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Não interessa muito a substância (nem o facto de ter na minha mão dois documentos oficiais da mesma instituição que dizem coisas materialmente contraditórias sem que eu possa responsabilizar quem produziu o que está errado, visto que um deles estará forçosamente errado), mas vou tentar usar um caso concreto, passado comigo, para lhe explicar por que razão acho que a tarefa que lhe entregaram, em grande medida, "é sempre um esforço inútil, um vôo cego a nada", como diria o Reinaldo Ferreira.
Ao abrigo dos art.º 121 e seguintes do Código do Procedimento Administrativo, que dizem respeito à audiência prévia dos interessados sobre a proposta de decisão que se propõe que seja tomada, uma instituição pública manda-me o projecto de decisão que pretende tomar.
Vamos esquecer tudo o resto no processo que não cumpre código do procedimento administrativo, e concentremo-nos num aspecto concreto.
Discordando eu da decisão a tomar pelo organismo público, quer materialmente, quer em questões de direito, quer por falta de fundamentação legal de algumas opções tomadas pelos decisores, apresentei, naturalmente, uma contestação à decisão.
Aceitar ou não os meus argumentos é, em si, um acto administrativo, portanto, naturalmente, tem de cumprir o art.º 152 do mesmo código administrativo, que cito (quase, o número 2 do artigo não interessa para aqui) integralmente "Artigo 152.º Dever de fundamentação 1 - Para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os atos administrativos que, total ou parcialmente: a) Neguem, extingam, restrinjam ou afetem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos, ónus, sujeições ou sanções; b) Decidam reclamação ou recurso; c) Decidam em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado, ou de parecer, informação ou proposta oficial; d) Decidam de modo diferente da prática habitualmente seguida na resolução de casos semelhantes, ou na interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou preceitos legais; e) Impliquem declaração de nulidade, anulação, revogação, modificação ou suspensão de ato administrativo anterior".
Acontece que a resposta aos meus argumentos (assinale-se a rapidez, apenas meia dúzia de horas depois de entregue a minha contestação ao projecto de decisão), que incluíam questões materiais e de direito, para além de falta de fundamentação legal para opções do decisor, é um parágrafo padrão usado amplamente na administração pública na resposta à audição dos interessados a que a lei obriga: "Analisada a resposta do interessado na sequência da audiência prévia, verifica-se manterem-se válidos os fundamentos nela aduzidos e que servem de base ao indeferimento do pedido de aposentação, nos termos em que foi requerida".
Para que não haja dúvidas, transcrevo agora o artigo seguinte, sobre os requisitos da fundamentação "Artigo 153.º
Requisitos da fundamentação 1 - A fundamentação deve ser expressa, através de sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito da decisão, podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, que constituem, neste caso, parte integrante do respetivo ato. 2 - Equivale à falta de fundamentação a adoção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareçam concretamente a motivação do ato. 3 - Na resolução de assuntos da mesma natureza, pode utilizar-se qualquer meio mecânico que reproduza os fundamentos das decisões, desde que tal não envolva diminuição das garantias dos interessados".
É evidente que os funcionários e dirigentes responsáveis pelo acto administrativo acham que repetir o parágrafo que citei acima cumpre o número 1 do artigo por acharem que a resposta à minha contestação pode ser uma "mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres", esquecendo que o artigo anterior é clarinho, clarinho a dizer que a decisão "em contrário de pretensão ou oposição formulada por interessado" obriga a fundamentação nos termos referidos, não sendo válida se essa fundamentação for obscura, contraditória ou insuficiente, o que é manifestamente o caso da fundamentação, que citei, para decidir que os meus argumentos de oposição à decisão não são procedentes.
Peço desculpa por esta longa introdução que me permite perguntar-lhe o seguinte: imaginemos que eu tenho razão, imaginemos que por recurso hierárquico (improvável porque a hierarquia vai proteger os seus funcionários), por decisão do tribunal administrativo (longa e cara, frequentemente chegando fora de tempo) ou intervenção da provedoria de justiça (barata, mas igualmente demorada, até porque os serviços não têm o devido respeito pelos pedidos da provedoria de justiça) se acaba por demonstrar que realmente não é aceitável que uma oposição a uma decisão seja tratada de forma a que, na prática, o Código do Procedimento Administrativo não é cumprido (como, aliás, é habitual na administração pública, o Código do Procedimento Administrativo é desconhecido para a larga maioria dos funcionários que moldam as decisões da administração com os seus pareceres), quem e como se responsabilizam os responsáveis pela violação do Código do Procedimento Administrativo?
A resposta certa é que ninguém vai ser responsabilizado e isso é, provavelmente, o maior cancro da administração pública, a incapacidade de responsabilizar os funcionários e dirigentes intermédios pelo incumprimento da lei.
Eu sei que se um PDM diz que não se pode construir e eu autorizar uma construção, há possibilidade de imputar responsabilidades, eu sei que se a lei disser que eu não posso ficar com dinheiro do Estado mas eu o desviar para uma conta minha, há possibilidade de imputar responsabilidades, não é esse o grande problema da administração, o grande problema é a irresponsabilidade nas pequenas decisões quotidianas que milhares de funcionários influenciam, com impactos reais (pequenos ou grandes) na vida de milhares de pessoas e instituições.
Tenho uma sugestão a fazer-lhe que não me parece excessivamente complicada, é apenas uma adaptação da parte sancionatória do código da estrada ao código do procedimento administrativo.
Cada acto administrativo deve ser tratado como a condução de carro qualquer.
O responsável é o condutor, no caso, o funcionário responsável pelo processo.
A cada infracção - neste caso não precisa de uma brigada de trânsito, basta que atribua aos interessados a possibilidade de se queixarem de decisões em violação do código do procedimento administrativo - tem uma sanção pecuniária e, sobretudo, em pontos, como na carta de condução, pontos esses que se acumulam e seguem o funcionário para onde quer que vá (mudar de sítio, na administração pública, corresponde a uma espécie de banho lustral que desresponsabiliza qualquer pessoa por todas as asneiras que fez no passado), que vão agravando as sanções a cada nova infracção, como na carta de condução.
A mim parece-me simples, mas sei que jamais esta solução vai ser adoptada, os responsáveis políticos farão grandes sistemas complexos de avaliação de desempenho que nunca funcionarão e toda a gente vai continuar irresponsável.
Aos cidadãos resta perguntar aos amigos: conheces alguém na instituição tal? Tenho um problema para resolver e se não conhecer lá ninguém, aquilo nunca mais se resolve.
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