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Dados e fantasias

por henrique pereira dos santos, em 11.08.18

Pedro Venâncio publicou ontem dados concretos sobre o fogo de Monchique, avaliando a severidade do fogo em três classes e cruzando a informação da área ardida com o uso do solo (tendo como base o COS, Carta de Ocupação do Solo, 2015).

Penso que a equipa de José Miguel Cardoso Pereira também produzirá dados do mesmo tipo rapidamente permitindo aferir melhor se há discrepâncias relevantes.

Deixando de lado os outros usos para nos concentrarmos nos três principais usos do território, eucalipto, matos e sobreiro, que no seu conjunto representam mais de 88% da área do concelho, os resultados são consistentes com aquilo que os que produzem dados sabem, contrariando a vox populii.

Como previsível, os matos ardem mais que o esperado, isto é, para uma ocupação do solo de 26,88% do concelho, os matos representam 31,77% da área ardida, os eucaliptos, para uma área de 44,47% de ocupação representam 41% da área ardida e os sobreiros, para uma área de ocupação de 17,36%, representam 15% da área ardida.

Ou seja, os matos ardem mais que o que representam na ocupação do solo, os eucaliptos e sobreiros ardem na proporção da sua presença no terreno.

Quando se olha para a severidade, os dados confirmam o que é verificado noutros fogos e é de esperar a partir do conhecimento que existe sobre a relação entre o fogo e a estrutura dos combustíveis: a severidade é maior nos matos (84% na classe mais alta, 12% na intermédia e apenas 4% na classe mais baixa de severidade), seguindo-se o sobreiro na escala de severidade (68%, 23%, 10%) e depois o eucalipto (55%, 34% e 12%). E antes que me moam o juízo com pormenores sem interesse, as percentagens foram arrendondadas por mim e por isso não dão exactamente 100%.

Resumindo, este fogo confirma o que tem sido observado na generalidade dos outros fogos, demonstrando que nem é verdade que os eucaliptos ardam mais, nem é verdade que ardam mais intensamente que o sobreiro.

O interessante nisto é que quem faz um post como este, estritamente citando dados, é imediatamente acusado de estar sistematicamente a branquear o eucalipto por ser um vendido às celuloses, como se verificar que está a chover fosse defender a chuva.

Já quem propaga fantasias, como troncos a rebentar, bolas de gases voláteis incendiados e etc., pode dizer o que quiser, desde que seja para malhar no eucalipto (ou noutro menino mau à escolha) usando argumentos sofisticados como "se gostas tantos de eucaliptos planta-os ao pé da tua casa", ou "vê-se logo que nunca andaste a apagar fogos, doutra forma saberias que um incêndio em eucaliptal é muito pior que no resto", ou ainda, um dos meus preferidos, "se sabes tanto do assunto, vai lá tu apagar o fogo".

Socialmente, e para a nossa imprensa, vale tanto o trabalho esforçado de pessoas como o Pedro Venâncio, que publicou estes dados no Facebook e teve a delicadeza de produzir dados complementares sobre severidade por uso de solo quando eu disse que gostaria de ter essa informação, e o trabalho de fundo feito por José Miguel Cardoso Pereira, ou Paulo Fernandes, como as afirmações de curiosas que imediatamente reagem dizendo que todos estes números têm de estar errados porque fizeram uma viagem pela autoestrada A1 e é evidente que há muito mais eucalipto, e mais eucalipto ardido, do que esses números, sabe-se lá obtidos como, dizem.

Ontem, aliás, vi a melhor demonstração disso: um curioso que tentou demonstrar a Paulo Fernandes que um artigo do próprio Paulo Fernandes diz o contrário do que o Paulo Fernandes diz que o artigo diz, criando um post hilariante, que deu origem a uma série de comentários surrealistas bem demonstrativos de como é fácil evitar que os factos nos influenciem as ideias.

O problema é que é com base nestes teatros do absurdo que se desenham políticas públicas e temos ministros que conseguem dizer que estão a celebrar o facto das pessoas estarem vivas, depois de arderem quase nove mil hectares de eucalipto, mais de 3 mil e trezentos hectares de sobreiro, um número incontável de colmeias, instalações agrícolas e gado, como se a economia que sustenta essas vidas seja um pormenor sem importância e com o qual o Estado não tem de perder tempo nem gastar recursos.

Somos um país muito estranho.


22 comentários

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De Carlos Gonçalves a 11.08.2018 às 12:41

Rejubilo com o facto de de me julgar em conhecimento de que arderam "nove mil hectares de eucalipto". Por outro lado, declaro-me angustiado com tudo o que aconteceu na periferia desses "nove mil hectares" de "maus meninos".
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De Anónimo a 11.08.2018 às 12:45

O Henrique ainda não entendeu que o problema do eucalipto no fogo é que projeta cascas e folhas a arder, abrindo novas frentes de fogo.
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De Henrique Pereira Dos Santos a 11.08.2018 às 20:34

Leia outra vez o post, está lá tratado o assunto
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De Anónimo a 12.08.2018 às 00:22

Pois está. Que não há problema, porque como são projectados para a frente são rapidamente absorvidos pela frente de fogo... isto só pode ser a gozar, só pode.
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De Henrique Pereira Dos Santos a 12.08.2018 às 09:58

Pode dar-me referências dos estudos que o levam a dizer que só pode ser uma piada?
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De Anónimo a 12.08.2018 às 12:26

Bom senso. Novas frentes de fogo são, por definição, coisa má. Quer mesmo estudos científicos que comprovem isto? A sério?
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De Anónimo a 12.08.2018 às 12:45

