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De certeza que já citei por aqui Jorge Palmeirim porque cito frequentemente esta frase: "a natureza não existe para que a estudemos, nós é que insistimos em estudá-la".
A surpresa dos técnicos da Montis com o descrito neste post é um bom exemplo de como sabemos muito pouco sobre as melhores soluções que temos para gerir os processos naturais a nosso favor. O que, na minha ideia, inclui também a opção pela não gestão, em algumas circunstâncias e paisagens.
Frequentemente nas discussões sobre opções de gestão da paisagem há a defesa do modelo tradicional que construiu as paisagens que conhecemos durante grande parte do século XX e nos parecem, hoje, lindíssimas e equilibradas, com o campo cheio de gente, com as melhores terras aproveitadas para a produção, com as terras marginais trabalhadas pelo fogo e pelo dente dos animais, etc..
George Eastbrook, de que já falei por aqui com certeza, era um académico americano da Universidade do Michigan que passava largas temporadas em Portugal - tinha uma casa em Dois Portos, se não me engano - aproveitando o tempo que por cá andava para se dedicar à etnobotânica, tendo escrito vários artigos sobre o assunto. Pode dar-se aqui um salto para quem queira conhecer melhor o que publicou. Aqui um artigo sobre o que escreveu sobre Portugal e a utilidade do estudo do conhecimento tradicional para compreender o mundo rural e o gerir.
Num deles demonstra que há uma diferença do simples para o dobro na produção de centeio enterrando a mesma quantidade de azoto com giesta verde, ou com giesta que passou pela cama do gado, isto é, alterando a relação carbono/ azoto. É uma excelente demonstração de que enterrar giesta verde é uma forma muito ineficiente de colectar nutrientes para fertilizar solos e uma chamada de atenção para as dificuldades em aplicar soluções que parecem lógicas, mas na realidade são muito pouco eficientes.
O modelo tradicional de gestão de paisagens é muito interessante, e aprende-se muito em estudá-lo, tentando compreendê-lo. Um dos artigos para mim mais interessantes de Eastabrook é sobre o facto de ser usada uma urze e não outra na produção de bagaço, com justificações simples que toda a gente conhecia na região, mas que a Estabrook pareciam as justificações clássicas para manter acções úteis, com fundamento complexo. Ao estudar o assunto, conclui que a queima de uma das urzes para a produção de bagaço nos alambiques visava controlar a presença relativa das duas urzes nos matos, não se queimando a espécie que garantia uma maior teor de fósforo nos matos roçados para a cama do gado, de modo a obter estrumes melhores e garantir melhores produções de pão.
O frequentemente glorificado modelo clássico de gestão de paisagens tem alguns problemas, dos quais destaco dois: 1) a miséria da remuneração do trabalho num sistema que é trabalho intensivo (já agora, com a consequente hipervalorização da terra, nos modelos orgânicos de produção existe uma relação muito forte, e inversa, entre valorização do trabalho e da terra); 2) a exaustão dos solos das terras marginais, exploradas até ao osso para garantir as magras produções dos poucos solos agrícolas, o que retroalimenta a miséria e a degradação ambiental.
Os modelos de gestão florestal filhos da revolução francesa e do iluminismo, com o seu habitual desprezo pelo conhecimento tradicional e a hipervalorização da racionalidade e do poder da ciência em compreender processos complexos, pretenderam resolver o problema da degradação das serras e das terras marginais através da sua florestação, do condicionamento do pastoreio e da supressão do fogo. São modelos de gestão florestal que não conseguiram compreender as razões das comunidades locais para usarem o pastoreio e o fogo na gestão, mesmo com prejuízo das terras marginais, nomedamente a degradação dos solos e a simplificação extrema dos ecossistemas, em benefício da manutenção da fertilidade das terras que produziam os alimentos base.
Quando finalmente conseguimos começar a produzir fertilidade em fábricas, de forma barata, em especial a partir da síntese da amónia pelo processo de Haber-Bosch, resolvendo o principal factor limitante da produção agrícola, intensificámos o uso das terras agrícolas ao mesmo tempo que deixámos em paz as terras marginais, num processo dual de intensificação e abandono no uso do território.
A produção abundante e barata de alimentos permitiu-nos estar aqui sentados em frente a um computador, sem nos preocuparmos minimamente com a produção de alimentos.
Sob vários pontos de vista, continuamos preso à ideia iluminista de que a ciência sabe o suficiente sobre os processos naturais para passarmos de modestos gestores de processos complexos, carregados de incerteza de que convém ter consciência para saber ler os sinais dos nossos erros, antes que se tornem demasiado grandes ou irreversíveis.
Por isso somos tão abertos às ideias de que podemos suprimir o fogo se nos esforçarmos o suficiente, ou de que podemos ter paisagens com os mesmos princípios de gestão que as construíram, sem a miséria das pessoas e simplificação de sistemas naturais que lhe são inerentes, ou de que podemos resolver problemas sociais contemporâneos decorrentes de padrões de fogo filhos das nossas opções de consumo, recriando mitos sobre paisagens pristinas que não existem há milhares de anos (se é que alguma vez existiram tal como as idealizamos).
A humildade - para os mais ferozmente racionalistas, uma verdadeira humilhação - de saber que sabemos pouco e podemos muito menos do que pensamos é uma ideia difícil de aceitar.
No fundo, mesmo que não tenhamos consciência disso, tendemos a concordar com José Mário Branco, quando acrescenta ao soneto de Camões "e se todo o mundo é composto de mudança, troquemos-lhe as voltas que o mundo ainda é uma criança", recusando reconhecer que a verdadeira sabedoria é a do último terceto de Camões "e afora este mudar-se cada dia, outra mudança faz de maior espanto, que não se muda já como soía".
A verdade é que nos custa a admitir a nossa pequenez e como é vã a glória de mandar.
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