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Cobardia e irresponsabilidade

por henrique pereira dos santos, em 17.08.22

Eu sei que classificar declarações de alguém como sintoma de cobardia e irresponsabilidade é bastante agressivo.

Sei também que fazê-lo a propósito de umas declarações de um militar em funções, é ainda mais agressivo para esse militar.

Ainda assim, acho que vale a pena fazê-lo porque estou farto de paninhos quentes nesta matéria, entre outras razões, porque esses paninhos quentes têm consequências muito graves para vida de muita gente.

"Sei que a GNR e a Polícia Judiciária têm desenvolvido um conjunto de medidas de incremento nas suas áreas de investigação, de forma que haja um detetar e, se possível, apanhar as pessoas que ao longo destes dias têm estado a meter fogo ... A única coisa que a nós nos espanta é três reativações simultâneas, ao mesmo tempo, e com uma violência muito grande, num incêndio que há dois dias estava como dominado. Deixa-nos expectantes, relativamente àquilo que possa ser o resultado dessas investigações".

O Senhor Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, pelos vistos, não se inibe de afirmar, preto no branco, que pela serra da Estrela andam uns incendiários a jogar às escondidas com um dispositivo de mais de mil e quinhentas pessoas para pôr fogo onde ele já existe.

Mais grave que isto, só a quantidade de jornalistas que ouvem isto e não perguntam como raio e com que objectivo uns incendiários tão sofisticados que se conseguem furtar a um dispositivo de mais de mil e quinhentos homens, andam a "meter fogo" naqueles locais.

Pessoas sensatas e sem responsabilidades no assunto dizem coisas que é impossível o Senhor Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil não saber: " numa área ardida com esta extensão, aparecerem dois, três ou mais pontos quentes ativos depois de um aumento da intensidade do vento é mais do que normal. Levantar suspeições deste género quando às 8h da manhã já o SEVIRIS registava dois pontos quentes, que foram aumentando em número e no valor da potência radiativa medida ... Uma hora antes da "oficialização" da reativação (depois das 17h), já havia medições acima dos 800 MW".

Pessoas conhecedoras e sem responsabilidades no assunto dizem coisas que é impossível o Senhor Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil não saber: "Felizmente que existe o IPMA (entre outras fontes) para esclarecer as dúvidas do cidadão preocupado e eventualmente contaminado por teorias conspiratórias. As primeiras reativações do novo fôlego do incêndio da serra da Estrela, e que já terá acrescentado mais de 8000 ha à contabilidade anterior (este texto foi publicado por volta das cinco da manhã do dia 16 de Agostoe motiva quase de imediato um comentário irónico: "O super herói dos incendiários consegue passar despercebido em todo o dispositivo montado neste incêndio e meter 3 ignições junto ao queimado, dois no Vale da Amoreira e outro a sul de Videmonte." ), deram-se de manhã cedo (a norte) e à hora do almoço (Vale de Amoreiras). As horas reais terão sido mais cedo, já que um certo limiar de energia tem que ser alcançado para serem detectáveis pelo satélite".

Pessoas sem responsabilidades no assunto, contam histórias (que, evidentemente, não tenho maneira de validar e portanto reproduzo a partir da minha intuição de que, no essencial, retratam bem a situação, mas com a ressalva de que não tenho maneira de verificar cada facto referido) que é possível que o Senhor Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil não saiba, mas cuja responsabilidade de não saber é sua (um militar, brigadeiro general, que se esquece de que quando se perde uma guerra, a responsabilidade é sempre dos generais, nunca dos soldados, é um militar que eu não gostaria de ter como meu comandante): "... eu estive lá. ... Exatamente no setor onde ocorreram as reativações, mas durante as operações de rescaldo e consolidação efetuadas na véspera. E o que vi foi que a validação dos processos não estava a ser efetuada de forma rigorosa. Os segmentos de criação de linhas de segurança efetuados por pessoal apeado não estavam ser executados de acordo com os protocolos de rescaldo estatuídos. Pior, o Comandante de Setor "correu" dali para fora quem "de amarelo" procedia a essas operações, de acordo com as regras, como se de "virus se tratasse". ... As rendições das equipas e brigadas em vigilância não estavam a ser feitas nos segmentos do setor à sua guarda NOS LOCAIS, com passagem de informação de pontos sensíveis ... dando CONSISTÊNCIA E CONTINUIDADE aos trabalhos. Assim, quem estava no terreno saiu e quem chegou começou tudo de novo ... Sobre o facto de ser "estranho" se terem verificado TRÊS reativações em simultâneo, nada de especial se verifica. Durante todo o tempo em que estive na Serra, em rescaldos, patrulhamento e vigilância, fiz monitorização meteorológica em tempo real, digital, e percebi, que sucessivamente, a evolução dos principais fatores no sentido do agravamento determinava mais que uma reativação, mais que duas e mais que três, em pontos distantes, e com exposições muito diferentes, a norte, a este, oeste ou sul, e em altitudes diversas, (até aos 1220 metros) quer nos limites dos trabalhos executados por máquinas de rastos, quer no interface queimado/verde, como dentro da área queimada em ILHAS. Parece-me óbvio que os fatores meteorológicos que espevitaram as lacunas na consolidação, ao ponto de reativar o incêndio, nunca se verificariam num único local já que se fizeram sentir na globalidade da área atingida ...".