Mas se faz mesmo questão disso, posso procurar por aí estudos científicos que provem que novos fogos criados por casca e folha de eucalipto a arder são coisa pouco conveniente ;)
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De Miguel Madeira a 13.08.2018 às 12:39

A respeito das projeções do eucalipto, não sei se os tais estudos que dizem que o eucalipto não arde mais que as outras árvores serão muito relevantes - isto é, uma casca em chamas de um eucalipto tanto pode cair em cima de um eucalipto como de um sobreiro ou de um medronheiro, pelo que não há uma incompatibilidade total entre a afirmação "os eucaliptos são pirófitas ativas que ajudam a propagar os incêndios" e a constatação "proporcionalmente, os eucaliptos não ardem mais que as outras árvores" - é algo parecido com a questão das externalidades em economia (admito que há alguma, por uma razão - frequentemente as árvores estão junto a outras da mesma espécie, pelo que as projeções do eucalipto tenderiam a atingir sobretudo outros eucaliptos).
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De Carlos Gonçalves a 11.08.2018 às 12:58


https://www.rtp.pt/noticias/pais/nunca-se-plantou-tantos-eucaliptos_v1084739
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De Nuno a 12.08.2018 às 01:32

https://expresso.sapo.pt/economia/2018-06-02-Nunca-se-investiu-tanto-na-agricultura-como-agora-diz-Capoulas-Santos (https://expresso.sapo.pt/economia/2018-06-02-Nunca-se-investiu-tanto-na-agricultura-como-agora-diz-Capoulas-Santos)

https://www.google.com/amp/s/www.dn.pt/dinheiro/interior/amp/nunca-se-produziu-tanto-azeite-em-portugal-9194470.html (https://www.google.com/amp/s/www.dn.pt/dinheiro/interior/amp/nunca-se-produziu-tanto-azeite-em-portugal-9194470.html)

https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2018/07/nunca-se-escreveu-tanto-tao-errado-e-se-interpretou-tao-mal.shtml (https://www1.folha.uol.com.br/empreendedorsocial/2018/07/nunca-se-escreveu-tanto-tao-errado-e-se-interpretou-tao-mal.shtml)

https://paranashop.com.br/2018/08/nunca-se-consumiu-tanta-informacao-e-tao-ruim/ (https://paranashop.com.br/2018/08/nunca-se-consumiu-tanta-informacao-e-tao-ruim/)
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De Anónimo a 11.08.2018 às 13:02

Já agora, quando se diz que o eucalipto explode, refere-se à sua casca que é projetada. Não tome os outros por burros, Henrique.
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De Anónimo a 11.08.2018 às 22:35

Mas isso não é uma explosão. A casca solta junto ao tronco é impelida verticalmente pelas correntes de ar convectivas e transportada.
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De Anónimo a 12.08.2018 às 00:24

Ó homem, eu sei que não é uma explosão em sentido próprio.
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De Anónimo a 11.08.2018 às 13:07

O que também me surpreende é o facto dos que vêm para televisão falar no valor da vida humana em relação aos incêndios, são os mesmos que defendem a eutanásia e o aborto. Em que é que ficamos? 
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De Anónimo a 11.08.2018 às 20:44

Eu explico-lhe como se tivesse cinco anos:
1- Eutanásia não é homicídio
2 - Aborto também não é homicídio. Se você acha que o aborto é homicídio de vida humana, logicamente deve achar que se deve condenar a mulher que aborta a 30 anos de prisão. Lógico. Quando tiver mais de cinco anos e mais experiência de vida, vai pensar de forma diferente.
3 - A protecção da vida humana pelas forças de segurança não tem nada a ver com os pontos 1 e 2.
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De Nuno a 12.08.2018 às 01:20

Eutanásia não é homicídio.


É aquela coisa que vai para além do suicídio assistido (porque, stricto sensu, o sujeito não tem que pedir, pode ter dado indicações prévias, ou considerar-se que sofre exageradamente) mas que não é homicídio.


Já querer eventualmente morrer enquanto se tenta proteger bens familiares é um tipo de suicídio incomforme.
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De Anónimo a 11.08.2018 às 17:16

Grato pelo discernimento da exposição - algo  pouco comum nas dominantes 'Estórias para Totós' que predominam nas convenientes Catedratices da vacuidade da Sofística apelativa e distributiva de Mordomias e Sinecuras aos Catedráticos de Catedratices encomiásticas e convenientemente encomendáveis. . .
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De Anónimo a 11.08.2018 às 22:29

Não há realidade científica que resista à boçalidade da administração pelo senhor Costa.
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De Anónimo a 12.08.2018 às 18:52

Estes acérrimos combatentes contra o eucalipto, devem ser descendentes dos antigos propagandistas dos benefícios do eucalipto como árvore medicinal.
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De Luís Lavoura a 13.08.2018 às 10:13

Fala-se neste post da "severidade" do fogo em diferentes áreas. Eu pergunto, como é medida essa "severidade"? Em que consiste, exatamente?
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De Miguel Madeira a 13.08.2018 às 12:32

Na questão de o que arde mais - eucalipto ou sobreiro?, o artigo do José Miguel Cardoso Pereira no Observador parece ter uma opinião ligeiramente diferente da do Henrique Pereira dos Santos: parece que, apesar de tudo, o sobreiro are um pouco menos que o eucalipto (e não um pouco mais).
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De Anónimo a 13.08.2018 às 19:42

Também li o artigo do Cardoso Pereira, no Observador, de que gostei. A mim, não me parece que ele diga coisas diferentes do que tem dito o HPS. Mas, para os maluquinhos que não gostam dos eucaliptos, o que estes técnicos dizem, não vale grande coisa. Eles gostam mais de ouvir os pastores, mesmo sabendo que alguns costumam atear fogos para renovação das pastagens...

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