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Cavar trincheiras

por henrique pereira dos santos, em 29.06.22

Algures pelo fim dos anos 50, em Paris, uma mulher fica grávida.

O homem com quem tem uma relação amorosa intensa pressiona-a fortemente para faça um aborto, a mulher não quer abortar, e as tensões daí resultantes põem seriamente em risco a relação entre os dois, havendo uma séria possibilidade de que a mulher deixe o homem.

É por serem estas as circunstâncias que Jacques Brel diria mais tarde que "Ne me quitte pas" não era uma canção sobre o amor mas sobre a cobardia de um homem.

Quem ouça hoje as discussões sobre o enquadramento legal do aborto estranha a situação descrita.

O aborto sempre existiu e sempre existirá, independentemente do que diga a lei.

Durante muitos anos havia um largo consenso social na classificação do aborto como qualquer coisa negativa em si mesma, e os defensores da descriminalização do aborto centravam o grosso dos seus argumentos nos problemas sociais do aborto clandestino, socialmente muito desiguais, quase unanimemente reconhecidos pelos defensores de um ou de outro enquadramento legal.

A discussão parece hoje estar diferente e opõe duas morais irredutíveis e irreconciliáveis, o que torna tudo socialmente mais difícil.

De um lado, a moral que considera que a vida começa no momento da concepção e, consequentemente, um aborto é um homicídio que deve ser tratado como tal (estou a simplificar, não me macem com as complexidades na formulação deste ponto de vista, que eu sei que existem).

Do outro, a moral que considera que não há vida autónoma antes do nascimento e que, até lá, é tudo corpo da mulher, da sua inteira responsabilidade e em que mais ninguém tem de ter opiniões sobre o assunto (estou a simplificar, não me macem com as complexidades deste ponto de vista, que eu sei que existem).

Vou saltar por cima das situações limite - a miúda que é repetidamente violada pelo pai, o tio, o amigo lá de casa e acaba por engravidar - e dos cenários hipotéticos - quantos processos de paternidade podem ser perdidos por mulheres com o argumento de que o nascimento de uma criança é uma opção exclusiva da mulher, desde que engravida até que a criança nasça - para não sair do que me interessa: o que deve a sociedade fazer perante estas morais irredutíveis e irreconciliáveis e como deve ser o máximo consenso moral possível codificado na lei?

Para os defensores mais radicais - no sentido de ir à raíz - destas duas morais, a solução passa pela lei impôr a todos a sua moral, que consideram indiscutível (direitos humanos, dizem os dois lados, falando de direitos diferentes que se chocam nesta matéria).

Por mim, isto é cavar trincheiras, é fomentar sociedades mais polarizadas, como agora se diz e vou tentar argumentar que há caminho a fazer, se se partir do princípio de que a base pode não ser a moral de cada um tornada universal, mas o respeito pela moral do outro, por maior que sejam as diferenças.

Um mulher pobre, pouco qualificada, com características pessoais comuns, digamos, cabo-verdeana, foge da sua condição miserável, entrando ilegalmente em Portugal e sujeitando-se a todo o tipo de trabalhos que considera compatíveis com a sua dignidade e que lhe permitam resolver as suas necessidades.

Algures, num momento qualquer, engravida.

Não tem recursos, a família está longe, vai perder o seu trabalho e, eventualmente, o direito de residência e trabalho em Portugal, que conseguiu ao fim de alguns anos a fugir das autoridades, se decidir voltar para a sua terra e família, provavelmente para a miséria de que fugiu.

Não me interessa discutir qual é o seu dever moral face à gravidez, nem me interessa muito discutir a sua responsabilidade sobre a situação, o que me interessa é que, pesando tudo, a mulher decide fazer um aborto, independentemente do que esteja escrito na lei.

A pergunta que me interessa é se devemos, como sociedade, considerar criminosa esta mulher e, sobre as dificuldades que já tinha na vida, lançar o sistema penal sobre ela.

Mesmo que partilhasse a moral que considera que a vida começa no momento da concepção, mesmo que considerasse a responsabilidade da mulher na criação da situação em que se viu envolvida, penso que eu não conseguiria condenar uma mulher "em estado de necessidade", tal como aliás acontece em relação aos homicídios, em que o tribunal pesa todas as circunstâncias antes de definir uma pena e ainda existem indultos para casos excepcionais, para não falar da guerra, que aceitamos apesar de ser uma evidente violação do direito à vida para milhares de pessoas.

