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O título do editorial do Público do dia 20 é luminoso: "Teríamos de falar sobre André Ventura. Hoje é o dia".
Li, reli e voltei a ler. Não queria mesmo acreditar que falar ou não falar de um candidato autárquico justificasse um editorial e um editorial a procurar justificar a opção do jornal em falar do candidato.
"O primeiro erro é sempre o mesmo: dar palco a um populista é dar palco a uma polémica".
"O segundo erro é o inverso: fingir que não existem".
"O terceiro erro é ignorar quem está do lado de lá".
"Só não podemos cair [no erro] capital: o da indiferença, o do medo de explicar".
Qual é então o problema com Ventura, que leva o jornal a ter tantas dúvidas?
"Um candidato primário que não mede fronteiras ou consequências ... tudo o que Ventura faz é puxar pelo pior dos homens sem se colocar no lugar do outro, é construir muros, no lugar das pontes que lhe cabia levantar".
Compreendo o problema.
Por exemplo, um agente político que pretenda distinguir acumulação de riqueza de poupança, com o objectivo de aumentar impostos, sem medir fronteiras e consequências, puxando pela pior inveja dos outros, sem nunca se pôr no lugar dos que duramente conseguem poupar parte da riqueza que criaram, será, seguramente, um agente político que o Público e David Dinis tratarão como André Ventura, é isso?
Outro exemplo, um agente político que diga que a austeridade é uma escolha ideológica, com o objectivo de obter o poder, sem medir fronteiras e consequências, puxando pelo ressentimento dos eleitores atingidos pela dureza de um processo de ajustamento absolutamente essencial, sem nunca se pôr na pele dos que sofreriam ainda mais duramente as consequências da recusa de austeridade, como acontece na Grécia, será um agente político que o Público e David Dinis tratarão como André Ventura?
Outro exemplo, um agente político que se sirva das crianças que desmaiam na escola por falta de pequeno almoço, ou dos velhinhos que passam a ter de comer papa Nestum por não ter dinheiro para se alimentar convenientemente, como ilustrações das consequências da austeridade e depois devolva rendimentos aos que mais ganham, compensando em impostos indirectos que são pagos por todos, manipulando as percepções públicas da austeridade, apesar de a tornar mais pesada para o mais pobres, aligeirando-a para os mais ricos, será um agente político que o Publico e David Dinis tratarão como André Ventura?
Outro exemplo, um partido político que envia condolências às vítimas pela morte do seu algoz, como fez o Partido Comunista por ocasião da morte que Kim Jong-il, é um partido incapaz de se colocar na pele do outro e, por isso, ostracizado pelo Público e David Dinis?
Não, David Dinis, André Ventura não tem uma importância por aí além, é apenas mais um populista à procura de votos, e, se tiver muitos, será útil perceber por que razão os eleitores premeiam uma campanha daquelas para que possamos responder mais sensata e racionalmente aos problemas que preocupam os eleitores.
André Ventura é apenas um sintoma da falta de qualidade do debate público e, consequentemente, do debate político.
Muito mais relevante é saber por que razão um jornal como o Público abraça, consistentemente, os discursos mais populistas das pessoas ou do campo político de que os seus jornalistas gostam mais.
Eu guardo religiosamente a manchete do Público, faz agora quatro anos, que garantia em toda a primeira página que Bruxelas estava a trabalhar num novo resgate a Portugal. Ou a outra, faz no próximo mês cinco anos, que garantia que o PIB em 2013 teria uma queda de 5,3% (foi de pouco mais de 1%), com base numas contas absurdas feitas pelos jornalistas do Público, só para reforçar a história da carochinha da espiral recessiva, sem medir consequências e fronteiras, sem se pôr no lugar dos outros a quem as expectativas negativas roubaram o emprego, etc..
Não, caro David Dinis, o problema não é André Ventura, o problema mesmo é a permeabilidade do jornalismo aos discursos populistas do BE, do PC e da ala irresponsável do PS (para usar uma expressão que não é minha) que hoje sustentam o poder de um governo claramente populista, e o efeito que essa permeabilidade tem na confiança dos leitores nos jornalistas.
É porque os jornalistas fazem escolhas como as descritas no seu editorial, totalmente ilegítimas, entre os bons e os maus, escolhas essas que me cabem a mim e ao Zé das Iscas, e não ao David Dinis enquanto director de jornais, que discursos como os de André Ventura, tão rigorosos como os de António Costa ou Catarina Martins, passam a ter o mesmo grau de credibilidade que discursos efectivamente rigorosos como os de Vítor Gaspar ou de Álvaro Santos Pereira, por exemplo.
Distingam o trigo do joio porque reconhecem o trigo e o joio, e não porque confiam mais neste agricultor que naquele, e os agricultores que trazem mais joio, como André Ventura, terão a sua vida bem mais dificultada.
Até lá, para os leitores e os eleitores, é tudo joio e o que distinguirá uns de outros é apenas ser um bom ou mau vendedor da banha da cobra e não a qualidade dos produtos que vendem.
E boa parte da responsabilidade é sua.
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