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Confiança

por henrique pereira dos santos, em 21.09.20

"Graça Freitas afirma que o padrão da pandemia alterou-se (sic): no início tínhamos mais casos de idosos, e portanto, mais casos em internamento e mais mortes; com o evoluir da epidemia esta tendência sofreu uma alteração e, ao dia de hoje, apenas 11% das pessoas infetadas nas últimas 24 horas têm mais de 70 anos. “Confirma-se que há um padrão de novas infeções em adultos jovens, em idade ativa, ou seja, muito em contexto de ambiente laboral e de sociabilização”, diz.

Por outro lado, isto também significa que tem havido, no cuidado aos idosos, uma maior proteção dos mais velhos que está a ser eficaz. “Era preferível não nos infetarmos, mas quando nos infetamos, os mais novos têm doença menos grave, portanto este padrão é melhor em termos da gravidade da doença e do resultado em termos de morte ou de internamento em cuidados intensivos”, diz ainda."

Até pode ser que assim seja, até porque tem sido uma ideia repetida exaustivamente pelas pessoas que mais têm influenciado a gestão da epidemia.

Mas a verdade é que não há nenhuma razão para supôr que é dominantemente assim, embora seja provável que seja parcialmente assim.

Um caso positivo em Março/ Abril não dá a mesma informação que um caso positivo hoje.

Em Março/ Abril a política de testes centrava-se em pessoas com sintomas. Sem surpresa, quantidade de casos positivos por teste realizado era altíssimo.

A política de testes entretanto alterou-se muito, testando todas as pessoas com sintomas (em Março/ Abril muitas pessoas com sintomas ligeiros nem sequer eram testados, eram mandados ficar em casa e se a coisa evoluísse de tal forma que fossem necessários cuidados hospitalares, então sim, logo se via) mas também assintomáticos considerados contactos de risco de outros casos positivos, ou seja, à medida que se foi testando mais, e a percentagem de casos positivos sem sintomas aumentou, o número de testes cresceu brutalmente, abrangendo populações completamente diferentes das populações de sintomáticos que eram testados em Março/ Abril.

Acresce que todos os estudos com testes serológicos concluíram que a parte da infecção que era reportada pelos testes, sobretudo lá para Março/ Abril, era ínfima em relação à dimensão da população realmente infectada.

Ou seja, com mais testes, aplicados com critérios diferentes, muito provavelmente a alteração da epidemia que se vê nos dados correspone mais à alteração na natureza dos dados que à alteração real da epidemia. Sem prejuízo, naturalmente, de estarmos hoje mais bem preparados que em Março e Abril para lidar com o problema, com certeza, o que se reflectirá na mortalidade. Em qualquer caso, a mortalidade tem sido de tal maneira marginal que fazer grandes considerações com base na evolução de amostras tão pequenas tem um interesse reduzido.

A partir de Junho, com a estabilização da política de testes, é razoável comparar casos positivos para perceber a evolução da epidemia, mas quaisquer comparações de casos positivos entre o que se passa agora e o que se passou em Março/ Abril não é muito útil, porque é comparar coisas muito diferentes.

O que estamos a ver agora é uma previsível subida da mortalidade, com a progressiva chegada ao Outono/ Inverno, e ninguém sabe como vai evoluir essa mortalidade, o que se sabe é que, por enquanto, o número de mortes/ número de casos positivos tem andado por valores várias vezes menor do que era em Março/ Abril.

Dizer que a epidemia evolui para um padrão diferente, em vez de simplesmente se admitir a hipótese de que o padrão sempre foi este, nós é que não tínhamos instrumentos para o detectar com os testes que fazíamos, não me parece que sirva para mais nada que justificar uma atitude diferente - felizmente - dos governos face à epidemia nos meses que estão a chegar.

Como é mais difícil admitir que o que se fez em Março/ Abril foi um erro - vale a pena ler este texto no Observador - diz-se que a epidemia é que ficou diferente.

Nos comentários ao meu post anterior chama-se a atenção para esta carta, de uma série de cientistas que insistem em dizer o que sempre disseram: vamos lá levar a sério a protecção dos vulneráveis em vez de fazer um bombardeamento em tapete sobre o vírus, na vã esperança de o derrotar.

Por mim, tudo o que sirva para evitar medidas absurdas como as tomadas em Março/ Abril é positivo, mas convinha não esquecer de todo o longo prazo: a democracia depende da confiança das pessoas nas instituições e, desse ponto de vista, a Direcção Geral de Saúde tem contribuído muito para diminuir a qualidade da nossa democracia.

O que não me admira, depois de ter ouvido o influente e omnipresente Filipe Froes a dizer que para se aplicar um modelo de gestão da epidemia próximo do sueco, só mudando de povo.

Pelos vistos, Filipe Froes - e suspeito que a DGS - apoia a ideia de Salazar de que o povo português não é muito talhado para a democracia.

 


28 comentários

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De Lobos disfarçados de cordeiros a 22.09.2020 às 19:54

Eu não disse que ignorou este meu comentário, mas o outro. Além disso, eu não disse que os portugueses não estavam preparados para a democracia, nem Filipe Froes o disse. Segundo você isso era o que pensava Salazar.

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