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Devagar que tenho pressa

por henrique pereira dos santos, em 06.06.23

Nunca gostei muito do dito popular que usei neste post, mas reconheço-lhe utilidade, sobretudo se se lhe atribuir um significado mais próximo da defesa da persistência que da prudência.

Em 2019, a Montis lançou uma campanha de crowdfunding "Como coisa que nos é cedida" (um verso da "carta a meus filhos sobre os fuzilamentos de Goya", de Jorge de Sena), com base na qual comprou onze hectares na Pampilhosa da Serra, distribuídos por várias propriedades.

A escolha de terrenos para compra, na Montis, era (penso que é, mas não faço parte da direcção agora) puramente oportunista, comprava-se o que estava disponível a preço baixo, independentemente do interesse para conservação, visto que o objectivo da Montis é exactamente gerir para aumentar esse interesse.

Nessa compra, a Montis ficou dona de uns cinco hectares de eucaliptos sem interesse para conservação nem para produção, uma situação muito frequente no país, em que os povoamentos florestais não dão palha nem dão espiga, para usar mais uma expressão popular (desta gosto).

Mais tarde, a Montis fez uma nova subscrição pública (o nome antigo de crowdfunding), "Do eucaliptal até à mata" que pretendia angariar recursos para a gestão dos eucaliptais, nomeadamente para o seu corte e futura erradicação (cortando vai rebentar de toiça e vai ser preciso gerir essa regeneração até à morte da raiz dos eucaliptos).

Desde o princípio que se foi avaliando as possibilidades do corte (o negócio da produção de eucalipto é tão bom que havia propostas para que nós pagássemos o corte e remoção da madeira, é verdade que em parte isso resultava de ser rebentação relativamente recente sem selecção de varas, portanto, sucata florestal), procurando a Montis assegurar a gestão mais sensata dos recursos dos sócios e doadores.

Finalmente, hoje, entre dois e três anos depois da segunda campanha de angariação de recursos (entretanto foi-se gerindo as propriedades, bem entendido, na lógica dos pequenos passos que a Montis usa), e mais um desde a compra das propriedades, começou o corte dos eucaliptos por um madeireiro que pagou qualquer coisa pela madeira que irá retirar.

Vai começar o mais difícil para a Montis: não usando glifosato no controlo da rebentação dos eucaliptos, eliminar essa rebentação, provavelmente partindo-a (um método que exige bastante mão-de-obra, mas permite a utilização de voluntários que se queiram envolver nesta gestão e ver um eucaliptal sem interesse ganhar vida e diversidade).

Veremos como corre, mas espero que daqui a vinte anos aquilo esteja lindo.

E, para quem achar que vinte anos é muito tempo, convém lembrar que o tempo dos processos naturais é o que é, diminuir esse tempo exige recursos e sabedoria.

Na medida em que soubermos e que conseguirmos captar recursos, demorará menos tempo, na medida em que nos enganarmos e não conseguirmos captar recursos, demora mais tempo.

O que é essencial, e isso é mesmo o que interessa, é ir andando sempre no mesmo sentido, ao mesmo tempo que se vai aprendendo com cada novo resultado e se vai conseguindo ir renovando as pessoas que se interessam pelo assunto, porque isto não vai lá com base em pessoas providenciais e conversa sobre soluções ideais para problemas concretos.


15 comentários

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De lucklucky a 06.06.2023 às 13:45

Sal nos eucaliptos?
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De henrique pereira dos santos a 06.06.2023 às 14:29

Seria bem mais negativo que o glifosato, daria cabo do solo e de toda a vegetação, não sendo muito prático em cinco hectares
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De lucklucky a 06.06.2023 às 14:44

A ideia não era ser em todo o terreno, mas só onde estão os tocos,  fazer uns furo no toco e colocar sal agora e no inverno queimar pelo interior. Como já têm de ir a cada uma para cortar o que nascer.
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De henrique pereira dos santos a 06.06.2023 às 15:45

Duvido que funcionasse, o mais natural seria fazer uma necrose no sítio de aplicação do sal, e nada mais.
Essa é uma técnica usada em algumas espécies (nomeadamente invasoras), mas não com sal, antes com um arbusticida sistémico, como o glifosato, e mesmo aí, provavelmente com diluições que visam evitar uma necrose, permitindo a circulação do princípio activo na planta de modo a que chegue à raiz e a mate.
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De lucklucky a 07.06.2023 às 15:17

Ok, obrigado.
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De balio a 06.06.2023 às 14:48


Não percebo porque vai a Montis usar esse método, altamente cansativo para a mão de obra, de estar a cortar (ou partir) todos os eucaliptos que vão rebentando.
Eu quando quero arrancar eucaliptos de uma terra, chamo um homem com uma retroescavadora que arranca as raízes da terra e depois as enterra. É caro, mas a terra fica logo pronta para nova plantação. E, sendo caro, será provavelmente mais barato do que ter pessoas a cortar as plantas todas...

