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Este artigo é muito interessante, mesmo descontando alguns exageros, até por procurar manter os pés no chão.
O que me interessa aqui é seguir o Mito Lógico.
Há muitos javalis, logo, temos de caçar mais para conseguir controlar o excesso de população.
Esta ideia é muito difundida e tem uma ideia gémea, igualmente simples e popular, que se lhe opõe: o excesso populacional é um desequilíbrio do sistema, portanto a solução não é caçar mais, mas reequilibrar o sistema, retirando o homem da equação através de processos de renaturalização.
Note-se que no artigo em causa a ideia principal é a primeira, mas implícita está a ideia contrária de naturalização (rewilding, como agora se diz), como uma impossibilidade por razões que nos ultrapassam: o javali não tem predadores naturais para além do homem.
Estas ideias, em especial a primeira, está muito longe de ser moderna e motivou, ao longo da história, muitas políticas, a maior parte simplesmente ineficazes, algumas trágicas, como quando foi posta em marcha, na China de Mao Tse Tung (e ainda há quem continue convencido de que a racionalidade de um governo central é uma boa ideia) "a grande campanha dos pardais", ou campanha das quatro pragas, enfim, tem vários nomes e um resultado principal: milhares de mortos e um desastre ambiental tremendo.
Ainda hoje há milhões de pessoas convencidas de que a perseguição directa pelo homem é um factor relevante na dinâmica das espécies, em especial das espécies com grandes populações, como o javali.
Pode ser, em circunstâncias muito limitadas (de maneira geral em ilhas), mas a verdade é que desatar a caçar javalis, se pode ser bom para dar proteína barata criada com respeito pelo bem-estar animal, não dá garantias nenhumas de fazer diminuir a população de javalis.
Todos conhecemos as décadas, os séculos, de perseguição ao lobo, incluindo montarias brutais, pagamentos a quem apresentasse animais mortos, fojos, a mobilização de comunidades inteiras e, ainda assim, o lobo persiste (e, por acaso, até está em expansão, neste momento).
É lógico pensar que matando mais animais, faremos diminuir o seu número, mas na verdade é com o aumento do número de animais que aumenta a quantidade de animais que conseguimos matar.
Do que precisamos é de alterar o ponto de vista.
Foi o facto de termos diminuído grandemente a mortalidade infantil que fez com que a população humana tivesse crescimentos enormes (é por isso que Haber e Bosch são mais importantes que Pasteur, Pasteur conseguiu diminuir o número de doentes que morriam ao identificar as causas das doenças e abrindo a porta à produção de terapeuticas eficazes, Haber e Bosch conseguiram diminuir o número de doentes e o número de pessoas saudáveis que morriam de fome, que eram muitos mais).
Na dinâmica das espécies selvagens a questão é, essencialmente, a mesma: temos de olhar para a capacidade de reprodução e da sobrevivência das crias, mais que para a mortalidade, se queremos perceber os factores que influenciam essa dinâmica.
Os javalis expandem-se porque as condições de abrigo e alimentação lhes são hoje muito favoráveis, o que faz com que tenham ninhadas grandes e com boas taxas de sobrevivência. Se retirarmos animais, nomeadamente através da caça, ou de outra forma qualquer, sem alterar essas condições de base, o resultado é que, para os que ficam, as condições são ainda mais favoráveis, por diminuirmos a competição intra-específica, isto é, a competição entre javalis.
Ou seja, a dimensão ds ninhadas e as taxas de sobrevivência das crias aumentam, e vão repondo os animais que conseguimos abater entretanto.
Isto é, centrarmo-nos na caça, quer como solução, quer como não solução, não nos leva a lado nenhum.
Do que precisamos é de discutir a gestão de habitats e dos recursos que estão na base da dinâmica actual das espécies.
E, para complicar, tudo o que façamos prejudica uns e beneficia outros, incluindo não fazer nada, abandonar, restaurar ecossistemas, que também beneficia uns e prejudica outros.
É uma chatice termos um problema e cem soluções (cada uma delas com variantes que alteram os resultados), mas esse é o mundo em que vivemos.
E é por ser uma chatice que os populistas, em alturas de maior aperto, têm muita popularidade: oferecem soluções simples para problemas complexos, escolhendo os alvos a abater (sejam eles os muçulmanos, os pretos, o perigo amarelo, os lucros das grandes empresas, as offshore, a caça, o eucalipto, etc., etc., etc..) e ignorando os efeitos secundários das soluções que defendem.
A humildade de saber, mas saber mesmo, com uma convicção profunda, que podemos muito menos do que pensamos, é uma excelente vacina contra o populismo, todos os tipos de populismo.
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