O mais que me vem à cabeça é o "vai, e não tornes a pecar" bíblico, por mais agnóstico que eu seja, como sou.

Eu sei que definir "estado de necessidade" será sempre difícil e complicado, podendo envolver uma publicitação de circunstâncias num assunto de evidente delicadeza, mas manter esta espécie de guerra civil embrionária entre duas morais - que não se manifestam apenas neste assunto, embora eu reconheça a singular complexidade moral que decorre da discussão de direitos de entidades autónomas, o feto e a mãe (vamos fingir que os pais não são para aqui chamados, aceitando como generalizada a sua cobardia nesta matéria, de que falei acima) - não me parece menos complicado e parece-me muito menos útil.

A mim, um radical de centro em muitas matérias, parece-me que quanto mais a lei se focar no problema social real que se pretende que a lei ajude a resolver, e menos nas morais antagónicas que lhes estão associadas, mais probabilidades temos de ter sociedades melhores para vivermos.

Não sou jurista, mas tenho a intuição de que a lei é, sobretudo, codificação de opções morais (e matemática, acrescentam juristas encartados).

No entanto, quanto mais moralmente enxuta for a lei, procurando os grandes consensos morais e o maior respeito possível pelas diferenças morais de cada um, menos trincheiras estaremos a cavar e mais espaço fica para o chão comum de que precisamos para ter comunidades em que nos reconhecemos.


27 comentários

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De balio a 29.06.2022 às 11:12


O mais que me vem à cabeça é o "vai, e não tornes a pecar" bíblico


Mas, Henrique, é precisamente isso que os opositores do aborto portugueses querem.


Esses opositores do aborto são, predominantemente, católicos, que vêem o juiz como um sucedâneo laico do padre. A mulher que aborta é uma criminosa (= pecadora) que deverá ser julgada (= confessar-se) por um juiz (= padre), o qual, após pesar a gravidade do crime (= pecado) e dos seus atenuantes (= arrependimento), a absolverá (= concederá o perdão).


A esses opositores do aborto não passa pela cabeça pôr a mulher que abortou na prisão. Eles apenas querem que ela se confesse perante um juiz, o qual a absolverá.


É o catolicismo num Estado laico.
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De henrique pereira dos santos a 29.06.2022 às 11:38

Pelos vistos desconheces o contexto do "vai e não tornes a pecar".
Não acredito que se o conhecesses dissesses tanto disparate sobre o assunto.
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De balio a 30.06.2022 às 12:47


É verdade que o meu conhecimento da Bíblia é muito escasso.


Mas eu não disse disparate nenhum. Repetidamente os opositores do aborto em Portugal (que são da estirpe católica, e por isso muito diferentes dos opositores do aborto nos EUA, que são predominantemente de estirpes protestantes) dizem que não querem que as mulheres que abortaram vão para a prisão, querem somente que elas sejam presentes a um juiz que as julgue e, eventualmente, absolva, ou reduza a pena.


Isso é, de facto, um sucedâneo laico da confissão católica. No catolicismo aceita-se que toda a gente peca, mas depois o confissor absolve se a pessoa mostrar arrependimento. O que os opositores do aborto portugueses querem é que um juiz tome o lugar do confessor, e absolva se a mulher exibir razões "válidas" para ter feito o aborto.
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De henrique pereira dos santos a 30.06.2022 às 14:46

Pelos vistos não só desconheces a Bíblia, como o mínimo dos mínimos sobre o mundo em que vives, visto que católicos e protestantes usam esta passagem da Bíblia da mesma maneira.
É que o "vai, e não tornes a pecar" não tem nenhuma relação com os disparates quer do primeiro, quer do segundo dos teus comentários, é o fecho do episódio da mulher adúltera, que queriam lapidar, de acordo com a interpretação que era feita da lei, e a que Jesus respondeu que o que estivesse sem pecado que atirasse a primeira pedra.
Todos se vão e Jesus pergunta à mulher se não ficou ninguém para a condenar. Perante a resposta negativa, diz-lhe que também não a vai julgar, e portanto que se vá e não torne a pecar.
Confundir isto com a interpretação troglodita que fazes do que eu escrevi é de bradar aos Céus.
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De Anónimo a 03.07.2022 às 08:57

Não se admire, HPS, é uma situação cada vez mais frequente nos dias de hoje. O "apagão" feito acintosamente das Culturas, Religiões e Civilizações que deram forma ao mundo Ocidental, tinha de produzir os seus frutos: cada vez há mais Balios.


