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Desumanidade, pura e dura

por henrique pereira dos santos, em 08.02.25

A propósito do meu post de ontem, acabei envolvido em discussões desagradáveis com pessoas que se acham moralmente superioras e campeões do humanismo, como é frequente sempre que se fala do Médio Oriente.

Acontece que a esmagadora maioria do humanismo militante a propósito do Médio Oriente consiste, na prática, em condenar milhões de pessoas a uma vida de inferno, dominada por grupos armados sanguinários, financiados por Estados promotores do terrorismo e que a ONU condena muito menos que a única democracia da região, Israel.

Para além de ser a única democracia da região, um quinto da sua população tem origem árabe, enquanto as comunidades judaicas da região, que eram muitas e muito distribuídas até ao fim do império otomano, desapareceram todas dos sítios onde tinham as suas raízes há séculos.

O resultado prático do humanismo da ONU foi transformar 600 mil refugiados em cinco milhões, o que seria o menos se houvesse qualquer horizonte de vida razoável para esses cinco milhões de pessoas, só que não é assim, a ONU e a comunidade internacional não oferecem a esses cinco milhões de pessoas qualquer horizonte de vida razoável, preferindo continuar a insistir numa miragem de retorno a mundos e sítios que já não existem (é irrelevante se esse processo histórico foi justo ou injusto, a realidade nem sempre é justa e a persistência em mitos sobre mundos perfeitos tem custado milhões de vidas, historicamente) e, com isso, transformando esses cinco milhões de pessoas em reféns de grupos armados totalitários.

Ora Trump veio dizer duas coisas: precisamos de um horizonte de sustentabilidade económica e, para isso, precisamos de permitir a estas pessoas refazerem as suas vidas noutro lado qualquer.

Trump não falou de deslocações forçadas, nem de limpeza étnica, mas como é costume nele, fez um discurso hiperbólico e fanfarrão, que se presta a muitas interpretações.

Se a ONU, e o seu secretário-geral, quisessem preservar um mínimo dos mínimos de credibilidade como árbitro imparcial, teria comentado a proposta realçando as suas dificuldades práticas de execução, que são muitas, e clarificando que quaisquer que fossem as opções, estaria sempre fora de causa qualquer deslocação forçada de populações (embora, à ONU, e ao seu secretário-geral, não pareça incomodar muito que dois milhões de pessoas, em Gaza, sejam reféns de um grupo armado totalitário, que a ONU se recusa a classificar como um grupo terrorista).

Maria João Guimarães, uma jornalista do Público que escreve sobre o médio oriente com o rigor e a insenção com que Joana Gorjão Henriques escreve sobre a polícia ou Rafaela Burd Relvas escreve sobre o mercado de habitação, tem uma peça, na quinta-feira, dia 6, em que cita (não sei com que rigor) um antigo diplomata israelita.

"a falta total de detalhes do plano: não há referência a questões legais: com base em que poder ou autoridade podem os Estados Unidos tomar o controlo de Gaza? Logística: como se recolocam 2 milhões de pessoas, a maioria das quais não quer sair? Política: quem irá gerir o processo? Financeira: quem irá financiar esta tarefa monumental? Regional: a maioria dos países árabes já rejeitou a ideia com veemência."

São questões relevantes e muito interessantes, mas são independentes da proposta de Trump, quaisquer que sejam as decisões que se tomem sobre Gaza, não sabemos com que base ou autoridade pode, seja quem for, tomar o controlo de Gaza (o que na prática significa a manutenção do status quo, a tomada de 2 milhões de reféns por parte de um grupo armado totalitário), não sabemos onde colocar os 2 milhões de habitantes de Gaza (visto que o status quo é a manutenção de dois milhões de pessoas num território sem qualquer viabilidade económica e social, a viver em condições miseráveis sob o terror de um poder ilegítimo e brutal), não sabemos quem irá gerir o processo, seja que processo for decidido, não sabemos quem irá financiar a reconstrução de Gaza (nem muito menos sabemos como refazer uma base económica sustentável nas condições actuais em que vivem aqueles 2 milhões de reféns do Hamas)  e sabemos, pelo histórico, que os países árabes se opõem, desde há décadas, à integração de palestinianos nas suas sociedades.

