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Choradinho

por henrique pereira dos santos, em 12.12.20

O choradinho é um desporto nacional muito antigo, é natural que esteja muito presente na epidemia.

Não apenas em Portugal, têm estado por toda a parte os apelos emocionados do pessoal da saúde.

Não sei como é nos outros países, mas em Portugal frequentemente o reconhecimento da dedicação de pessoas concretas - detesto as generalizações que atribuem a grandes grupos de pessoas comportamentos condenáveis ou heróicos porque, por definição, em grandes grupos de pessoas há de tudo, como  na botica - resvala rapidamente para o discurso do coitadinho, das horas de trabalho, das condições de trabalho, dos sacrifícios do trabalho, como se não fosse normal um mineiro ter um trabalho duro, um embardiço ter saudades, um padeiro ter a vida que tem ou um actor de teatro ter um horário de vida desfasado dos filhos em idade escolar.

E esse discurso do coitadinho aplicado à epidemia é, frequentemente, usado para me responsabilizar a mim pelas condições de trabalho de terceiros, como se fossem as minhas decisões sobre o Natal da minha família as responsáveis pelas doze ou mais horas seguidas de trabalho em condições extenuantes dos profissionais de saúde, e não as opções de Pedro Nuno Santos andar a brincar aos aviões com o dinheiro dos contribuintes, ou Marta Temido andar a ouvir o hino da Intersindical em vez de trazer os sectores privados para a resposta aos problemas de gestão do sistema de saúde.

É demagogia dizer que os sistemas de saúde devem ser desenhados para continuar a funcionar com toda a normalidade em situações excepcionais, porque não há dinheiro suficiente para manter um sistema preparado para circunstâncias raras e temporalmente limitadas, mas muito exigentes.

Mas não é demagogia nenhuma fazer notar que as condições de trabalho e de remuneração dos profissionais de saúde nessas circunstâncias excepcionais estão fortemente afectadas pela flexibilidade do sistema: se o sistema de saúde dá resposta no limite, e preso por arames, em circunstâncias normais, naturalmente não tem flexibilidade para responder, como maior ou menor sacrifício dos seus profissionais, a situações excepcionais, sem que exija aos seus profissionais sacrifícios também eles excepcionais.

Essa é uma responsabilidade política de quem opta pela apropriação colectivo dos meios de produção em detrimento do investimento no acesso universal aos serviços sociais prestados pelos mais eficientes.

Essa é uma responsabilidade política de quem opta por não deixar falir o BPN pela sua importância sistémica, nunca explicada.

Essa é uma responsabilidade política de quem opta por estoirar o dinheiro dos contribuintes na TAP.

Essa é uma responsabilidade política de quem opta por um mercado de trabalho extraordinariamente rígido e com uma carga fiscal (incluindo as contribuições sociais) absurda.

Essa é uma responsabilidade política de quem recusa as condições de recursos para a prestação de apoios sociais.

Essa é uma responsabilidade política de quem não cria tectos para o pagamento de reformas ou de quem cria esquemas manhosos de atribuição de reformas a pequenas carreiras contributivas.

Comigo não contam para aceitar a responsabilidade sobre as condições, de facto heróicas para alguns, de extrema dedicação para alguns, muito injustas para muitos, que resultam de todas estas opções políticas: não, não é o meu Natal, as minhas reuniões de família e amigos, as minhas deslocações de lazer e trabalho que são responsáveis por garantir capacidade de resposta do sistema de saúde.

É razoável e sensato que me digam para pensar bem de que maneira posso contribuir para gerir uma situação excepcional com o mínimo de custos, sobretudo custos injustos, para terceiros, e tenho toda a disponibilidade para adaptar o meu dia a dia a essa necessidade, mas choradinhos e chantagem emocional não, por favor, isso não é maneira de tratar as pessoas que, de maneira geral, até são bastante razoáveis e sensatas no seu dia a dia.

Eu acho que quando chega o dia das eleições passa-se qualquer coisa na cabeça dos eleitores que os faz perder a razoabilidade e sensatez, votando em Costa ou Marcelo, mas isso é só a minha opinião e, provavelmente, está largamente enviesada pela excelente opinião que tenho de mim próprio, como nos acontece a quase todos.



1 comentário

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De Anónimo a 12.12.2020 às 20:07

Excelente!

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