Já tive a experiência de que há hoje um total desconhecimento de passagens bíblicas lapidares, ou de figuras pagãs da Mitologia e Literatura clássicas que deram origem a tantos temas centrais da pintura e escultura que fazem parte do acervo da História da Arte europeia.  


É aflitivo este desprendimento e falta de apreço generalizado pela nossa própria Cultura. Mas é _sobretudo_ um muito mau sinal (bem sublinhado) se se pensar bem nas consequências que poderão daí advir. Esta laicidade (chamemos-lhe eufemisticamente assim) imposta pelo "tempo novo" pode fazer-nos pagar um preço elevadíssimo por ela. (Conhece o livro "Fahrenheit 451"?)
O Henrique ia ter uma surpresa se colocasse alguns "Leças" em frente a determinadas esculturas ou pinturas (sobretudo pinturas) de um qualquer grande Museu de uma cidade europeia. A ignorância é confrangedora: cresce o número de pessoas tidas como instruídas e civilizadas que não são capazes de fazer a "leitura" do contexto do tema central de um quadro ou de "enquadrar" as personagens em cena (bíblicas ou mitológicas). Na melhor das hipóteses têm apenas uma ideia vaga. Esta enorme perda de "informação" mínima é tão essencial, que sem ela, se retira qualquer hipótese de interpretação correcta e de fruição estética da obra de Arte.  No Museu do Prado aconteceu-me: impressionou-me o facto de algumas pessoas mais jovens ali presentes não saberem o que eram os 7 Pecados Capitais (só para dar um exemplo) e portanto, escapou-lhes por completo o entendimento de alguns quadros do Bosch. (Perdoe-se o prosaísmo, mas ficaram a olhar como boi para palácio!) Em jeito de conclusão, há um retrocesso cultural e civilizacional e parece-me que estamos a produzir brutamontes, em contrapartida muito bem equipados de gadgets. 
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De Anónimo a 03.07.2022 às 09:01

(cont.) Desculpe o comentário despropositado, de tão desviado que foi do tema.
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De Anónimo a 03.07.2022 às 09:20

... e tão irrelevante para a discussão. Faço mea culpa.
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De Anonimo a 29.06.2022 às 11:40


Sou a favor da escolha.
Pessoalmente, nao aceitaria e tentaria ao máximo criar a criança sozinho. Ou então quando confrontado com o facto (sim, que isto de conjecturas vale zero), até o pagava.
Há quem use o dito como método contraceptivo. Acredito que sejam excepções, não se pode legislar em prol dos aldrabões.
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De pitosga a 30.06.2022 às 21:59

Para Anonimo a 29.06.2022 às 11:40

Li isto (procurar o link por uma parte do texto, no google) e sinto que o problema está tranquilamente analisado.

Antisocialists June 27, 2022 12:03 pm

Back in the day, good Catholic girls would disappear for seven months, give or take a few weeks. They went to homes, run by the good Sisters, to give birth to a child and give it up for adoption.

Some did this voluntarily, some were pressured by their parents. All had varying levels of regret.

The women I know who were reunited with their child, a few decades later, said it was the happiest day of their life.

This is not possible with abortion.


Cumprimenta

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De Jorge a 29.06.2022 às 12:03

O problema maior é que o aborto passou a ser usado como método contraceptivo pelas gerações mais novas e supostamente mais bem informadas. Um dos mantra das jovens americanas é que até agora saíam com quem queriam, bebiam o que queriam e deitavam se com quem queriam se grandes preocupações.  No limite recorriam ao aborto. Agora com as inevitáveis limitacoes à lei do aborto, passa a ser inseguro sair á noite.
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De Pedro Oliveira a 29.06.2022 às 12:56

A questão está muito bem colocada.
Sou pela não criminalização do aborto, a senhora oriunda de Cabo Verde do exemplo poderia abortar (sem ser perseguida criminalmente) mas a expensas próprias. As senhoras como as que refere são obrigadas a ter um seguro de saúde para obterem autorização de residência. Deviam ser esses seguros e os hospitais privados a "fazer abortos".
O Sistema Nacional de Saúde deverá estar focado em salvar bebés, em salvar grávidas em promover a vida e não a morte, seja através do aborto ou da eutanásia, sem criminalização mas sem um cêntimo de dinheiros públicos desperdiçados com o "negócio da morte".
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De entulho a 29.06.2022 às 14:30

só engravida quem quer porque existe:
antes, durante, depois
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De Sofia a 29.06.2022 às 18:26

Muitos parabéns pelo post Henrique! Foram colocados todos os pontos importantes da discussão da lei do aborto. Perante as condições e situação que a mulher esteja na vida é importante para a mulher ter o poder de escolha. Claro que o aborto não deve ser visto como um contracetivo, onde se faz o que se quer sem a devida proteção e responsabilidade.
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De Octávio dos Santos a 30.06.2022 às 12:40

«É importante para a mulher ter o poder de escolha».


