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Confissão

por João Távora, em 06.06.23

Confissão.jpg

Os encontros e relações pessoais mais desagradáveis com que deparei ao longo da minha vida social e profissional deram-se sempre com aqueles indivíduos com uma autoconfiança desmesurada face às suas reais capacidades intelectuais. Numa relação de continuidade, obrigam-nos a um grande esforço de tolerância e autodomínio. Mais trágico é quando essa segurança não se faz acompanhar pela necessário calibre ético e moral. Estamos a falar do vulgar aldrabão que, se for dotado de uma esperteza acima da média, pode provocar muitos estragos aos seus semelhantes, e mais ainda se tiver enveredado na política. São pessoas que falam alto com frequência, com as certezas na mesma proporção em que lhes faltam escrúpulos. Numa análise precipitada, a mentalidade moderna igualitária favorece-os, mas, na verdade, mais cedo que tarde, a corrida de longo curso que é a existência acabará por fazer justiça. É uma intuição minha, que já vou para velho.

O problema da autoconfiança desmesurada é que ela com frequência impede um olhar panorâmico sobre um problema e, o que é pior, demasiadas vezes inibe a capacidade de se colocar no lugar do outro, anulando-o. A pressa de proclamar um veredicto também não ajuda. A complexidade da realidade é por natureza uma lição de humildade. A riqueza do olhar exterior resultará no mesmo. Por isso é que a insegurança e a dúvida são agentes de empatia entre as pessoas, que são uma amálgama de imperfeições. Um pequeno defeito físico pode até constituir um factor estruturante para uma personalidade mais empática, mais rica, mais inteira.

Esse é o fascínio da humanidade. Como um interminável e intrincado puzzle, com falta de peças e de desenho difuso em constante ajustamento. Pessoas que nunca mais acabam somos todos, a reclamarem olhos suficientemente curiosos e atentos para se deixarem seduzir. Como é que é possível não acreditar em Deus, num desígnio maior? O defeito, o erro, a precaridade revela-nos esse conceito de perfeição, um absoluto, algures.

Eu sei bem quais os pequenos arranjos que a minha pessoa precisava para ser mais perfeita, para que alcançasse superiores patamares de realização, talvez de santidade. Gostava de não me preocupar tanto com o olhar ou a voz dos outros, que às vezes me provocam arritmias e me embargam a voz que queria dizer tudo certinho. Gostava de saber ouvir melhor os outros, de ler mais, ter mais memória, ser mais rápido no pensamento, mais versátil na verbalização, como alguns advogados ou políticos que vemos na televisão.

Não estou é nada certo que a minha gente gostasse dessa pessoa. Estamos bem assim 


8 comentários

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De pitosga a 06.06.2023 às 19:15


João Távora,
No meu sentir ninguém escreve um algo longo texto, aflorando tantas certezas que tão bem correspondem à realidade, sem haver alguém que o tenha magoado a sério.
Poderá ser contra si, contra os seus valores, mas falta o 'sujeito' / 'sujeitos' no meio de tantos predicados, adjectivos e complementos. Gramática — eu, brincando.


Com muita estima
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De João Távora a 06.06.2023 às 20:18

V. diz cada coisa...
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De pitosga a 06.06.2023 às 21:19


É verdade. Sou um 'desbocado'.
Por isso digo [e escrevo como Pontius Pilate] que o aprecio.
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De Anónimo a 07.06.2023 às 09:27

A sua descrição encaixa na perfeição no retrato grotesco dos medíocres que "descem" à política (e ao poder) nos dias de hoje. 
Pobre país de quase 900 anos entregue a homens sem estatura moral, nem ética, personalidades narcísicas «do vulgar aldrabão que, se for dotado de uma esperteza acima da média, pode provocar muitos estragos aos seus semelhantes». (Eficazes no mal, quem para o bem não presta...)
 E é dramático que os estragos nos estejam a acontecer por livre escolha, por indiferença, ou pior, por indigência subserviente de quem tem de sobreviver.
 Teme-se que esta inércia e esta perigosa anomia de país velho, pobre e sem ânimo nos conduza a um ponto de não-retorno _ ou a um beco sem saída onde voluntariamente nos enfiámos. 


Impressionou-me um texto que li há  dias, sobre a possibilidade de Portugal se extinguir, desaparecer:
«(...) Como todo o corpo que não renova as células, a morte é o destino mais que provável. E Portugal é um corpo a morrer, rapidamente, muito porque aquilo a que chamamos “república portuguesa” está a sugar os recursos que precisávamos.
 A escolha que nós, as “células” velhas, podemos ter de fazer é se queremos salvar Portugal(...)
« nem sequer é líquido que não tivéssemos já passado o ponto de não retorno. Se calhar, para bem da espécie, até os países têm que morrer um dia e, nesse caso, é justo que os que morrem sejam aqueles que fazem as péssimas escolhas que nós fazemos.»-João Pires da Cruz

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De Zé raiano a 07.06.2023 às 10:02

ALDRABÃO «se Nosso Senhor te assinalou, algum defeito te encontrou»
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De Anónimo a 07.06.2023 às 15:53

"Olho-me fielmente por dentro e, a que distância me acho da "vulgaridade..."
Linda  e grande reflexão...
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De Anónimo a 08.06.2023 às 15:05

... Por coincidência, depois de ter lido estas bazófias de Dr. Pedro Nuno, li o que escreveu João Távora (https://corta-fitas.blogs.sapo.pt/confissao-7940714) que se aplica por inteiro a esta criatura:...
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De Anónimo a 09.06.2023 às 12:09


Explicando, ligando aqui:
https://impertinencias.blogspot.com/2023/06/duvidas-360-nao-seria-preferivel-o-dr.html
Sorry

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