Também, nunca ouvi falar do uso de glifosato para matar a nova rebentação (a qual, aliás, rebenta repetidamente ao longo dos anos, pelo que não penso que uma só aplicação de glifosato bastasse, mas isso é somente um palpite meu).
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De henrique pereira dos santos a 06.06.2023 às 15:49

Porque é caro e só se justifica se for para fazer uma nova plantação (de que se espera ter rendimento que compense o investimento), que não é o caso.
Acresce que sendo o terreno muito inclinado e os acessos difíceis, dificilmente se arranjaria operadores para fazer isso (dizem-me que há uma empresa que admitiu fazer uma operação nos cepos, não sei pormenores).
A Montis tinha, neste caso, como um dos objectivos demonstrar que gestão de muito baixa intensidade e baixo custo pode permitir alterar a situação de partida, desde que se persista o tempo suficiente, visto que a maioria dos proprietários de sucata florestal não tem grande interesse em gastar dinheiro com os seus terrenos, embora não se importe de pôr lá algum do seu trabalho.
No caso, isso permite que a Montis mobilize pessoas para se envolverem na gestão dos terrenos.
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De Paulo Vieira a 06.06.2023 às 15:55

Já viram o trabalho de Ernst Gotsch? 
Ele fez um trabalho de regeneração espetacular no Brasil. Já esteve também cá várias vezes e fizeram um trabalho florestal na Herdade do Freixo do Meio, entre outros sítios, com os princípios defendidos por ele.
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De henrique pereira dos santos a 06.06.2023 às 16:20

A Montis procura ter uma abordagem prática e científica do que faz, evitando o pensamento mágico.
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De balio a 06.06.2023 às 16:19


eliminar a rebentação, provavelmente partindo-a


Partindo-a como? Com as mãos, como quem parte uma vara? Ou com um machado?



Eu diria que cortar com uma tesoura de poda é muito mais fácil... Qual é a vantagem de partir em relação a cortar?
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De henrique pereira dos santos a 07.06.2023 às 07:01

Como sabes, a rebentação de toiça do eucalipto faz-se a partir das laterais dos cepos.
Partir essa rebentação pela base é facílimo, basta pôr um pé na base da vara e fazer um força mínima para partir pela ligação, que é um ponto de fragilidade.
É incomparavelmente mais fácil e cómodo que andar de costas vergadas a cortar ramos com tesouras de poda.
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De pitosga a 06.06.2023 às 19:31


Henrique Pereira dos Santos,
O post é muito bom. E eu nada sei de Botânica nem de Agronomia.

mas...

um madeireiro que pagou qualquer coisa ...não é elegante. Se pagou está bem pago. Todo o negócio tem, no mínimo, dois pares.

para quem achar que vinte anos é muito tempo ... acho eu que o que a Natureza fez foi excelente para a Vida.
Como é normal, o melhor está no último parágrafo.


Com respeito e estima
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De balio a 07.06.2023 às 09:46


Se pagou está bem pago.


De forma nenhuma. No negócio das madeiras há muito engano, muitos madeireiros que oferecem metade daquilo que outros oferecem pela madeira.


É claro que isso em parte pode ser engano (avaliar, antes de cortar, quanto vale certa madeira não deve ser fácil), mas dificilmente será só isso.
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De passante a 06.06.2023 às 22:34




> Devagar que tenho pressa


> Nunca gostei muito do dito popular que usei neste post,



Eu por acaso acho um excelente ditado, e confesso que não me lembrava da versão portuguesa.


Há a inglesa, "make haste slowly", e o original latino, "festina lente". Suponho que o Esopo da lebre e tartaruga também tivesse qualquer coisa em grego.
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De Zé raiano a 07.06.2023 às 10:13

meu Avô usava a expressão 'devagar ...' e chegou sempre antes dos outros e longe.
pensava sempre antes de fazer. hoje nem se pensa, nem se faz.
marcha atrás, única mudança que funciona  

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