A mulher (grávida) não deve ter exclusivo poder de escolha relativamente a algo - um bebé, uma criança, um ser vivo, uma pessoa - que não é «propriedade» (exclusiva) dela.


«O aborto não deve ser visto como um contracePtivo, onde se faz o que se quer sem a devida proteCção e responsabilidade.»



Não deve ser... e, no entanto, e infelizmente, é exactamente isso que acontece em muitos casos.
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De Sofia a 30.06.2022 às 13:07

Eu como mulher não concordo que não deve ser feito, como um contraceptivo banal! Nada disso. O que não concordo é que seja proibido radicalmente. Há muitas situações na vida da mulher, que infelizmente tenha de fazer essa escolha e tenha tido todos os cuidados. E a sua legalização também impede, que sapateiros façam abortos clandestinos sem as devidas condições e se encham de dinheiro.
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De maria a 29.06.2022 às 19:33

1 - Vejamos o caso brasileiro a menina tinha 11 anos, o bébé tinha 7 meses e estava todo formado. A juíza proporcionava-lhe todas as condições.
a- O aborto Não é crime?
b- Morto à nascença é crime?
2 - Conheci um caso Católicos, ela doméstica e ele serralheiro, viveram num quarto muitos anos, sempre pobres e tiveram 4 filhos; 2 são médicos e 2 são engenheiros. Após as formaturas ajudaram os Pais e vivem todos bem.
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De Luís MIguel Sebastião a 29.06.2022 às 20:07

Henrique, a questão da discussão sobre a legalização do aborto tem menos quer ver com a "culpa" de quem aborta do que com a "bondade ou maldade" o acto. Há muitos anos que na melhor tradição católica se sabe que se devem condenar os actos e náo julgar os actores, porque ninguém sabe em rigor quem age "em estado de necessidade" como tu dizes. Por isso acho que a maior parte das pessoas é pela  descriminalização do aborto
O que eu acho interessante é que a enorme maioria das pessoas que é a favor da liberalização do aborto diz que o aborto é uma coisa má, que deixa marcas em quem o faz, que é o último recurso, etc. O La Rochefoucaud dizia que a hipocrisia é o tributo que o vício paga à virtude. Se o aborto é em si mau, (pelo menos a imensas maioria das pessoas diz que não é a favor do aborto) então porque se legitima? Se liberaliza? Se patrocina com dinheiros públicos?
Apenas porque se faz? A lei serve para legitimar o que se faz porque se faz, ou para indicar os caminhos do que se deve fazer?
Há, do meu fraco ponto de vista, um equívoco nos liberais contemporâneos e urbanitas: esquecem-se que a defesa da liberdade negativa (o Estado que não meta na minha vida) vai a par com o reconhecimento da comunidade, do "settlement", como regulador da vida comunitária. Não significa exigir que o estado cumpra, com o dinheiro de todos, os meus caprichos individuais: do aborto à eutanásia e à mudança de sexo. 
E para dirimir a questão do aborto, a única solução não é pura e simplesmente abdicar que condenar o acto só para não parecer um redneck iletrado e grunho
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De henrique pereira dos santos a 30.06.2022 às 07:13

Não me parece que seja útil chamar caprichos ao que chamas
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De Anónimo a 30.06.2022 às 07:58

Concedo que a expressão capricho é desadequada. Quis só enfatizar a ideia de que os interesses/desejos/determinações individuais de vontade não geram, por si só, deveres na comunidade ou são critérios de bem, de belo, ou de verdade.
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De henrique pereira dos santos a 30.06.2022 às 14:11

O post é exactamente sobre o facto da a lei não ser o sítio adequado para a discussão dos critérios de bem, belo ou verdade.
A lei deve limitar-se, tanto quanto possível, à codificação do que a sociedade, de forma alargada, considera bem, beleza ou verdade, deixando a maior margem possível para que cada pessoa viva de acordo com o que considera bem, beleza e verdade.
Por isso me parece que a lei se deve debruçar sobre os aspectos em que o enquadramento legal pode ajudar a resolver problemas sociais, e não sobre as definições de bem, beleza ou verdade.
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De Salvador Andrade a 30.06.2022 às 07:28