O que está em causa não é pendurar num pelourinho este ou aquele responsável por decisões, eventualmente erradas e tomadas sob pressão, o que está em causa é que o responsável máximo pelo nosso sistema de protecção civil, perante uma situação que manifestamente correu mal - e há razões para correr mal que estão fora da nossa capacidade de controlo, como as alterações de condições meteorológicas - prefere inventar teorias de conspiração em vez de partir da hipótese mais plausível e razoável, só porque esta última tem componentes que poderão responsabilizar a organização que comanda: os eventuais erros na consolidação e rescaldo do incêndio, ou os eventuais procedimentos que, podendo não ser classificados como erros, têm uma larga margem de progressão que permita fazer melhor na vez seguinte.

A palermice de sacar das suspeições de fogo posto nas reactivações do incêndio é isso mesmo, uma palermice, quando dita por quase todos os portugueses.

Dita pelo Senhor Presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil, não é uma palermice, é cobardia e irresponsabilidade.


22 comentários

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De JPT a 17.08.2022 às 18:04

Se calhar era melhor ler o post, pois as declarações objecto do mesmo reportam-se às reactivações simultâneas do incêndio dito "extinto" na Serra da Estrela, que só mesmo alguém com limitações cognitivas, de senso comum e/ou convicto da existência de "incendiários direitolas" (os destinatários da declaração do Sr. Presidente da ANEPC, suponho) pode imaginar que provenham de mão humana. É que a área ardida não só se  encontra devastada, intransitável a "civis" e pejada de bombeiros - sendo que já antes do incêndio era praticamente inacessível - como é mais ou menos intuitivo que num incêndio que cobre uma área gigantesca e é "extinto", essencialmente, com recurso a despejo de água por meio aéreos,  dificilmente não se manterão inúmeros pontos quentes isolados que se reacenderão se as condições de vento e/ou de temperatura se mantiverem, ou agravarem, como foi o caso. Em tempo: a cultura de negar problemas e inventar justificações é transversal à nossa cultura - pelo que esse senhor da ANEPC ou o outro do SIRESP não passam de pulgas face a colossos como aquele "ex-futuro consultor" que era suposto prever os efeitos de políticas públicas para o Ministro das Finanças e nem sequer conseguiu prever os efeitos da sua própria contratação, ou o primeiro-ministro que disse que não tinha nada a ver com esse assunto.
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De Carlos Sousa a 17.08.2022 às 22:12

Se calhar é melhor ler o comentário, porque se não houver fogos não há reacendimentos. E só mesmo um anjinho cognitivo é que pensa que não há motivações políticas por detrás destes fogos.
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De Manuel da Rocha a 19.08.2022 às 10:31

Incendiários como o vice-presidente do PSD de Castelo Branco, que, ainda era o presidente da JSD, em 2018, quando foi apanhado com 4 botijas, 1 maçarico e uma mochila cheia de pinhas e palha, que 37 advogados (de 3 gabinetes de Seia, Guarda e Leiria) conseguiram que levasse 3 meses de pena suspensa e 3600 euros de doação a uma entidade de ajuda social? Esses incendiários não existem? 
Uma informação para o Sr. Dr. Henrique pereira: reacendimentos acontecem nos pontos quentes... não a 6300 metros do local onde o fogo foi parado. Ou a 17000 metros (caso de 7 focos que surgiram na região da Vila de Touro, Sabugal, Sortelha, Meimão e Penamacor, no passado domingo, pelas 15:45) Pela sua super inteligência isto foi tudo reacendimentos. Até o incêndio nas Caldas da Rainha, que surgiu em 5 pontos diferentes, com intervalo de 11 minutos, são reacendimentos do fogo de Abrantes, a 21000 metros de distância. 
Já pensou em pedir 60000 milhões de euros e fazer estudos sobre esses reacendimentos. Iria revolucionar a teoria mundial de como um fogo se pode propagar até 27 dias depois de estar extinto (caso de Ourém-Pombal). 
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De JPT a 19.08.2022 às 14:58

O presidente da JSD, em 2018, que é do Porto, andava a atear fogos em Castelo Branco? Ou já era a Margarida Balseiro a acartar com 4 botijas e um maçarico? Há 37 advogados em Castelo Branco? (se calhar percebeu mal quando lhe disseram que "há 37 colegas"). Já que parece que é da Guarda, informo que fui ao Jarmelo (lá acima) no domingo e na segunda, e não vi nenhum desse 7 focos (e vê-se até Almeida, quanto mais até ao Sabugal ou Vila de Toiro). Vi um, na segunda, mesmo ao lado, no vale - que até da Guarda se via - começou à hora do almoço e foi apagado à tardinha, pelos helicópteros, e, de resto, só a fumarada que vinha da Serra da Estrela (graças a Deus foi para Espanha, sem que nem no Torrão cheirasse a fumo). Vou assumir que não é um grande aldrabão, como aquela senhora do IEFP que hoje se demitiu, e que esses incêndios todos de que fala é só Sol a mais e falta de hidratação (com água). Bom fim-de-semana (à sombra, se possível).

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