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Carta a João Miguel Tavares

por Maria Teixeira Alves, em 27.08.16

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O artigo do João Miguel Tavares (que é uma pessoa com quem costumo concordar, isto é, de um campo ideológico de que me sinto próxima) começa logo com uma generalidade (que encerra um erro). 

"Caros jornalistas das secções e dos jornais de economia: há muito que estou para vos escrever uma carta aberta, e no dia em que chegou a conta de mais 5160 milhões, agora para a Caixa Geral de Depósitos, achei que não podia continuar a adiá-la".

Ora os 5.160 milhões não são "mais". Porque destes, os 960 milhões de euros em CoCos já tinham sido em 2012, a conversão em capital não reforça os fundos próprios da CGD. Os 500 milhões da ParCaixa também eram um aumento de capital da CGD "encapotado" de antes, já lá estavam 50% e agora vão os outros 50%.

"Mais" mesmo será o aumento de capital de que não se conhece o número, apenas o tecto máximo de 2.700 milhões. As obrigações subordinadas são para colocar em investidores institucionais e não aumentam o capital core, que é o que é preciso aumentar em termos regulatórios, parece-me ser uma contrapartida exigida por Bruxelas para aprovar o aumento de capital na CGD considerando-o uma operação em condições de mercado, o que evita ir ao défice (mas não à dívida).

Portanto o capital (fundo próprios) só vai mesmo aumentar em 3,2 mil milhões no máximo. Digo no máximo, porque o valor exacto do aumento de capital em dinheiro depende da auditoria externa à carteira de crédito e outros activos.

Dito isto, passemos à resposta do João Miguel Tavares à carta que escreve no Público aos jornalistas de economia (mesmo sendo eu dos jornalistas que não beneficiou com a crise porque deu-se o azar de me calhar a Ongoing como accionista em 2008 com tudo o que isso implicou). 

Pergunta o João Miguel Tavares, numa espécie de pergunta de retórica: Por que raio andaram tão distraídos ao longo dos últimos anos? Por que é que, antes do BES, do Banif e da Caixa, garantiam que o sistema financeiro continuava sólido como uma rocha, tirando o azar do BPN e do BPP, mais uns problemazitos no BCP? Há aqui uma história para vocês, jornalistas de economia, contarem, e que eu nunca vi contada. O parêntesis mais dramático do jornalismo económico nacional — aquele que dizia “a crise no GES (não no BES)” — estendeu-se a praticamente todos os bancos. Expliquem-nos, por favor: porque é que não soubemos antes? Por que é que vocês, que percebem disto à brava, não nos avisaram?

Porque João Miguel Tavares aquilo que consome o capital dos bancos hoje não era o que consumia antes de 2008. As regras contabilísticas foram mudando até chegar a Basileia III. Por exemplo, sabe que a razão porque a CGD, o BCP e o BPI precisaram de CoCo´s foi porque um dia a Autoridade Bancária Europeia decidiu que as obrigações soberanas em carteira (aquelas que um par de anos antes o sistema levou os bancos a reforçarem em força porque era o colateral que lhes permitia ter financiamento no BCE - o MMI fechou-se pós falência do Lehman Brothers) tinham de ser contabilizadas ao mark-to-market (valor de mercado)? Numa altura em que o risco das obrigações nacionais era elevado. Isso abriu um buraco no capital dos bancos, de um dia para o outro, sem que os bancos tivessem feito alguma coisa para isso. Sabe que a maioria dos gaps de capital são imposições regulatórias? A União Bancária é óptima porque divorcia o risco dos bancos do risco soberano, mas a um preço muito alto. 

Obviamente que se um banco tem accionistas ricos esse problema é mitigado porque alguém põe o dinheiro, mas Portugal, graças ao PREC, deixou de ter capitalistas, logo deixou de ter capitais. Demora gerações a ter capital, ou então o país tem a sorte de ter commodities.

Há dez anos atrás não havia almofadas de capital para risco sistémico, almofadas de capital para carteiras de crédito em risco. Penso que até nem havia o rácio do Banco de Portugal de crédito em risco. O rácio era crédito em incumprimento há mais de 90 dias. Não havia ponderações a 100% da exposição a Angola. Não havia ponderadores de risco reforçado para créditos com colaterais em acções. Também é certo que não havia DTAs (activos por impostos diferidos) para ajudar.