Um post que revela uma moral utilitarista a troco de não querer optar por outra moral.
Neste tema as nossas escolhas têm sempre um código moral por trás, mesmo que não o queiramos 
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De henrique pereira dos santos a 30.06.2022 às 14:13

Obrigado por concordar comigo.
Exactamente porque o que está em causa são códigos morais é que a lei se deve cingir à solução que melhor permite a convivência pacífica e saudável de toda a gente, e não à definição da moral perfeita.
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De Anónimo 78 a 30.06.2022 às 13:07

E um facto que se cavaram trincheiras. Porque sou velho lembro-me do antigamente em que nenhuma mulher era condenada por ter abortado. Em muito raros casos, uma levíssima pena suspensa. Eram apenas condenados os que praticavam os abortos clandestinos e isso também pelos fortes interesses corporativos da Ordem dos Médicos.
Num dado ano, salvo erro em Setúbal, quando se julgava um desses casos, activistas encenaram uma manifestação à porta do Tribunal. O charivari foi tal, com a cobertura dos jornais, que pela primeira vez houve uma condenação.
Isto tem de ser escalpelizado o que o post, no resto certeiríssimo, não faz.
Há pessoas e organizações que querem destruir a civilização que temos, a moral cristã e a democracia liberal, em nome de um futuro e de um homem novo. Essas pessoas e essas organizações utilizam causas fracturantes, não porque por elas se interessem mas fundamentalmente porque são uma táctica eficaz para enfraquecer a sociedade.
Olhemos para o aborto e para a defesa do interesse da mulher.
Uma mulher nos trintas adiantados passara anos a tentar engravidar. Depois de mais uma série de tratamentos conseguiu e, quando estava ultrapassada a barreira dos 4 meses, atreveu-se a contar à família. Poucos dias depois sofreu um aborto expontâneo com fortes complicações que a levaram ao internamento hospitalar. Já nos cuidados intermédios, referiu ao médico que não tinha coragem de encarar a família e precisava de falar com alguém. O médico informou-a que se fosse uma IVG já tinha sido acompanhada por um psicólogo mas que no seu caso o protocolo não o previa. Mais, que o mesmo protocolo não permitia a visita de médicos particulares.
Neste caso, por onde andava o activismo?
Já comentei neste espaço sobre o Roe vs. Wade em
https://corta-fitas.blogs.sapo.pt/empresas-a-patrocinar-abortos-7683435?thread=37998699#t37998699

O que estou a assistir nos EUA é mais do mesmo. Manifestações enormes e por vezes violentas que, racionalmente e "de facto" atacam a separação de poderes e o federalismo a pretexto do aborto. E nada altera que, nessas manifestações, 90 ou mesmo 98% dos participantes esteja de boa fé e apenas motivados pelo aborto.
As trincheiras já aí estão, embora nem todos as vejam. Sobretudo os que tendem a olhar para cima, onde não as encontram. Mas elas estão aí e eu sei de que lado tenho de estar. Embora, com enorme pesar o confesso, quando a UE se prepara para impedir a excusa de consciência de médicos e enfermeiros, sinto que estou numa nova guerra da Guiné.
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De henrique pereira dos santos a 30.06.2022 às 14:49

O facto de não haver, ou praticamente não haver, condenações de mulheres por aborto não significa que não existisse um problema sério de mulheres que morriam ou ficavam com sequelas evitáveis por fazerem abortos nas condições miseráveis a que tinham acesso, largamente potenciadas pelo facto de ser ilegal.
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De Anónimo 78 a 30.06.2022 às 15:55

O que lhe parece que eu quis dizer no único ponto do comentário a que entendeu responder?
a) Que tudo estava bem porque não haviam condenações.
b) Que um "status quo" - insatisfatório que fosse - foi agravado "de facto" pelo activismo.
Permito-me chamar-lhe a atenção que a manifestação não foi em S. Bento, onde se legislava e governava mas à porta do Tribunal, onde se aplicava a lei.. Não me parece difícil de apreender.
Tal como as manifestações nos EUA - muito maioritariamente - não visam pressionar a Câmara dos Representantes nem o Senado mas atacar e denegrir os juízes do Supremo Tribunal. Com o clímax de Barbara Streisand lhes chamar os talibãs dos EUA, com o deleite de importante parte dos "media".

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