Ou seja, as dificuldades não são da proposta de Trump, as dificuldades são da realidade.

O que é desumano não é admitir que é bem melhor para todos que o máximo possível de pessoas possam refazer a sua vida noutro lado qualquer (não sei onde vai o diplomata israelita buscar a informação de que a maioria dos palestinianos não quer sair de onde está, mas mesmo que seja verdade, continua a haver centenas de milhar de candidatos a ir refazer a sua vida noutro lado qualquer, e são esses que devem ser apoiados a fazê-lo, em vez de lhes cantar cânticos heróicos sobre a sua presença ancestral num mundo que já não existe), o que é desumano é a piadola do representante da Palestina na ONU, Riyad Mansour: "Para aqueles que querem enviar o povo palestiniano para "um lugar simpático", permitam que possam voltar às suas casas originais, onde é agora Israel", isto é, contrapondo uma coisa que sabe ser completamente irrealista (nem os cinco milhões de refugiados, sequer, cabem nas casas dos seiscentos mil refugiados originais, se se pretender manter este registo de stand-up comedy) e cujo resultado prático está à vista: cinco milhões de vítimas sem qualquer perspectiva de vida que não passe pelo ingresso em grupos armados como forma de garantir a sua, e da sua família, subsistência.

Se tudo o resto falhasse, se não funcionasse nada do que é proposto seja por quem for, o facto é que se um milhão de palestinianos tivesse a oportunidade de sair daquele inferno para tentar ter uma vida normal noutro lado qualquer, se metade dessas tentativas falhassem, isso significaria melhorar a vida de meio milhão de pessoas.

Isso sim, é humanismo, tudo o resto é exibicionismo moral.


6 comentários

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De cela.e.sela a 08.02.2025 às 11:18

o  secretário-geral da Onu tem conseguido colocar-se na posição de comissário liquidatário.
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De Ramos Alves a 08.02.2025 às 11:52

Isto é humanismo. 
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De M.Sousa a 08.02.2025 às 13:11


Na memória de todos os países árabes está o que os ditos palestinianos originaram na Jordânia, que teve de correr com eles para o Líbano em 1971, depois de liquidar cerca de 25.000 destes mártires na sequência do famoso Setembro Negro. No Líbano, recomeçaram as atividades do costume e acabaram por dar origem a uma guerra civil que destruiu o país. Mais tarde, voltaram a arranjar problemas o Koweit, onde alinharam com os iraquianos a quando da invasão destes. Expulsos os iraquianos do Koweit, seguram-se os palestinianos. 300.000  acabaram na Jordânia, em campos de refugiados (mais nenhum país árabe os quis receber), e  mais umas dezenas de milhar em vários países ocidentais . Onde, claro está, continuam a alimentar as atividades do costume.
Por isso, nenhum país árabe, está dispostos a receber estes mártires. Mas se os humanistas fofinhos europeus os receberem, então o plano de Trump, será muito bem vindo na região.
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De Filipe Costa a 08.02.2025 às 15:10

