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Na sexta-feira fui à antestreia do filme "Côa mais selvagem".
Conheço bem o realizador, João Cosme, uma das quatro pessoas que fundaram a Montis, um pequeno produtor artesanal de biodiversidade (a Montis, não o João Cosme, que é um óptimo fotógrafo de natureza, não um produtor de biodiversidade).
O filme é bastante interessante e há poucos filmes de natureza daquele nível em Portugal, só tendo sido possível por ser um filme da Rewilding Portugal.
A Rewilding Portugal é o ramo português da multinacional de comunicação, Rewilding Europe.
Conheço a organização há bastantes anos, tive muitas horas de discussão sobre a aplicabilidade da ideia base com Wouter Helmer, um dos seus mais importantes e interessantes ideólogos, e visitei, com outras pessoas, a primeira experiência de rewilding, nos Países Baixos, Oostvaardersplassen.
A razão directa para esta ligação é o facto de eu ter sido o director geral da ATN, exactamente na altura em que se estabeleceu a Rewilding Europe, que tinha a ATN como parceiro, até que o meu sucessor no cargo de director geral da ATN resolveu levar parceria, projectos e recursos para uma nova organização, a Rewilding Portugal, de que ainda hoje é o director executivo. Na altura já não tinha grande contacto com o dia a dia da ATN (continuo sócio, isto é, pago as minhas quotas) e portanto não sei os pormenores deste divórcio.
Acresce que um dos meus orientadores de doutoramento, Miguel Bastos Araújo, é um importante membro dos orgãos sociais da Rewilding Portugal, mas antes disso já era um grande defensor da existência de grandes áreas, pelo menos 100 mil hectares, sem intervenção humana, muito antes da existência das organizações que citei acima.
A ideia base da Rewilding Europe é bastante interessante (embora pouco original): aproveitar para ganhar espaço para a conservação da natureza no processo de abandono rural que se verifica, com o consequente regresso de muitos dos valores naturais que foram empurrados para as margens pela produção de alimentos e fibras.
Esta foi, aliás, a ideia inicial de Oostvaardersplassen.
O problema foi que a evolução dos sistemas não parecia caminhar-se para ecossistemas mais ricos, havendo probemas complicados, porque faltavam muitas peças ao sistema, em especial grandes ungulados e seus predadores.
Se a introdução de predadores de topo é sempre socialmente complicada, pelo contrário, fazer de aprendiz de feiticeiro refazendo espécies extintas mas simpáticas, como os auroques ou os cavalos pristinos, é uma ideia com enorme potencial de comunicação e apoio social.
É assim que a Rewilding Europe passa a ter como um dos seus grandes objectivos reintroduzir espécies extintas (o projecto Taurus consiste em fazer retro cruzamentos para ressuscitar o auroque, ou pelo menos um primo suficiente próximo), ou pelo menos espécies parecidas que cumpram as mesmas funções ecológicas, acabando a reintroduzir bisontes na Península Ibérica, questão bastante controversa.
Claro que ninguém anda a introduzir Taurus e Bisontes na natureza (muito menos elefantes, que a Rewilding Portugal pretende pôr no Altentejo, no quadro de um acordo qualquer com uma organização que recupera elefantes), o que se está a fazer são brincadeiras caras em espaços fechados, sendo os animais postos nesses grandes cercados tratados como gado, para efeitos legais.
Mas para efeitos de comunicação, e consequente apoio social e financeiro, é preciso dizer que se andam a fazer introduções, coisa que já a ATN fazia com vacas maronesas, cavalos garranos e sorraias, há bastante tempo.
Sem surpresa, nada destas opções se traduz em menor intensidade de gestão: os apoiantes destes projectos não estão disponíveis para ver os animais morrer à fome no Verão, não podendo os animais fazer grandes migrações, para sobreviver, como faziam antes da generalização da agricultura.
Para além de não terem predadores cuja dinâmica populacional interaja naturalmente com a dinâmica populacional destas populações de herbívoros.
Nada disto tem, em si, nenhum problema, desde que alguém esteja disposto a pagar, o que não vale a pena é vender a ideia de que isto é o futuro da conservação da natureza, apresentando filmes que apresentam os resultados de 70 anos de abandono agrícola como o resultado de quatro ou cinco anos de gestão rewilding.
Nem vale a pena dizer que têm muito bons resultados na gestão do fogo, e em cinco anos conseguiram diminuir a frequência e a intensidade dos fogos (uma contradição nos termos, porque a frequência e intensidade do fogo relacionam-se inversamente).
Muito menos se justifica a mistificação histórica que esquece todo o trabalho feito no Côa pela ATN, ignorando-a no filme produzido, evitando qualquer referência à Reserva da Faia Brava, uma das mais relevantes áreas de conservação do vale do Côa, ao mesmo tempo que se destaca o paul de Toirões que, por acaso, até nem é no vale do Côa.
Tenho muita simpatia pela ideia de rewilding, embora ache, há vários anos, que é uma ideia que não pode ser aplicada como pretende a multinacional de comunicação "Rewilding Europe" porque esquece interacções sociais relevantes, como o impacto dos grandes animais selvagens nas comunidades, e interacções ecológicas relevantes, como a ecologia do fogo.
Tenho menos simpatia pelo filial portuguesa da multinacional, a Rewilding Portugal, por razões institucionais, parece-me uma organização opaca que foge ao escrutínio por terceiros e, a partir de agora, tenho ainda menos simpatia pela tentativa de reescrever a história dos movimentos rewilding em Portugal, rasurando da fotografia a ATN e as pessoas que a criaram.
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