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Da complexidade

por henrique pereira dos santos, em 20.01.23

Este artigo é muito interessante, mesmo descontando alguns exageros, até por procurar manter os pés no chão.

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O que me interessa aqui é seguir o Mito Lógico.

Há muitos javalis, logo, temos de caçar mais para conseguir controlar o excesso de população.

Esta ideia é muito difundida e tem uma ideia gémea, igualmente simples e popular, que se lhe opõe: o excesso populacional é um desequilíbrio do sistema, portanto a solução não é caçar mais, mas reequilibrar o sistema, retirando o homem da equação através de processos de renaturalização.

Note-se que no artigo em causa a ideia principal é a primeira, mas implícita está a ideia contrária de naturalização (rewilding, como agora se diz), como uma impossibilidade por razões que nos ultrapassam: o javali não tem predadores naturais para além do homem.

Estas ideias, em especial a primeira, está muito longe de ser moderna e motivou, ao longo da história, muitas políticas, a maior parte simplesmente ineficazes, algumas trágicas, como quando foi posta em marcha, na China de Mao Tse Tung (e ainda há quem continue convencido de que a racionalidade de um governo central é uma boa ideia) "a grande campanha dos pardais", ou campanha das quatro pragas, enfim, tem vários nomes e um resultado principal: milhares de mortos e um desastre ambiental tremendo.

Ainda hoje há milhões de pessoas convencidas de que a perseguição directa pelo homem é um factor relevante na dinâmica das espécies, em especial das espécies com grandes populações, como o javali.

Pode ser, em circunstâncias muito limitadas (de maneira geral em ilhas), mas a verdade é que desatar a caçar javalis, se pode ser bom para dar proteína barata criada com respeito pelo bem-estar animal, não dá garantias nenhumas de fazer diminuir a população de javalis.

Todos conhecemos as décadas, os séculos, de perseguição ao lobo, incluindo montarias brutais, pagamentos a quem apresentasse animais mortos, fojos, a mobilização de comunidades inteiras e, ainda assim, o lobo persiste (e, por acaso, até está em expansão, neste momento).

É lógico pensar que matando mais animais, faremos diminuir o seu número, mas na verdade é com o aumento do número de animais que aumenta a quantidade de animais que conseguimos matar.

Do que precisamos é de alterar o ponto de vista.

Foi o facto de termos diminuído grandemente a mortalidade infantil que fez com que a população humana tivesse crescimentos enormes (é por isso que Haber e Bosch são mais importantes que Pasteur, Pasteur conseguiu diminuir o número de doentes que morriam ao identificar as causas das doenças e abrindo a porta à produção de terapeuticas eficazes, Haber e Bosch conseguiram diminuir o número de doentes e o número de pessoas saudáveis que morriam de fome, que eram muitos mais).

Na dinâmica das espécies selvagens a questão é, essencialmente, a mesma: temos de olhar para a capacidade de reprodução e da sobrevivência das crias, mais que para a mortalidade, se queremos perceber os factores que influenciam essa dinâmica.

Os javalis expandem-se porque as condições de abrigo e alimentação lhes são hoje muito favoráveis, o que faz com que tenham ninhadas grandes e com boas taxas de sobrevivência. Se retirarmos animais, nomeadamente através da caça, ou de outra forma qualquer, sem alterar essas condições de base, o resultado é que, para os que ficam, as condições são ainda mais favoráveis, por diminuirmos a competição intra-específica, isto é, a competição entre javalis.

Ou seja, a dimensão ds ninhadas e as taxas de sobrevivência das crias aumentam, e vão repondo os animais que conseguimos abater entretanto.

Isto é, centrarmo-nos na caça, quer como solução, quer como não solução, não nos leva a lado nenhum.

Do que precisamos é de discutir a gestão de habitats e dos recursos que estão na base da dinâmica actual das espécies.

E, para complicar, tudo o que façamos prejudica uns e beneficia outros, incluindo não fazer nada, abandonar, restaurar ecossistemas, que também beneficia uns e prejudica outros.

É uma chatice termos um problema e cem soluções (cada uma delas com variantes que alteram os resultados), mas esse é o mundo em que vivemos.

E é por ser uma chatice que os populistas, em alturas de maior aperto, têm muita popularidade: oferecem soluções simples para problemas complexos, escolhendo os alvos a abater (sejam eles os muçulmanos, os pretos, o perigo amarelo, os lucros das grandes empresas, as offshore, a caça, o eucalipto, etc., etc., etc..) e ignorando os efeitos secundários das soluções que defendem.

A humildade de saber, mas saber mesmo, com uma convicção profunda, que podemos muito menos do que pensamos, é uma excelente vacina contra o populismo, todos os tipos de populismo.


7 comentários

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De balio a 20.01.2023 às 15:48


A mim parece-me que a caça é uma boa solução. Pode não fazer diminuir muito o número de javalis, mas fornece carne de boa qualidade.
O problema potendial (aliás: bastante real) da caça é que provoca acidentes, com simples transeuntes a serem baleados.
No último Economist (o da semana passada) havia um artigo sobre os javalis em França. Parece que nesse país se abate, legalmente, umas dezenas de milhares por ano, mas mesmo assim o número deles cresce sem cessar.
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De balio a 20.01.2023 às 16:50


o javali não tem predadores naturais para além do homem


Isto não é tecnicamente verdade: segundo li na wikipedia, e parece-me verosímil, na Europa os lobos e os ursos caçam javalis.
Portugal já tem (no Norte) lobos e dentro não muitos anos terá ursos. Poderão não caçar muitos javalis, mas nalguns certamente ferrarão os dentes.
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De Alexandre N. a 20.01.2023 às 18:07

É uma mostra de vitalidade dos habitats, não só há mais javalis, como há mais raposas, coelhos, e etc.
Acontece é que os animais "aprenderam" que podem conseguir comida junto das populações e começaram a deixar de ter receio das pessoas. Vi um vídeo em Abrantes de javalis que "invadiram" uma festa, e comeram na mão das pessoas.
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De henrique pereira dos santos a 20.01.2023 às 20:14

Os coelhos, como todas as espécies de espaços mais abertos e com maior ligação aos habitats geridos pela agricultura e pastorícia, é um dos perdedores da actual evolução da paisagem
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De balio a 20.01.2023 às 22:22

Quando vivia em Dortmund, na Alemanha, via montes de coelhos a pastar nos relvados em torno da universidade. À vista de toda a gente, e sem qualquer receio dos estudantes que andavam por perto. Havia por lá coelhos a dar com um pau, e ninguém lhes fazia mal nem mênção de os caçar.
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De balio a 20.01.2023 às 22:24

Uma outra espécie que está cada vez mais atrevida são as gaivotas. Na praia em Cascais, aproximam-se dos banhistas, debicam-lhes os pés, roubam-lhes as boas, abrem-lhes os sacos.
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De entulho a 21.01.2023 às 09:28

com o abandono rural criou-se um consumidor e a sua região ficou entregue aos bichos
a familiar comeram todas as árvores de fruto que plantou 

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