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Carta aberta ao Senhor Provedor do jornal Público
O Público de 9 de Fevereiro de 2021 tem uma chamada de primeira página “Descida rápida do número de casos deve-se ao fecho das escolas”.
Na sua página 6, os jornalistas Filipa Almeida Mendes e Rui Barros escrevem: “A descida verificada, ao longo dos últimos dias, no número de novos casos diários de infecção pelo novo coronavírus em Portugal está relacionado com a implementação de um confinamento mais rigoroso e, especialmente, com o encerramento das escolas”.
Mais à frente, na mesma peça, citam Carlos Antunes: “Conseguimos identificar uma relação causa-efeito entre o fecho das escolas e uma desaceleração rápida … verificamos que houve uma ligeira desaceleração [dos contágios] seis a sete dias depois do início do confinamento e observamos que cerca de oito dias depois do fecho das escolas houve um reforço desta desaceleração”.
Vamos então à demonstração de que os jornalistas não fizeram o seu trabalho base - verificar factos – o que inevitavelmente os leva a propagar informação errada com impacto social relevante sobre a vida de milhares de pessoas pesadamente prejudicadas com o fecho das escolas.
Comecemos pela correcção do parêntesis recto introduzido pelos jornalistas nas declarações de Carlos Antunes, e que é muito relevante para a compreensão de toda a peça: Carlos Antunes não pode estar a falar de uma “ligeira desaceleração [dos contágios]” mas sim dos casos. A importância desta correcção é que os contágios antecedem os casos num número de dias variável, mas com forte concentração em torno dos cinco dias.
Para além deste aspecto que revela uma preocupante falta de rigor dos jornalistas na compreensão do que está em causa, o primeiro ponto para que gostaria de lhe chamar a atenção é que o Público faz uma chamada de primeiro página e uma peça assente em declarações de uma pessoa, por mais qualificada que seja, e eu acho que é, sem verificar a factualidade dessas declarações.
Esta falta de cumprimento das regras básicas do jornalismo é especialmente incompreensível quando as declarações de Carlos Antunes remetem sistematicamente para os seus modelos matemáticos que, no último mês, falharam rotundamente todas previsões que fizeram, prevendo, por exemplo, mais do dobro de casos dos que realmente se verificaram e menos de metade das mortes diárias, sem que os seus responsáveis, até hoje, se tenham dignado explicar as razões desse total desacerto entre previsões e realidade. Os modelos falharem é normal, o que não é normal é falharem com esta dimensão e os seus responsáveis não conseguirem identificar o que falhou.
A própria peça refere a surpresa dos números verificados face ao que os tais modelos matemáticos previam.
Nestas circunstâncias, mais que regras básicas de jornalismo, mandaria o bom senso que o Público escrutinasse com especial empenho os tais modelos matemáticos que têm servido para influenciar decisões de políticas públicas que implicam fortes compressões de direitos individuais, em vez de tomar as afirmações de Carlos Antunes como dispensando a verificação dos factos.
Nesta epidemia, os contágios dão-se num determinado momento, que se reflecte nos sintomas mais ou menos três a cinco dias depois, o que implica que as pessoas façam testes mais ou menos entre cinco e sete dias depois do contágio, sendo ainda necessário tempo para saber o resultado, o registar e ser publicado nos relatórios da DGS.
Como as medidas actuam sobre os contágios, uma medida como o fecho de escolas não é visível, de forma relevante, nos números de casos diários antes de nove a dez dias, na melhor das hipóteses, razão pela qual sempre, durante toda a epidemia até aos últimos dias, se considerou que eram precisos pelo menos 15 dias para avaliar os efeitos das medidas.
Pode-se admitir que seja um pouco menos, doze a catorze dias, mas nunca, em nenhum momento, se admitiu que oito dias eram suficientes para que uma medida como o fecho de escolas (cujos efeitos dos primeiros dias no contágio, de resto, seriam com certeza contrabalançados por umas eleições presidenciais que multiplicaram os contactos no dia 24 de Janeiro), se reflectir de forma relevante, no número de casos, ao fim de oito dias.
Se dúvidas houvesse – em qualquer caso estranha-se que os jornalistas não queiram saber por que razão sempre se falou em quinze dias e agora, de repente, se fala em oito dias entre medidas e efeito – os jornalistas têm fontes de informação públicas e disponíveis através de um clique, que lhes permitem verificar os factos.
O Instituto Ricardo Jorge publica todas as semanas um relatório sobre o andamento da curva epidémica e da transmissibilidade, o último dos quais é de 5 de Fevereiro.
Nesse relatório, que recoloca os casos em função da data dos sintomas e, portanto, sugere um pico de casos (não de contágios, que é ainda cinco dias antes) anterior ao fecho de escolas, não se confirma qualquer relação entre o fecho de escolas e uma aceleração da queda no número de casos.
Mesmo que os jornalistas queiram esperar pelo relatório do dia 12, para confirmar quando ocorreu o pico de casos, há uma coisa evidente: a queda brusca do R(t), isto é, da “velocidade” a que ocorrem os contágios, ocorre a 18 de Janeiro, não havendo nenhuma alteração relevante da inclinação da curva do R(t) a 22.
Esquecendo que 22 é uma Sexta-feira, e que no Domingo seguinte houve eleições, se o fecho de escolas tivesse tido um efeito relevante na diminuição de contágios, como pretende Carlos Antunes e, o que é mais grave, repete o Público sem qualquer verificação dos factos, isso teria reflexo na curva de evolução do R(t).
A verdade é que nem o gráfico que o Público usa na peça confirma a ideia de uma ligeira desaceleração seguida de uma desaceleração acentuada oito dias após o fecho das escolas.
Uma coisa é o Público achar que apoiar uma evidente campanha pelo fecho de escolas faz parte do esforço patriótico de controlo da epidemia – eu acho que tem é de dar informação, mas isso é irrelevante – outra, completamente diferente e muito grave, é achar que o pode fazer publicando informação não verificada pelo uso das regras básicas do jornalismo.
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2021
Ora se o tal Antunes disse que, “5 ou 6 dias depois do confinamento, houve um ligeira desaceleração de casos” e o jornal, na notícia, deturpou para "ligeira desaceleração de contágios", então, se não estavam a dar informação errada, o que estavam a fazer?
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