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A Rússia está a fazer uma guerra porque quer honrar a história da mesma forma que a URSS fez guerras para honrar a revolução, que, por sua vez, era a chave da história. Os soviéticos julgavam que tinham em sua posse a alquimia infalível da história humana, o marxismo, e por isso julgavam-se os Reis Midas da morte: em teoria, quando matavam, eles estavam na verdade a criar vida. Claro que, na prática, o comunismo foi a maior carta branca da canalhice humana. A ideologia que prometia a utopia humana acabou por atrair e legitimar sociopatas atrás de sociopatas. Agora, a Rússia nacionalista repete a receita soviética: trocou a revolução que mata em nome de um futuro alegadamente perfeito pelo orgulho nacional que mata em nome de um passado alegadamente perfeito. E a Rússia não está sozinha neste endeusamento do passado, quer da sua glória quer das suas feridas. Na Sérvia ou na Hungria, por exemplo, a história endeusada está à espera de nova explosão. Não se compreende o fenómeno Orbán sem olharmos para o trauma húngaro de 1920, ano em que a Hungria perdeu grande parte do seu velho território para checoslovacos, romenos, jugoslavos e até austríacos. Há aqui um padrão: incapacidade de se chegar ao perdão, à catarse, àquele momento em que se diz “há que seguir em frente”. Passa-se o mesmo na China. Os chineses não esquecem o seu trauma histórico, as Guerras do Ópio e demais intromissões ocidentais em meados do século XIX. Já passaram dois séculos, mas a cultura nacionalista chinesa mantém essa dor viva como se tivesse ocorrido no ano passado. É este o truque pestífero do nacionalismo: mantém as feridas históricas abertas, cheias de pus, recusa a sutura. E sabem quem repete a estratégia? O politicamente correto, que é uma confederação de micronacionalismos.
A quem é que interessa a perpetuação da ferida da escravatura dois séculos depois de termos abolido essa mesma escravatura? A quem é que interessa a perpetuação das feridas do colonialismo quando já temos quase 100 anos sem colonialismo europeu? O passado não pode ser um presente perpétuo. Na semana passada escrevi aqui que a nossa sociedade é incapaz de lidar com a fragilidade e que, por isso, não sabe rir. Através do politicamente correto, este carácter sisudo alarga-se ao passado e às tais feridas históricas. Recusa-se a cura, a catarse, o perdão, o seguir em frente.
Henrique Raposo no Expresso
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