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Conversas sobre Pedrogão

por henrique pereira dos santos, em 18.06.22

"Plantaram mais eucaliptos, e quando voltar a haver um incêndio enorme, e gente a morrer, a culpa vai ser da trovoada! Os tugas vão voltar a ser solidários, e a dar dinheiro para eles fazerem e refazerem as casas dos amigos... e está tudo bem!".

"Respondo-lhe a si porque tenho respeito pelo seu trabalho noutros campos que não este: não plantaram nada na maior parte dos sítios, homem, a percentagem de área com plantações é mínima, pegue num carro e vá lá ver em vez de repetir este tipo de disparates facilmente verificáveis".

"quem diz que plantaram foi um morador, citado hoje na capa de um jornal. Sei perfeitamente que não precisam de plantar nada, porque a seguir ao incêndio eles nascem “como cogumelos” (ou mais). Mas se não os plantaram, pelo menos que os cortassem...".

Isto é um excerto de uma conversa a propósito de um artigo de jornal, dos muitos que ontem se fizeram a propósito da passagem de cinco anos sobre o incêndio de Pedrogão.

Eu próprio, aliás, participei num programa de rádio que evocava essa data.

Não me interessa, neste post, discutir quer as circunstâncias desses grandes fogos, quer a evolução da nossa paisagem antes e depois desses fogos, até porque tendo escrito sobre isso um ensaio há pouco tempo, e podendo qualquer pessoa comprar o livro em que se publicará esse ensaio, considero-me dispensado de me repetir, desta vez.

O que me interessa, neste post, é esta paranóia colectiva sobre o eucalipto, que leva pessoas sensatas, razoáveis, medianamente informadas sobre o que se passa à sua volta, a dizer as coisas mais absurdas sobre o assunto.

Sobretudo interessa-me a frase final da conversa que transcrevi "Mas se não os plantaram, pelo menos que os cortassem...".

E interessa-me porque sintetiza uma alienação estratosférica, que não é apenas desta pessoa em concreto, mas de largas partes da sociedade.

Aparentemente, quem pensa e escreve coisas destas não tem em atenção que não há gestão da paisagem, não há possibilidade de fazer gestão em larga escala e ao longo do tempo, sem retorno que pague essa gestão.

Em primeiro lugar, se não existe gestão que faça a selecção de varas (é o que quer dizer a expressão equívoca " a seguir ao incêndio eles nascem “como cogumelos” (ou mais)", porque mesmo aceitando que talvez haja uma progressiva adaptação dos eucaliptos portugueses que faz aumentar a reprodução seminal, como recentemente me disseram, ainda assim o nascer como cogumelos dos eucaliptos após fogo não decorre da reprodução seminal, mas do rebentamento de toiça, esmagadoramente), que seria uma operação com retorno na produção de madeira que o mercado remunera (mal, mas remunera), como querem que haja gestão para fazer uma coisa que não tem qualquer retorno, como andar a cortar eucaliptos periodicamente (sim, porque cortar a rebentação após fogo não faz desaparecer os eucaliptos, apenas os faz rebentar de novo, se é para eliminar eucaliptais de forma eficaz, o que é preciso fazer é pulverizar a rebentação com glifosato)?

Pode admitir-se que, enfim, o conhecimento técnico sobre o assunto seja fraco e esta primeira questão associada à frase final da conversa seja apenas fruto de alguma falta de empenho no estudo do problema.

Mas há uma outra pergunta fundamental a que, aparentemente, não se atribui nenhuma importância.

Admita-se que sim, que era fácil, racional e útil, cortar todos os eucaliptos.

E daí? O que se esperaria obter com essa operação?

É que ao cortar todos os eucaliptos (vamos esquecer as questões técnicas) o resultado não seria passar a ter grandes carvalhais ou, ao menos, oportunidades para que se desenvolvessem grandes carvalhais, o resultado era apenas ter o mesmo abandono e a mesma falta de gestão, agora sem eucalitpos.

O que, do ponto de vista dos fogos, era completamente irrelevante.

