiões, etc. - porque o que me interessa neste post é o que é dito a propósito da hipótese de Gabriela Gomes (e outros) de que a heterogeneidade na susceptibilidade à infecção reduz substancialmente o limite a partir do qual a infecção tem dificuldade em progredir por lhe faltarem hospedeiros disponíveis.
Que médicos ligados à prática clínica, sobretudo intensivistas, se assustem com patologias novas para as quais não existem protocolos de resposta razoavelmente estabilizados e acabem a falar de homogeneidade de susceptibilidade à doença, eu percebo.
Que organizações viciadas - e bem - em programas de vacinação acabem a olhar para a evolução natural de uma epidemia com os pressupostos dos programas de vacinação, que evidentemente descartam a heterogeneidade de susceptibilidade às doenças por ser um factor desconhecido em cada indivíduo, sendo racional vacinar toda a gente, partindo do princípio de que potencialmente todos são igualmente susceptíveis, eu percebo.
Agora que biólogos de "honesto estudo, com longa experiência misturada" partam da hipótese de que a susceptibilidade a uma nova doença é homogénea, com o argumento de que a heterogeneidade está demonstrada para uma série de doenças, mas esta é nova e não está demonstrada que o princípio de aplique neste caso, aí sim, fico de boca aberta de espanto.
1) Que a heterogeneidade na susceptibilidade está demonstrada numa série de doenças, é um facto;
2) Que toda a teoria darwinista da evolução das espécies assenta na ideia de que a variabilidade genética - incluindo a intra-específica, que é a que interessa para esta discussão - é a principal força modeladora da evolução, é um facto;
3) Que existem dezenas de testemunhos médicos sobre diferentes evolução da doença entre diferentes indivíduos com características aparentemente semelhante, é um facto;
4) Que as zonas de maior ataque da epidemia, com surtos mais fortes e afectando mais gente, pararam (pararam no sentido epidemiológico do termo, a infecção não pára, passa é a níveis que deixam de caber na definição de surto) com níveis de infecção das populações relativamente baixos, independentemente das medidas tomadas em cada sítio e do contexto em que ocorreram, quer seja em Nova York, quer seja num navio militar, é um facto.
Assim sendo, como é possível argumentar-se que não se deve levar a sério a hipótese da heterogeneidade implicar um nível de infecção das populações mais baixo que o que tem sido usado para prever mortalidades assombrosas, e nunca verificadas em lado nenhum, com o argumento de que não está demonstrada essa heterogeneidade?
Eu não só não entendo como, sobretudo, não entendo como a discussão deste ponto, como enormes implicações na ponderação das medidas de gestão da epidemia, é praticamente inexistente e arrumada a um canto com argumentações tão absurdas como a usada por Manuel Carmo Gomes nesta entrevista.
Com a ironia adicional, nesta entrevista, de poucos minutos depois Manuel Carmos Gomes explicar muito bem os mecanismos associados à imunidade que sustentam a hipótese de que há heterogeneidade e de essa heterogeneidade poder desempenhar um papel muito relevante na evolução natural da epidemia.
A única explicação que encontro, porque tenho encontrado frequentemente indícios dela nas mais variadas pessoas, está na primeira resposta da entrevista: uma recusa total e obstinada em admitir a hipótese de que a principal força de evolução da epidemia é interna, que é o vírus que está a comandar a evolução da epidemia, e que as nossas medidas até poderão influenciar alguma coisa essa evolução, mas estão longe de ser determinantes.
Que ao mesmo tempo que se nega esta hipótese se fale na inevitabilidade de um crescimento da infecção no período de Outono/ Inverno que se inicia, sem que se dê conta da evidente contradição com a ideia de que a epidemia evolui em função dos nossos comportamentos sociais, é uma forma fascinante de iluminar a natureza humana e a forma como nos enganamos colectivamente para nos defendermos dos nossos medos colectivos.
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