Na altura as provisões eram as obrigatórias para crédito e as outras eram almofadas voluntárias que os bancos constituiam para semestres dificeis.

Sobre os casos específicos de que fala o João Miguel Tavares: sobre o BPN se alguém denunciou foi a imprensa, penso que o caso do artigo sobre o banco do Oliveira e Costa chegou mesmo a tribunal. Sobre o Banif o que se sabia era de denúncias sem documentos (quem se atravessa a escrever informações não demonstráveis?). E mesmo assim muita coisa foi escrita (veja-se o caso de Angola/Banif). O Banif Brasil foi várias vezes notícia.

Quanto ao BES/GES se me conseguir explicar como é que os jornalistas conseguiam descobrir os balanços secretos da ESI, uma SGPS sediada no Luxemburgo, onde o verdadeiro passivo estava num excel alegadamente feito pelo presidente do BES, se nem as autoridades do Luxemburgo descobriram. 

Mas se for lá ver a imprensa da altura havia muita gente a falar do crédito para comprar acções e com acções como garantia. Eu até um livro escrevi sobre o assunto quando o BCP foi tomado de assalto pelo grupo dos aliados para travar OPAs incómodas. O João Miguel tem razão, na altura ninguém ligava nenhuma às notícias de economia por isso é que agora dizem estas coisas que o João diz. Quando diz "ainda sou do tempo em que as pessoas liam os jornais sem ligar patavina às páginas de economia". É caso para se dizer: Nota-se!

 


22 comentários

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De carlão a 27.08.2016 às 23:25

A direita a atacar a direita.
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De Anónimo a 28.08.2016 às 06:11

Ah, traduzindo, a esquerda não critica a esquerda. Pois não!
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De carlão a 28.08.2016 às 11:02

Liberdade sempre! Já lá vai o tempo da ditadura fascista, por muito que isso lhe custe!
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De Anónimo a 28.08.2016 às 11:28

Nem tentam! Até porque, e como diz o outro tosco e entufado sujeito: - Quem se mete com o PS leva - .
Mesmo que não queiramos acabamos por fugir ... Safa!
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De carlão a 28.08.2016 às 14:27

Não fossem os combates travados pelo PS a favor da liberdade, você nem falava, sequer.
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De Costa a 29.08.2016 às 15:23

Conheci esses combates, Carlão. A Fonte Luminosa, a manifestação frente ao República, o debate com Cunhal. Até, num patamar bem inferior, a luta nos liceus contra a ditadura da UEC. Você, Carlão, onde estava esses tempos? Já existia?

Tudo isso torna repugnante para lá do suportável, ver o PS fazer tudo, mesmo o impensável, para alcançar e manter o poder. Até aceitar colocar-se sob a tutela de um bando de meninos mimados utópicos, a quem nunca nada faltou, e de uma agremiação que vê no PS o paradigma da traição e que se chegasse um dia ao poder (se chegar...) acabava com o PS no minuto seguinte. 

Depois do delírio socretino, isto. Pobre PS... ou antes, que é o que interessa, pobres de nós. Mas para si, Carlão, está muito bem assim. Na mais genuína tradição, aliás, do republicanismo português.

Costa
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De carlão a 29.08.2016 às 18:39

É mesmo, lembro-me de Mário Soares concordar em tudo com Cunhal naquele debate do "olhe que não, olhe que não"; via-se que eram ambos fãs do mais ortodoxo comunismo soviético.
Sim, também me parece bem visto considerar que o PS está sob tutela da esquerda marxista, só assim se compreende que o governo já tenha tudo pronto  para romper com o euro, sair da UE e da NATO, esses bandidos. Estou curioso para ver como serão as novas notas e moedas.
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De Costa a 30.08.2016 às 10:43

Homem, sustenha a sua vaidade. Preclaro como por aqui nos queira surgir, temo que não tenham a sua cara. Mas seria curioso: "quanto custa este pão?", "dez milhões de carlões".


Costa. 


