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A propósito do meu post de ontem, acabei envolvido em discussões desagradáveis com pessoas que se acham moralmente superioras e campeões do humanismo, como é frequente sempre que se fala do Médio Oriente.
Acontece que a esmagadora maioria do humanismo militante a propósito do Médio Oriente consiste, na prática, em condenar milhões de pessoas a uma vida de inferno, dominada por grupos armados sanguinários, financiados por Estados promotores do terrorismo e que a ONU condena muito menos que a única democracia da região, Israel.
Para além de ser a única democracia da região, um quinto da sua população tem origem árabe, enquanto as comunidades judaicas da região, que eram muitas e muito distribuídas até ao fim do império otomano, desapareceram todas dos sítios onde tinham as suas raízes há séculos.
O resultado prático do humanismo da ONU foi transformar 600 mil refugiados em cinco milhões, o que seria o menos se houvesse qualquer horizonte de vida razoável para esses cinco milhões de pessoas, só que não é assim, a ONU e a comunidade internacional não oferecem a esses cinco milhões de pessoas qualquer horizonte de vida razoável, preferindo continuar a insistir numa miragem de retorno a mundos e sítios que já não existem (é irrelevante se esse processo histórico foi justo ou injusto, a realidade nem sempre é justa e a persistência em mitos sobre mundos perfeitos tem custado milhões de vidas, historicamente) e, com isso, transformando esses cinco milhões de pessoas em reféns de grupos armados totalitários.
Ora Trump veio dizer duas coisas: precisamos de um horizonte de sustentabilidade económica e, para isso, precisamos de permitir a estas pessoas refazerem as suas vidas noutro lado qualquer.
Trump não falou de deslocações forçadas, nem de limpeza étnica, mas como é costume nele, fez um discurso hiperbólico e fanfarrão, que se presta a muitas interpretações.
Se a ONU, e o seu secretário-geral, quisessem preservar um mínimo dos mínimos de credibilidade como árbitro imparcial, teria comentado a proposta realçando as suas dificuldades práticas de execução, que são muitas, e clarificando que quaisquer que fossem as opções, estaria sempre fora de causa qualquer deslocação forçada de populações (embora, à ONU, e ao seu secretário-geral, não pareça incomodar muito que dois milhões de pessoas, em Gaza, sejam reféns de um grupo armado totalitário, que a ONU se recusa a classificar como um grupo terrorista).
Maria João Guimarães, uma jornalista do Público que escreve sobre o médio oriente com o rigor e a insenção com que Joana Gorjão Henriques escreve sobre a polícia ou Rafaela Burd Relvas escreve sobre o mercado de habitação, tem uma peça, na quinta-feira, dia 6, em que cita (não sei com que rigor) um antigo diplomata israelita.
"a falta total de detalhes do plano: não há referência a questões legais: com base em que poder ou autoridade podem os Estados Unidos tomar o controlo de Gaza? Logística: como se recolocam 2 milhões de pessoas, a maioria das quais não quer sair? Política: quem irá gerir o processo? Financeira: quem irá financiar esta tarefa monumental? Regional: a maioria dos países árabes já rejeitou a ideia com veemência."
São questões relevantes e muito interessantes, mas são independentes da proposta de Trump, quaisquer que sejam as decisões que se tomem sobre Gaza, não sabemos com que base ou autoridade pode, seja quem for, tomar o controlo de Gaza (o que na prática significa a manutenção do status quo, a tomada de 2 milhões de reféns por parte de um grupo armado totalitário), não sabemos onde colocar os 2 milhões de habitantes de Gaza (visto que o status quo é a manutenção de dois milhões de pessoas num território sem qualquer viabilidade económica e social, a viver em condições miseráveis sob o terror de um poder ilegítimo e brutal), não sabemos quem irá gerir o processo, seja que processo for decidido, não sabemos quem irá financiar a reconstrução de Gaza (nem muito menos sabemos como refazer uma base económica sustentável nas condições actuais em que vivem aqueles 2 milhões de reféns do Hamas) e sabemos, pelo histórico, que os países árabes se opõem, desde há décadas, à integração de palestinianos nas suas sociedades.
Ou seja, as dificuldades não são da proposta de Trump, as dificuldades são da realidade.
O que é desumano não é admitir que é bem melhor para todos que o máximo possível de pessoas possam refazer a sua vida noutro lado qualquer (não sei onde vai o diplomata israelita buscar a informação de que a maioria dos palestinianos não quer sair de onde está, mas mesmo que seja verdade, continua a haver centenas de milhar de candidatos a ir refazer a sua vida noutro lado qualquer, e são esses que devem ser apoiados a fazê-lo, em vez de lhes cantar cânticos heróicos sobre a sua presença ancestral num mundo que já não existe), o que é desumano é a piadola do representante da Palestina na ONU, Riyad Mansour: "Para aqueles que querem enviar o povo palestiniano para "um lugar simpático", permitam que possam voltar às suas casas originais, onde é agora Israel", isto é, contrapondo uma coisa que sabe ser completamente irrealista (nem os cinco milhões de refugiados, sequer, cabem nas casas dos seiscentos mil refugiados originais, se se pretender manter este registo de stand-up comedy) e cujo resultado prático está à vista: cinco milhões de vítimas sem qualquer perspectiva de vida que não passe pelo ingresso em grupos armados como forma de garantir a sua, e da sua família, subsistência.
Se tudo o resto falhasse, se não funcionasse nada do que é proposto seja por quem for, o facto é que se um milhão de palestinianos tivesse a oportunidade de sair daquele inferno para tentar ter uma vida normal noutro lado qualquer, se metade dessas tentativas falhassem, isso significaria melhorar a vida de meio milhão de pessoas.
Isso sim, é humanismo, tudo o resto é exibicionismo moral.
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