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Um dos mitos frequentes sobre o Estado Novo, ensinado nas escolas e difundido largamente, era que o analfabetismo em Portugal decorria de uma política consciente do Estado Novo contra a educação das pessoas.
A historiografia (mesmo a daqueles que frequentemente repetiam o mito em artigos de divulgação) demonstrou que se tratava de um mito visto que de uma taxa de escolarização em torno dos 20 a 30% no fim dos anos 20 (quando começa a Ditadura Militar a que se segue o Estado Novo) se passou para taxas de escolarização perto dos 100% durante os anos cinquenta.
Como sempre, no entanto, há quem não queira mudar de ideias, como Ricardo Paes Mamede e, por isso, trata de deturpar o argumento inicial para pôr a discussão onde quer e, a partir dessa escolha, fustigar politicamente os seus fantasmas.
"Agora é moda entre os bots da direita populista (e quem acriticamente os reproduz) dizer que a ditadura em Portugal até não foi assim tão má na área da educação. Dizem que reduziu muito o analfabetismo, que era um problema que vinha de trás.
Há uma forma simples de tirar isso a limpo: é ver os países onde a percentagem de pessoas que não tinham ido à escola era maior do que em Portugal antes do início da ditadura (1925) e que 50 anos depois tinham reduzido esses valores para níveis abaixo do português. É isso que faço na tabela e no gráfico em anexo."


Note-se que Ricardo Paes Mamede, com elegância assinalável, começa por fazer uma crítica política com base num argumento diferente do argumento em discussão (o mito era o de que os maus números relacionados com o analfabetismo resultavam da opção do Estado Novo contra a educação, mas Paes Mamede manipula a base de discussão apresentando um argumento novo, o de que o Estado Novo seria um campeão mundial combate ao analfabetismo), para depois apresentar números que demonstram que os seus adversários são tontinhos.
Não vou discutir os números que apresenta (não sei o que se entende por "nunca ter ido à escola versus ter ido à escola" e não tenho certeza nenhuma dos números usados porque os números base que conheço, a taxa de analfabetismo em 1930 ou as taxas de escolarização dessa altura não são compatíveis com o número usado por Paes Mamede para 1925) mas apenas fazer notar que estes bonecos que apresenta são completamente inúteis se não soubermos, para cada um dos países em causa, qual a percentagem de população de 1925 que está viva em 1975.
O analfabetismo (ao contrário da taxa de escolarização) tem uma grande inércia (uma pessoa que é analfabeta aos 20 anos tem muito poucas probabilidades de o ter deixado de ser aos 70), ter baixas taxas de escolarização em 1925 ou 1950 (outro aspecto que não está na bonecada), ou haver guerras ou epidemias que dizimam os estratos mais velhos da população, acaba por resultar em números de alfabetização muito diferentes em 1975, independentemente das políticas dos governos.
Resumindo, as comparações internacionais para avaliar os desempenhos dos vários regimes são evidentemente úteis, sobretudo se feitas com um mínimo de rigor que falta à bonecada de Paes Mamede, mas a discussão sobre o Estado Novo nunca foi sobre a sua excelência neste (e noutros sectores), mas sim sobre a sua responsabilidade nos números de 1975, já que os mitos sobre o Estado Novo que têm sido usados apontam no sentido de que os maus números de desempenho social e económico do país em 1975 resultariam de opções conscientes do Estado Novo em manter a pobreza e a iliteracia.
E esses mitos são isso mesmo, mitos, o Estado Novo era um estado ilegítimo, por não depender da vontade expressa das pessoas comuns, mas é um facto que apresentou resultados muito robustos na educação e em todos os outros sectores sociais e económicos, em relação aos 200 anos anteriores do país.
Outro regime teria apresentado resultados melhores?
Sim, é possível, mas isso não pode justificar a opção por espalhar mitos e falsidades que nos impedem de avaliar com clareza o que nos tolhe ou liberta enquanto sociedade, como faz Paes Mamede com tretas como as que citei.
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