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Coisas úteis

por henrique pereira dos santos, em 01.06.23

Já não me lembro quem me falou sobre uma conversa entre o padre João Seabra e uma rapariga que pretendia ir para freira, numa ordem de clausura, sem contacto com o mundo.

João Seabra ter-lhe-á dito que pensasse bem na decisão, porque era uma decisão que exigia uma coragem e uma fé de dimensões tremendas, na medida em que dedicar totalmente a vida a um chamamento religioso em si, sem relação com o mundo, significava uma confiança sem limites na existência de Deus: se Deus não existir, um missionário pode sempre considerar que a sua vida valeu a pena pelo que ajudou os outros, um religioso que dedicou a sua vida aos mais pobres pode sempre considerar que mesmo que se tenha enganado, e Deus não exista, valeu a pena dedicar a vida a amenizar o sofrimento dos outros, mas uma religiosa que se dedica inteira e exclusivamente ao seu Deus, terá inteiramente desperdiçado a sua vida, se esse Deus não existir.

Note-se que nada do que escrevi compromete ninguém, é uma memória que tenho e nem eu confio na minha memória, mas a história, independentemente de tudo o resto, interessa-me na forma desta memória, tenham sido as coisas exactamente assim, ou não.

Interessa-me porque estou no lado oposto da religiosa (sim, manteve a sua opção de professar numa ordem de clausura e sem contacto com o mundo), o que é natural sendo agnóstico: independentemente das questões religiosas, tenho imenso respeito pelas pessoas que se dedicam totalmente aos outros, fazendo coisas concretas.

Por isso - também porque se houvesse alguma terra a que chamasse minha seria Moçambique, ainda também porque conheço a situação em concreto (quando passei por Nampula em trânsito não fui a esta missão, mas conheço quem o tenha feito) e, sobre isto, ainda porque algumas instituições das igrejas são os canais mais sólidos para fazer chegar recursos a quem deles precisa, com o mínimo de consumo pelo meio - há uns anos que gasto meia dúzia de tostões a ser padrinho de alunos da "Comunidade das irmãs de São João Baptista em Moçambique", através da irmã Assunção.

De tempos em tempos, vou recebendo notícias dos meus afilhados que, na verdade, não conheço (um deles, quando tem novidades que acha relevantes, manda-me um whatsapp, trata-se de um adulto com formação mais avançada e mais perto da autonomia total).

Ser padrinho ou madrinha de uma criança corresponde a um donativo anual de 70 a 100 euros, que paga alimentação, escola, vestuário para que possa estudar (há outras maneiras de ajudar).

Quem quiser saber mais pormenores, que mande um mail para voluntariosmissionarios.sjb@gmail.com

"Quanto à escola que estamos a construir ... Quatro salas estão prontas... Estamos a pensar abrir no [início do] próximo ano lectivo, em Fevereiro de 2024, mas ainda falta muita coisa. ... Pensamos dividir uma das salas em quatro, para funcionar aí a secretaria, sala de professores, gabinete do director e sector pedagógico, enquanto não conseguirmos construir mais. Estamos também a fazer latrinas fora, para remediar a falta de casas de banho, e estamos a tentar fazer um furo para conseguir água em quantidade, porque a água da rede falha muito ... Mesmo sem as condições ideais, o Estado vai aprovar a abertura da escola, pois a falta de escolas é enorme e já há turmas a funcionar com 250 alunos!".

Isto é um extracto de uma das cartas regulares com informação sobre o que se vai passando, e é coerente com a informação que me chegou das pessoas que passaram por Nampula para visitar as irmãs que lá estão.

Há alturas em que quando olho à volta e escrevo sobre isto ou aquilo, criticando esta ou aquela opção de afectação de recursos públicos ou privados, lembro-me destes cem euros anuais (apenas quatro vezes mais que a quota anual da Montis, que se dedica a fazer conservação em Portugal) e do que podem significar na vida de uma pessoa concreta, não significando quase nada no conjunto de recursos que gasto anualmente.

Como dizia no princípio, sim, com certeza há uma dimensão religiosa que muita gente repudia nesta escola e em toda a acção das freiras que estão por trás dessa acção concreta de apoio aos mais pobres em Nampula mas, caramba, eu confio no discernimento das pessoas à medida que crescem, confio na sua capacidade de fazer escolhas para a sua vida e estou verdadeiramente convencido de que, se estudarem, a quantidade de escolhas que podem fazer é muito maior que se não estudarem.

Vale mesmo a pena a embirração com essa dimensão religiosa perante o que significa poder estudar, ou não, quando as condições de partida de cada um destes miúdos é a que é?

Sim, o que é preciso é fazer a revolução, mudar as estruturas de opressão e essas coisas todas, mas convém lembrar que para fazer a revolução são precisos pelo menos dez dias, mas para ter fome basta não comer durante umas horas.


5 comentários

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De pitosga a 01.06.2023 às 13:36


Como é habitual nos humanos, o último parágrafo é aquele que é importante.
Abraço
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De anónimo a 01.06.2023 às 20:22

"sendo agnóstico ..."...

O problema dos agnósticos é que, não sabendo, podem nunca vir a saber. Porque não quiseram procurar a sério ?...
Se a postulante monástica entrou e agiu conforme a sua decisão, fez o que queria. Se fez o que queria, "desperdiçou totalmente a sua vida" tanto como os outros que fazem outras coisas que querem fazer. E se, no fim dos fins, tudo é igual a nada e ninguém saberá, nem a monja nem outro nenhum sabem que "desperdiçaram" alguma coisa.
Mas, antes disso, convém saber que o Cristianismo não é, antes de mais nada,  filantropia, sim teofilia. A monja quis ocupar-se mais desta do que daquela.
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De henrique pereira dos santos a 02.06.2023 às 06:50

Não sabia que havia um problema com os agnósticos.
De resto, o post não é sobre religião.
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De balio a 02.06.2023 às 11:01


O problema dos agnósticos é que, não sabendo, podem nunca vir a saber.


Podem não querer saber. Pode ser uma questão cuja resposta não lhes interessa para nada.


Há montes de coisas que eu não sei nem me interessa saber.
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De anónimo a 02.06.2023 às 20:16

Subjectivamente, podem não querer saber, podem querer saber.
Objectivamente, as questões permanecem, desde a básica: Há Deus ou não há ? (Uma questão que não desaparece com o agnosticismo: pode ser verdade que não podemos saber conjuntural ou contingentemente, mas isto não implica que, necessariamente, nunca se saiba.)
Quanto ao "não interessa", aconselho-o a dar um relance de olhos pela História do sapiens (sem presumir que vive num tempo privilegiado, nesta parte do mundo.)

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