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Uma interessante análise de Eça de Queiroz sobre o pensamento político do seu amigo Ramalho Ortigão. Intelectual céptico e crítico, Ramalho jamais aderiu ao republicanismo, aliás, um sentido convergente ao pensamento de Oliveira Martins e de Antero de Quental. Mesmo Eça, cuja apologia do positivismo dominou nas primeiras obras, evoluiria para uma igual descerença nas revoluções. Nestas linhas, o autor ainda está longe de conhecer a evolução política no século XX, pois que seria importante acrescer o amadurecimento intelectual de Ramalho que testemunha a crise da Primeira República e o nascimento do Integralismo Lusitano que subscreve em "Carta de um Velho a um Novo", em resposta ao jovem amigo João do Amaral, então convertido à monarquia. Igualmente monárquica despontará a geração desencantada com a república como António Sardinha, Homem Cristo Filho e Alfredo Pimenta.
"Em Política, tem-se dito que Ramalho Ortigão é republicano. Nada menos exacto. Ramalho, creio, teme a república, tal qual é tramada nos Clubes amadores de Lisboa e Porto. A república, em verdade, feita primeiro pelos partidos constitucionais dissidentes, e refeita depois pelos partidos jacobinos, que tendo vivido fora do poder e do seu maquinismo, a tomam como carreira, seria em Portugal uma balbúrdia sanguinolenta. (...) O que Ramalho mais tem odiado e invectivado na política é a retórica: é o que o exaspera no Constitucionalismo: e a prodigiosa caricatura que tem feito da retórica parlamentar, da retórica ministerial, da retórica régia, da retórica burocrática, é que lhe tem dado a fama republicana. Não penso porém que ele fosse hostil ao sistema, se o sistema não tivesse um tão desordenado fluxo labial. Se o sistema trabalhasse praticamente, em lugar de perorar com furor, estou convencido que Ramalho não o importunaria (...). Se Ramalho tem guerreado a retórica conservadora, não tem poupado a retórica democrática, que não é em Portugal menos nociva: é a sua vaga fraseológica idealista, que mantém tanto moço estimável num humanitarismo enevoado e sentimental, em que aspiram a ver toda a Europa livre, sem pauperismo, sem guerra e sem prostituição, sentando-se em banquetes fraternais, presidido pelos génios (...) É ainda a remota influência deste lirismo democrático que faz dizer aos conservadores de cinquenta anos, com o sorriso melancólico de quem fala em amores defuntos: - Ah a República é uma bem formosa quimera!"
(in, Eça de Queiroz, "Notas Contemporâneas" , 'Ramalho Ortigão (Carta a Joaquim de Araújo)', 3º Edição, 1920, Porto, Livraria Chardron de Lelo e Irmão, Lda.)
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