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Da responsabilidade moral e da irresponsabilidade

por henrique pereira dos santos, em 18.06.17

Hesitei em escrever este post, por respeito pelas vítimas e pelo risco de ser entendido como a utilização da morte de terceiros para obter ganho de causa.

Ou melhor, ontem à noite, quando me deitei, não sabendo que havia mortos nos fogos que estão a ocorrer, tinha planeado escrever hoje de manhã um post sobre a responsabilidade moral nas tragédias que ocorram nos incêndios de Verão.

Não porque seja possível evitar todas as tragédias, mas porque estas tragédias, previstas repetidamente por quem estuda seriamente a gestão do fogo, são enormemente potenciadas por uma doutrina de gestão de fogo completamente absurda face ao que hoje se sabe.

Países como os Estados Unidos, a Austrália e outros com territórios no lado Ocidental dos continentes, perto do paralelo 40 (como é o nosso caso), há muito que abandonaram a ideia de suprimir o fogo e insistem em políticas de gestão do fogo através da gestão dos combustíveis.

Mesmo noutros contextos geográficos, há a adopção de mudanças substanciais na doutrina, como fez recentemente o Ontário (depois de um fogo, de características diferentes dos nossos, de meio milhão de hectares).

O problema central é que em Portugal parece ser admissível que um governante diga, como terá dito ontem o secretário de estado da administração interna, que o comportamento do fogo não se prevê, o que há é uns académicos com umas teorias sobre isso.

Tal como parece ser normal o presidente da liga dos bombeiros, que há anos que diz disparates sobre a gestão do fogo (incluindo o clássico "nunca um fogo ficou por apagar"), aparecer sistematicamente nestas situações a repetir a defesa de opções erradas e que estão na base de tragédias como a desta noite.

E que o presidente da AIMMP seja sistematicamente convidado para falar de fogos, com um discurso completamente ignorante e absurdo sobre incendiários, sem qualquer ligação com a realidade conhecida e estudada.

E que o presidente da Protecção Civil diga que correu tudo bem num ano em que há um fogo de trinta mil hectares, tendo como objectivos para o ano seguinte (2017) não ter perdas de vidas.

E que qualquer presidente de Câmara diga que não sabe como é possível o que está a acontecer, quando qualquer curioso que estude o assunto com um mínimo de atenção, e recorrendo a quem sabe do assunto, lhe explica em três tempos que em condições meteorológicas extremas o seu concelho vai ser palco de uma tragédia, mas que isso tem solução se se quiser empenhar nas políticas de gestão de combustíveis a sério, em vez de fazer declarações patetas sobre as origens dos fogos.

Estes senhores são moralmente responsáveis por transformar os bombeiros em carne para canhão, quer defendendo e aplicando a doutrina do Portugal sem fogos, quer mantendo uma estúpida oposição à profissionalização dos bombeiros e respectiva integração entre gestão de combustíveis e combate.

Tal como declarações totalmente irresponsáveis de académicos respeitados, mas que nunca estudaram ecologia e gestão do fogo, bem visíveis neste artigo de 2010 (refiro-me, naturalmente, às declarações irresponsáveis de Helena Freitas, e não à sensatez habitual de Paulo Fernandes, que infelizmente é menos ouvido no país, e pelos decisores, do que seria bom para nós), ajudam a suportar a ideia estúpida de que o fogo é um inimigo que pode ser vencido, em vez de olhar para o fogo como um elemento natural que precisa de ser gerido de forma economicamente sustentável, em que o Estado se empenha em suprimir as falhas de mercado de um sector com graves problemas de competitividade na maior parte do território.

Por respeito e em memória das vítimas decidi pois escrever este post, dizendo que o fogo é previsível, estas tragédias são uma questão de tempo até se repetirem se mantivermos a doutrina do "Portugal sem fogos" e se insistirmos em assentar a gestão do problema em corpos de voluntários sem qualquer ligação com a prevenção estrutural feita no Inverno.

Nada me move contra os corpos de voluntários, são muito úteis e, provavelmente, imprescindíveis, mas precisam de uma estrutura profissional que conheça o território, crie e conheça oportunidades para parar os fogos onde podem ser parados e que enquadre devidamente a generosidade dos voluntários.

Já chega de pura irresponsabilidade e de um discurso obscurantista que desvaloriza o conhecimento existente e a sua aplicação em contexto real.


15 comentários

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De pit a 20.06.2017 às 12:10

NG, não é preciso serviço cívico algum. Portugal tem muitos malta à espera de trabalhar. São pagos por mim e por si. Vivem em hotéis de qualidade. Três pratos por refeição. Autorizados a fumar, Fornecidos de 'drogas' se tal for convenienta. Muita TV à borla. E mais que me envergonho de escrever. Mandem-nos com atiradores a guardá-los (como os EUA fazem há anos) limpar a floresta — e, já agora, a imundície deste país.
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De NG a 21.06.2017 às 13:25

Acho que não. A limpeza da floresta é uma actividade nobre. Não pode ser nenhum estigma.
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De pit a 22.06.2017 às 16:31

Perdoe-me, mas não encaro o trabalho como estigma. Os nobres que são nobres, também têm que trabalhar.
Há anos que se legisla por esse mundo, para tirar o estigma do encarcerado, por mais bem tratado que ele tenha sido.
E eu não daria emprego a um tipo socialmente sujo porque não o deixaram 'limpar'.

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