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Os meus dois posts anteriores acentuam a minha desesperança, por serem bem demonstrativos de como a racionalidade do debate público anda pelas ruas da amargura.
O estatismo, uma doença comum em Portugal, mereceria alguma discussão e tratamento.
Há dias em que acho que é útil falar de realidades concretas que identificam a doença, na esperança de que alguma racionalidade consiga passar nas rachas do estatismo incrustrado em tantas cabeças, mas o que sobra é sempre a mesma desilusão: a razão é totalmente substituída pela emoção, o que rapidamente torna qualquer discussão numa guerra.
Olhemos para o exemplo dos contratos de associação, que apareceu nos posts e comentários à boleia das parcerias público/ privadas na área da saúde.
O que está em causa é um modelo, que foi testado, de prestação de serviços de educação por privados, pago pelo Estado.
Nesse modelo, o acesso à educação fazia-se nos exactos termos (pelo menos em teoria, como não há sistemas perfeitos e imunes à fraude, naturalmente havia disfunções) do ensino estatal, isto é, para todos os efeitos, para os alunos, era indiferente ser uma escola estatal ou privada a prestar o serviço.
Em qualquer dos casos o Estado estava a pagar um serviço que entendia ser essencial, no caso da escola estatal pagava aos privados de forma atomizada (a cada professor, auxiliar, gestor, prestador de serviços, empreiteiro, o que fosse), no caso dos contratos de associação pagava de forma agregada, deixando a gestores privados a gestão da forma como cada indivíduo contribua e recebia para que o serviço fosse prestado.
Havendo um elemento intermédio no sistema (o dono e gestor da oferta privada), só é possível o privado sobreviver se para remunerar o seu capital, despesa que acresce à escola estatal que prescinde da remuneração do capital, houver ganhos de eficiência tais que o capital seja remunerado e, ainda assim, o custo final seja mais baixo do da escola estatal.
É que os critérios essenciais para avaliar os serviços prestados são o custo global de prestação de serviço e o retorno obtido pelos alunos e respectivas famílias.
Em qualquer dos dois critérios, de forma agregada, o custo por aluno era mais baixo nos contratos de associação e o retorno, medido na satisfação das famílias, era maior no caso dos contratos de associação.
Claro que é preciso ter muito cuidado nestas agregações e generalizações, visto que poderia haver escolas concretas excessivamente caras e com baixos retornos, em escolas do Estado ou privadas, tal como poderia haver escolas de baixo custo e elevado retorno, em escolas estatais e privadas, a discussão sobre serem estatais ou privadas não tem interesse nenhum, o que interessa é avaliar as escolas, todas elas, com critérios semelhantes, nestes dois parâmetros: custo e retorno.
O problema é que não se consegue discutir nesses termos, aparecem sempre umas almas aflitas, a fazer processos de intenções sobre terceiros, explicando-me a mim que o que eu quero é demonstrar a supremacia dos privados, mesmo que eu, explicitamente, diga que essa discussão não me interessa, o que me interessa é a discussão sobre custos, resultados e eficiência no uso de dinheiros públicos (dos dinheiros privados cada um sabe de si).
Por mais que, explicitamente, eu use o exemplo das PPP rodoviárias para demonstrar que os privados têm mecanismos de gestão sem grande interesse social quando os incentivos se alinham para que funcionem como qualquer organização burocrática e rentista (essencialmente, quando o retorno que os privados têm não está ligado ao risco associado a qualquer das suas decisões), por mais que no sistema de saúde eu insista que aos gestores estatais não se pode pedir que obtenham melhores resultados quando não têm os instrumentos de gestão essenciais (como a liberdade contratual de pessoas num sector cujos resultados dependem em grande parte do capital humano), ainda assim aparece uma quantidade apreciável de gente que não sai da sua base conceptual: visar o lucro é intrinsecamente incompatível com tratar bem os clientes.
Como a estupidez deste argumento é demasiado evidente, usa-se um truque retórico: um doente não é um cliente, um aluno não é um cliente, um consumidor de pão não é um cliente, estamos a falar de bens e serviços essenciais, e isso não pode ser confundido com a compra de um carro ou outro serviço comercial qualquer onde, aí sim, há clientes.
Só que um doente é um cliente, um aluno é um cliente, um consumidor de pão é um cliente.
O que distingue a compra de um pão, uma cirurgia ou uma aula da compra de um Ferrari, não é o facto de umas serem transacções comerciais e outras não, o que as distingue é que a decisão de compra e o estabelecimento do preço pode estar dissociada do cliente, isto é, quem paga pode não ser quem recebe o serviço ou bem, essa é a diferença essencial entre comprar uma cirurgia ou um Ferrari.
E, do ponto de vista político, o que interessa mesmo não é discutir se os hospitais, as escolas, as padarias devem ser do Estado (há dezenas de exemplos históricos que demonstram que esse modelo leva a escassez, ineficiência, privilégio de casta e falta de liberdade das pessoas comuns), mas sim que incentivos e modelos de gestão conseguimos criar para que a prestação de cuidados de saúde, de educação ou de abastecimento alimentar cheguem ao maior número possível de pessoas, a preços mais razoáveis, independentemente de serem prestados por entidades privadas ou estatais.
Esta é a discussão que me interessa, mas não tenho nenhuma esperança de que seja a discussão que exista.
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