Sempre que se discute o Médio Oriente, o debate rapidamente se transforma numa batalha moral onde os factos são secundarizados e a narrativa dominante ignora a realidade no terreno. O que se passa em Israel e nos territórios vizinhos não é apenas um conflito territorial – é a manifestação de um problema geopolítico maior, onde a única democracia da região é constantemente vilipendiada enquanto grupos terroristas são tratados com complacência.Israel, um país construído sobre a resiliência de um povo que foi perseguido por milénios, convive com uma ameaça existencial permanente. Enquanto isso, a ONU e grande parte da comunidade internacional insistem em manter uma abordagem que perpetua a tragédia palestiniana, mantendo milhões de pessoas em condições deploráveis sob o domínio de grupos armados que rejeitam qualquer solução viável para a paz. A ONU, em vez de procurar soluções reais, tem sustentado um status quo insustentável. O que começou com 600 mil refugiados palestinianos tornou-se um problema de cinco milhões de pessoas, alimentado por uma política que impede qualquer solução realista. Enquanto outras crises de refugiados ao longo da história foram resolvidas através da integração e reassentamento, os palestinianos são usados como peões num jogo político que serve apenas para justificar a existência de regimes repressivos e milícias terroristas.A verdade inconveniente é que os países árabes nunca quiseram resolver o problema palestiniano. Poderiam ter integrado os refugiados, tal como Israel integrou judeus vindos de países árabes e europeus. Em vez disso, optaram por manter estas populações em campos de refugiados, negando-lhes cidadania e direitos, ao mesmo tempo que incentivam a narrativa do "retorno", que não passa de um mito politicamente útil para manter o conflito vivo.A Faixa de Gaza é um território sem viabilidade económica, governado por um grupo terrorista – o Hamas – que não hesita em sacrificar a sua própria população para manter o poder. Enquanto a comunidade internacional hesita em chamar o Hamas pelo que ele realmente é – uma organização terrorista – os dois milhões de habitantes de Gaza vivem sob um regime brutal, sem direitos e sem qualquer perspectiva de futuro. A proposta de reassentar parte da população de Gaza noutras regiões não é uma questão de "limpeza étnica" – é uma questão de sobrevivência. Manter milhões de pessoas confinadas num território sem recursos, dependentes da caridade internacional e controladas por um regime que usa civis como escudos humanos, não é humanismo – é crueldade. E ainda que a maioria da população possa querer ficar, há centenas de milhares que aceitariam refazer a sua vida em outro lugar se tivessem essa possibilidade. Recusar-se sequer a discutir essa opção em nome de um purismo ideológico é manter estas pessoas como reféns perpétuos de um conflito sem solução à vista.A insistência na narrativa de que os palestinianos devem "regressar"; às terras que ocupavam antes de 1948 ignora a realidade geopolítica e histórica. Nenhum outro grupo de refugiados no mundo mantém esse privilégio artificialmente. O próprio conceito de "direito de retorno" é uma utopia irrealizável e inviável, concebida para impedir qualquer solução prática.O verdadeiro humanismo não está em perpetuar mitos históricos ou em fazer discursos moralistas sobre justiça absoluta. Está em encontrar soluções concretas que permitam que o maior número possível de pessoas tenha uma vida digna. Se um milhão de palestinianos tiver a oportunidade de reconstruir a sua vida fora de Gaza, e metade deles conseguir, já seria um avanço incomparável à tragédia que se perpetua atualmente.Israel não é perfeito, mas é a única democracia funcional da região, com uma sociedade diversa que inclui judeus, árabes, cristãos e drusos. É um país que se defende contra ameaças existenciais enquanto continua a prosperar.
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De lucklucky a 09.02.2025 às 02:27

Os humanistas não tiveram problema nenhum com 50000 retornados esses á força. 
Uma UNRWA com os filhos dos retornados quantos seriam hoje?

Também não t^m problema algum com os palestinianos a viverem sob um poder que os coloca como escudos humanos - aí a culpa de isso ser possível é dos jornalistas-  e medieval que arrasta os corpos dos opositores pelas ruas e os coloca nas praças para mostrar quem manda.


Os defensores do povo palestiniano odeiam o povo palestiniano, gostam é da ideia de os usar para destruir Israel - EUA- Ocidente. Acaba Israel  e os palestinianos podem deixar de existir. Nunca existiriam sem Israel, seriam Jordanos, Egipcios(Gaza) e todos os defensores se estariam nas tintas para os que lhes sucedesse, pois não teriam interesse para o combate politico no Ocidente.
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De Anonimo a 10.02.2025 às 13:06

Ha bastante tempo que não lia algo tão acertado e certeiro sobre este tema. Parabéns 

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