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Cultura popular

por henrique pereira dos santos, em 25.05.23

Por causa do meu post anterior fartei-me de ouvir comentários sobre a minha falta de respeito pela cultura popular, o direito às pessoas manifestarem as suas alegrias e tristezas no espaço público e argumentações que tais.

Hoje, púrpuro acaso, leio Tiago Velhinha Pereira a dar-me o mote para a resposta sobre cultura popular que eu gostaria de dar.

"Todo o momento que ali estive só queria ter dito uma frase aquele senhor, que achei que é muito bom no que faz e claramente um excelente compositor, só que se esquece das pessoas e a frase que eu lhe queria dizer, era apenas:
-Quanto mais o ouço, mais percebo porque gravo pessoas e não música.
E mais uma vez fica provado a música portuguesa a gostar dela própria, com mais de 7000 vídeos gravados, mais de 1200 de cante Alentejano, com mais de 100 grupos corais gravados no Alentejo e fora dele, não grava música, grava pessoas. Humaniza práticas".

Esta é a questão central.

Uma coisa são as comunidades que se juntam para celebrar o seu chão comum, seja na festa da aldeia, no compasso pascal, no São João do Porto, nas dezenas de festas do 25 de Abril que existiam nos bairros periféricos de Évora no fim dos anos 70, princípios de 80.

Outra coisa é a junta da freguesia aqui ao lado pegar no dinheiro dos contribuintes, que coercivamente lhes é retirado - não confundir com o dinheiro que os mordomos das festas conseguiam juntar, com constribuições voluntárias da sua comunidade, para as fazer - e contratar Romana, Toy, Ágata, Quim Barreiros, Jorge Guerreiro, Ruth Marlena, Nel Monteiro e Belito Campos, para dar música aos munícipes todos, quer eles queiram, quer eles não queiram, entre 2 de Junho e 17 de Junho, a pretexto do padroeiro de Lisboa, uma parte do chão comum que entretanto se dissolveu, já que pouca gente hoje reconhece padroados, padroeiros e a cultura que os criou.

E este comentário não tem nenhuma relação com a depreciação deste conjunto de agentes culturais (sou um grande fã da Ágata e lembro sempre que Quim Barreiros tocou num disco de José Afonso, quando ouço comentários sobranceiros sobre as pessoas que se dedicam a este tipo de música), poderiam ter contratado a Orquestra de Câmara Portuguesa, um quinteto de jazz ou Manuel Mota, que os meus comentários seriam os mesmos: não cabe ao Estado organizar festas, muito menos a pretexto de que se está a apoiar a cultura popular, que se caracteriza exactamente pelo que representa na vida das comunidades, de forma independente do Estado e da formalização académica do que é, ou deixa de ser, cultura.

O futebol faz parte da cultura popular e é normal que as pessoas comemorem as suas alegrias e tristezas em comunidade, o que não faz sentido, para mim, é que se considere legítima a sobreposição de legitimidades que obrigue outras comunidades a prescindir das suas celebrações colectivas, com medo dos primeiros.

É extraordinário que as manifestações políticas tenham um acompanhamento do Estado para garantir que o direito à manifestação se faça com o mínimo de prejuízos para terceiros, que os organizadores de manifestações se empenhem em impedir comportamentos ilegítimos, quer com apelos prévios, quer montando um sistema de segurança próprio para garantir o mínimo de problemas nas manifestações, que no caso dos promotores mais radicais, cujo objectivo seja mesmo provocar problemas, o Estado responde com repressão, mas no caso do futebol se admita que não há nada a fazer, os clubes e as federações não têm nada com isso, é deixá-los à solta.

Se os promotores da Feira do Livro se sentem suficientemente intimidados com isso, que fechem as tendas, é só um dia, ninguém leva a mal.

Eu limitei-me a dizer que não é verdade que ninguém leve a mal, eu levo, e isso não tem nenhuma relação com a bonomia e compreensão perante a cultura popular, mas sim com a forma como o Estado desiste de defender o direito dos mais fracos, neste caso, os interessados na Feira do Livro, mas poderia ser de um torneio de sueca, usar legalmente o espaço público de forma segura e razoável.

Quer isto dizer que eu defendo que a polícia de choque deveria entrar pela multidão que vá ao Marquês no Sábado, à bastonada, para assegurar a ordem pública?

Não, quer dizer que há uma longa cultura social de convivência com comportamentos marginais associados ao futebol que leva a que neste momento não haja outra solução que não seja fechar as pessoas em casa para não correrem riscos, mas que o Estado deveria compreender que isso é um falhanço social que o deveria fazer olhar para o ano seguinte de forma diferente, não aceitando a fatalidade de haver bandos de desordeiros (não, não é a maioria dos que lá estarão, são os bandos de desordeiros que lá estarão) que definem o que se pode ou não fazer no espaço público, por umas horas, a pretexto de que o seu clube (partido, terra, região, igreja, seja o que for) ganhou um campeonato seja do que for.


1 comentário

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De Anónimo a 25.05.2023 às 17:25

Sugiro que os adeptos vão comemorar para a  estrada da Beira e ou para a beira da estrada e já agora que levem com eles o Balio.

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