Ps.: e resista a reescrever a história, mesmo que queira ser irónico. Mas uma coisa lhe digo: que M. Soares e o PS foram e são imbatíveis a proteger os seus, custe o que custar, isso é indesmentível. Aliás, bem o sabemos e nunca foi negado quem se mete com o PS... É isso e o gosto em malhar na direita... Uma espécie de direito divino (embora sejam todos laicos, pois claro!) ao poder. Uma posição acima da lei (que como se sabe é para os outros, pois para os nossos tudo e para os nossos inimigos nada). E uma educação irrepreensível, comovente mesmo. 
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De carlão a 30.08.2016 às 20:25

É mesmo! O PS é que protege os meus, aqueles patifes da função pública. Era cortá-los em fatias. Mais os pensionistas, esses parasitas que prejudicam os jovens.
E sim, sinto-me acima da lei, sempre que me apetece passo à porta da eb 2,3 daqui e fico com os telemóveis dos garotos, só por prazer. 


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De Costa a 31.08.2016 às 10:54

Ah! Então é você... E também lhes fica com as mochilas e os "ténis" de marca, é isso? Não... você há-de fazer isso é junto dos colégios com contrato, para castigar os parasitas dos dinheiros públicos. E é muito bem feito!


Carlão, o Robin do Ministério da Educação!


Costa 
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De carlão a 31.08.2016 às 13:07

Como não me lembrei disso antes??
Mas vou poupar os professores, já lhes basta serem explorados pela prepotência e a insensibilidade dos diretores para quem a escola é como uma empresa.
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De Costa a 01.09.2016 às 00:38

Vê? Já me deve mais uma causazita quase-fracturante com que se ocupar. Quem é amigo, quem é?


Costa
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De carlão a 01.09.2016 às 09:49

É, para quem está bem na vida, é fácil gozar com pessoas que trabalham sob pressões inaceitáveis e são exploradas por diretores prepotentes e ditatoriais.
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De Anónimo a 01.09.2016 às 15:04

Bom, graças a si descobri que sou um capitalista, milionário, explorado sem escrúpulos. Se o meu patrão sabe, ainda me corta no salário...


E você, um mártir da sociedade, seguramente... Em todo o caso, sempre moralmente acima de quem ouse pensarvde forma diferente.


Costa
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De carlão a 02.09.2016 às 09:26

Desculpe lá se lhe interrompi a leitura do Diabo.
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De Costa a 02.09.2016 às 15:18

Acima, queria ter escrito "explorador" (e da pior espécie!). E aquele "v" está evidentemente a mais. É no que dá escrever, rico capitalista, com verdadeira raiva do povo e intenso ódio à liberdade...





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De Anónimo a 28.08.2016 às 10:12

Comentário apagado.
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De comunista a 28.08.2016 às 12:08

Que confusão nessa cabeça! Hitler era fascista!
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De Anónimo a 28.08.2016 às 13:42

E o Carlão calado como um rato!
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De António Maria a 28.08.2016 às 08:06

Em 2001, se não estou em erro,  o Camilo Lourenço foi despedido da Exame por publicar um texto sobre o BPN.
Quanto ao Nicolaço, não é, nem nunca foi uma referência no jornalismo, muito menos económico.  Manda umas bocas armado em Keynesiano e mais nada.
Desde o episódio Baptista da Silva perdeu toda a credibilidade.
O grupo Expresso no que rspeita a economia deixa muito a desejar. Lembram-se da publicidade ao grupo Prebuild do Gama Leão?
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De cristof a 28.08.2016 às 15:52

Obrigado pelas suas explicações. Mas alguma sensibilidade deve ter havido pelos "congressos e viagens" que o DDT dedicava aos srs jornalistas. Não era só o Moedas que ele achava que deveria começar a trabalhar
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De Maria Teixeira Alves a 28.08.2016 às 23:39

Todos os jornalistas viajam e continuam a viajar a convite de empresas para escrever sobre os assuntos anunciados fora de Portugal. Isso não tem nada a ver com suborno.
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De cristof a 29.08.2016 às 02:02

Interrogamo-nos com frequência, com a "falta " de objectividade dos media.
Será só? culpa do acaso o declínio dos media?

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