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O título deste post é a forma depreciativa como muita gente se refere à política de apoio à utilização da bicicleta de Lisboa.
Apesar de facilitar e incentivar o uso de bicicletas em Lisboa ser uma política que, em abstracto, só tem vantagens para todos, as posições sobre o assunto têm vindo a extremar-se.
A origem do problema - o problema é o extremar de posições, não é nem a bicicleta nem o carro, que são meros instrumentos nas nossas mãos - parece relativamente fácil de identificar: o espaço urbano é limitado e circular, seja de que maneira for, obriga a usar o espaço.
Enquanto o espaço disponível é relativamente amplo, não sendo por isso factor limitante, como, por exemplo, na Avenida da República, a competição pelo espaço é relativamente contida e pode ir sendo gerida tecnicamente.
O problema é mais bicudo quando o espaço não chega para todos.
É o que acontece em algumas áreas de qualquer grande cidade e, nessa altura, é preciso fazer opções, beneficiar uns, prejudicando outros, porque o espaço não chega para satisfazer todos.
Ao contrário do que frequentemente se diz, o espaço tem alguma elasticidade: quando se faz um túnel (seja para o Metro, seja para os carros), ou um viaduto, ou quando se usam autocarros de dois andares, ou quando se usam estacionamentos em altura, ou quando se usam aplicações que aumentam o número de passageiros médios de um carro, etc., etc., etc., estamos a aumentar a secção de vazão, isto é, estamos a aumentar a capacidade de um fluxo de gente passar no mesmo local, ou seja, a expandir um espaço que parecia fisicamente limitado.
Só que este tipo de soluções, não só continuam a ter limites físicos (mesmo que sejam outros), como implicam gastar recursos para as pôr em prática.
Se a discussão se mantiver entre a escolha dos carros e das bicicletas (e afins), a discussão tenderá a extremar-se, quer porque os utilizadores compulsivos de carros não reconhecem o direito à segurança e conforto dos ciclistas, na medida em que cada ciclovia que é construída ocupa espaço que poderia ser dos carros, quer porque os ciclistas, partindo de um capital de queixa justificado face à sua fragilidade no confronto com os carros (quando chocam a probabilidade do condutor do carro se magoar a sério é mínima, mas a do ciclista ir para o galheiro é real), organizam-se como minoria militante, moralmente superior porque estão a salvar o mundo (que nunca pediu para ser salvo, mas isso levar-me-ia por um longo desvio ao post) e, frequentemente, deixam de querer reconhecer as razões que levam tanta gente a usar um carro.
Por isso a discussão deveria manter-se na mobilidade das pessoas e bens, é isso que é relevante, reconhecendo-se que quer bicicletas, quer carros, quer transportes públicos, quer deslocação na criação de emprego, são meros instrumentos que deveremos usar em função de cada situação concreta.
É absurdo pensar que as bicicletas vão resolver o problema da mobilidade das cidades (um mês inteiro de bicicletas no Saldanha corresponde a uma hora do Metro, em transporte de pessoas, multiplicar por dez os utilizadores de bicicletas significaria que um mês inteiro corresponderia a um dia do Metro, e nem estou a falar dos outros transportes públicos que passam no Saldanha. E não estou a ter em atenção que talvez um quarto a um terço do movimento de bicicletas seja das empresas de entregas), mas não é razoável pensar que não só são irrelevantes, como que os ciclistas não têm direito a circular com segurança e conforto, havendo alguma obrigação dos poderes públicos se preocuparem permanentemente com os automobilistas, fazendo-lhes estradas, pontes, viadutos e estacionamentos, mas não terem a mesma preocupação para com os peões, cliclistas, utilizadores de transportes públicos, etc..
Andar de carro é um privilégio, não é um direito, ou melhor, andar de carro em horas de ponta, em zonas de elevado condicionamento da mobilidade por compressão do espaço físico, é um privilégio e um luxo, o direito é de poder circular.
Ora circular sem carro, nessas circunstâncias, é facílimo para a generalidade das pessoas (naturalmente é precisa muita atenção aos grupos sociais que precisam mesmo de se deslocar de carro mas, provavelmente, para essa minoria, o espaço até é suficiente).
A mim parece-me bem claro que apenas perdendo o medo de dizer que circular de carro, em hora de ponta, em zonas muito congestionadas, deve ser um privilégio que deve ser pago bem caro, podemos ter uma alternativa à presente situação de conflito social.
Sem surpresa, faço propostas liberais.
O estacionamento deve ser caro, as entidades públicas devem abandonar a mania de ter os carros à porta do poder para transportar rapidamente qualquer membro da elite dominante.
Sim, estou a dizer que não há nenhuma razão para o primeiro ministro ter de entrar e sair de carro de São Bento, da Câmara ter estacionamento no largo do Município, dos ministros terem carros no Terreiro do Paço, eu sei que facilmente se dirá que é demagogia, eu direi que é pôr-se no lugar do outro, daquele para quem se fazem as regras.
Nada impede o primeiro ministro de apanhar um taxi, um uber, o que quiser, para zonas onde estejam estacionados os carros de que precisa para chegar a Alcaravelas, que não é servida por transportes públicos compatíveis com a agenda que o obrigue a ir a Alcaravelas.
E a circulação de carros em algumas horas e lugares deve ser paga.
Para além disso, pode-se sempre mudar a capital do país da Castelo Branco, os comandos militares para Santa Margarida, os Tribunais Superiores para Coimbra e etc., que sempre ajudaria a descongestionar qualquer coisa as principais cidades.
Podem ser opções difíceis, nalguns casos caras, mas sobre as políticas que pretendem fazer o Rossio caber na Betesga, têm pelo menos a vantagem de serem políticas exequíveis.
A dificuldade em construir ciclovias dentro das cidades é um longo preconceito político, que a sociedade automobilística portuguesa quer manter, para que possam continuar a fluir muito acima do permitido por lei. Sim, os portugueses vivem sobrecarregados de preconceitos que diariamente são fabricados para também gerir os espaços públicos.
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