Continuar a discutir a gestão dos fogos com guerras de alecrim e manjerona entre espécies (note-se que não é uma discussão de curiosos como eu, Francisco Castro Rego põe a discussão frequentemente nessa base, embora de forma muito mais sofisticada do que a maioria das pessoas, e há coordenadores de planos de transformação da paisagem que fazem propostas mirabolantes, a que o Estado dá cobertura, centradas nessa guerra de espécies. O país, enquanto tal, tem uma política florestal baseada nessa discussão bizantina) é um bom caminho para o desastre que se irá repetir, algures por 2030, mais ano, menos ano.

Enquanto andarmos a inventar problemas reais, para responder a problemas inexistentes, ou com pouca relevância para a gestão do fogo, o resultado final só pode ser aumentar os problemas que desembocarão no resultado que, neste momento, é o que poderemos esperar: a repetição de Pedrógão, algures entre dez e quinze anos depois do desastre anterior.

Nós temos um problema de gestão de combustíveis finos, esse problema resulta da falta de uma economia que remunere essa gestão e deveríamos estar concentrados ou em aumentar a eficiência dos mercados que possam remunerar essa gestão, ou em criar mercados de iniciativa pública nas circunstâncias em que não há mercados que estejam a remunerar essa gestão.

Todas as distrações que fujam deste programa não passam disso mesmo, de distracções, não alteram em nada a trajectória para o desastre quem continuamos a estar, apesar das melhorias pontuais na compreensão do fogo e da sua gestão que têm ocorrido na sociedade portuguesa (e, para ser rigoroso, em quase todo o mundo).


6 comentários

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De balio a 18.06.2022 às 17:20

Temos um problema de gestão de combustíveis finos, escreve o Henrique e eu concordo. E mais escreve o Henrique que esse problema resulta da falta de uma economia que remunere essa gestão. Mas eu aqui tenho uma perplexidade: mesmo que houvesse economia que remunerasse a gestão, como quereria o Henrique que se gerisse os combustíveis finos de um eucaliptal? É que, que eu saiba, os combustíveis finos de um eucaliptal são predominantemente as folhas caídas dos próprios eucaliptos, e não há, segundo julgo, nenhum animal (exceto os koalas) que consumam essas folhas. Pelo que, em eucaliptais como os de Pedrógão Grande, será sempre impossível fazer a gestão dos combustíveis finos, mesmo que haja economia para a pagar.
Ou estou mal informado?
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De Anónimo a 18.06.2022 às 22:06

Henrique, o balio poderá estar mal informado mas seria possível desenvolver um pouco mais a sua teoria? Se o tiver feito nalgum livro/ensaio agradecia que partilhasse o nome para o poder ler. Grato pelo tempo que dedica ao blogue e a partilhar as suas visões. 
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De henrique pereira dos santos a 19.06.2022 às 07:08

1) A ideia de que a gestão de combustíveis apenas se faz através de animais selvagens é uma ideia sem pés nem cabeça;
2) A ideia de que os principais combustíveis finos num eucaliptal são as folhas (e cascas, acrescento eu) dos eucaliptos, é uma ideia completamente fora da realidade;
3) A gestão de combustíveis pode fazer-se pelo corte, recolha e transporte a vazadouro, o que é raro actualmente, por ser caro, mas era o modelo predominante tradicional, nas economias que faziam a roça dos matos para a cama do gado;
4) Pode fazer-se pelo fogo, o que tem vindo a ser cada vez mais usado à medida que vão diminuindo os preconceitos em relação ao uso do fogo como instrumento de gestão;
5) Pode ser feito por corte e deposição no local, basicamente é o que é feito predominantemente pelas empresas de celulose com gradagem dos terrenos;
6) Pode ser feito com gado
Desde que se pague um valor que seja considerado suficiente, haverá quem use um destes métodos (e esqueci-me do controlo químico, sobretudo com base em glifosato) para fazer a gestão de combustíveis finos.
O que não se pode é esperar que a generalidade ou parte relevante dos proprietários façam este tipo de gestão, perdendo dinheiro.
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De entulho a 19.06.2022 às 09:41

fiz a limpeza com animais no tempo em que havia bípedes para trabalhar.
na minha aldeia não nasce uma criança há 50 anos. há 20 atravessei-a sem ver vivalma .
utilizei esporos de fungos para fazer apodrecer as raízes dos 'acalitros'.
as landes ao cair perderam poder germinativo, mas as sementes de estevas conservadas ao sol durante 20 anos ainda germinam

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