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Anti-liberalismo primário

por henrique pereira dos santos, em 22.03.22

Tenho visto comentários de gente muito preocupada com o batalhão AZOV ou com a eventual ida de Mário Machado para a Ucrânia, usando, mais ou menos explicitamente, o argumento: "a Ucrânia, sim, tem um problema único com o extremismo de direita, como sabe, ou sabia antes da invasão, praticamente toda a gente. ... O Ocidente abre aos seus cidadãos, muitos deles criminosos condenados, caminho para que marchem rumo à Ucrânia, onde ganharão experiência militar e acesso a armamento sofisticado. O espantoso caso de Mário Machado é um exemplo, mas não serão poucos os extremistas entre aqueles que aproveitam a oportunidade para ir adestrar-se no Dniepr. Quando milhares de lunáticos treinados e equipados regressarem da Ucrânia às nossas ruas, talvez acabemos a lamentar a irresponsabilidade chorosa destes dias". Note-se que se fazem afirmações que se pretendem sérias como "Deus nos guarde quando estes fanáticos, derrotados e sedentos de vingança pela 'traição' ocidental, andarem pelas ruas de Lisboa e Paris com Stingers e NLAWs".

Saltemos por cima da ingenuidade de pensar que os extremistas vão adestrar-se para cenários de guerra, onde contactam com armamento sofisticado e depois voltam calmamente para as nossas ruas treinados e equipados, e concentremo-nos nos factos.

Na Europa, depois da segunda guerra mundial - vamos esquecer a América Latina, em que de facto houve grupos extremistas violentos de direita que provocaram problemas sérios, de maneira geral com bastante apoio nas forças armadas dos respectivos países - os grupos que mais gente mataram, perseguiram, feriram, nas nossas ruas, foram praticamente todos de extrema esquerda ou de origem islâmica.

Sim, é verdade que Mário Machado esteve envolvido nos acontecimentos em que morreu Alcindo Monteiro, mas actividades de Mário Machado e seus próximos, quando comparada com a das FP-25, só não é uma uma brincadeira de meninos porque ainda assim diz respeito a assuntos sérios de violação de direitos individuais de terceiros, incluindo o direito à vida de Alcindo Monteiro.

E pela Europa fora, desde as Brigadas Vermelhas a Baader-Meinhof, passando pela ETA ou o IRA, é esmagadora a preponderância da extrema-esquerda na actividade terrorista na Europa, entretanto substituída pelos grupos islâmicos radicais.

Pelo meio existem incidentes bastante grandes com pessoas de extrema direita como Anders Breivik ou Gundolf Kohler, mas a comparação entre o risco associado a organizações estruturadas de extrema esquerda (mais recentemente, de inspiração islâmica) ou organizações de extrema direita, na Europa, tem pendido largamente para o lado da extrema esquerda (pese embora o facto de actualmente já não ser exactamente assim).

Tanto quanto sei, nenhum dos partidos de extrema-direita (sem discutir o conceito de extrema-direita, usando-o apenas como auxiliar de linguagem) com mais representatividade tem milícias armadas como acontecia com os partidos de extrema-direita dos anos vinte e trinta do século XX.

A larga maioria das pessoas que vejo estarem muito mais preocupadas com os riscos associados ao batalhão Azov que ao exército russo - eu nem consigo perceber como se põe o foco no batalhão Azov, que no máximo terá mil ou duas mil pessoas, quando está a ocorrer uma invasão por um exército com umas centenas de milhar de pessoas - têm como base uma posição profundamente anti-liberal: as pessoas não contam muito, é preciso olhar para valores superiores (a superestrutura, diriam os marxistas clássicos).

É por isso que acham, frequentemente, que a Rússia, como grande potência, tem direitos especiais de segurança que implicam uma área de influência em que terceiros não são livres de fazer opções diferentes das que resultam desses tais direitos especiais.

São pessoas para quem a Rússia e a Ucrânia são entidades bem mais reais e relevantes que os russos e os ucranianos.

E, no entanto, se olharmos para o assunto do ponto de vista das pessoas comuns, é inegável que a generalidade das pessoas, incluindo russas, têm muito mais medo do exército russo que do batalhão Azov.

Acontece que o anti-liberalismo primário que os impede de pôr as pessoas no centro do problema também os impede de ver como é ridículo, perante a dimensão do problema criado pela invasão russa, perder muito tempo com Mário Machado ou com a discussão sobre se houve ou não a despolitização do batalhão Azov.


35 comentários

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De Anónimo a 22.03.2022 às 20:34




Aqui um documentário suave dos tempos em que a BBC ainda tinha alguma informação equilibrada:    https://www.youtube.com/watch?v=5SBo0akeDMY


Uma vez mais: tudo isto não começou com um tirano sanguinário que certa manhã de Fevereiro deste ano acordou mais sedento de sangue, olhou para o mapa e decidiu invadir o quintal dum vizinho pacífico e inocente.




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De henrique pereira dos santos a 23.03.2022 às 09:16

Tem toda a razão, o problema começa nos nazis da Ucrânia e Putin foi obrigado a resolver o problema antes que houvesse mais mortes provocadas pelos nazis
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De Anónimo a 23.03.2022 às 20:09

HPS:
Não desconverse e não perca a lucidez e discernimento crítico que tivemos muitas ocasiões de admirar aqui da sua parte, nos tempos da histeria covídica. Agora  não é um vírus, mas a histeria e a desinformação são as mesmas.
Eu nunca disse que o problema ucraniano "começa" com os neonazis. O problema tem séculos. Se andou a ler a Wiki aproveite para dar uma vista de olhos à história do que tem sido esta "Ukraína" (= "terra de fronteira"), cujas fronteiras actuais datam do pós-1ª Guerra. A história, que remonta a mais de mil anos e começa na "Rússia de Kiev", tem muita importância para os russos. (Ao invés de nós.)
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De henrique pereira dos santos a 24.03.2022 às 10:13

Eu não desconverso e sou até muito directo: a Rússia invadiu a Ucrânia.
Desconversar é falar do Rus de Kiev a propósito disso.
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De henrique pereira dos santos a 23.03.2022 às 09:28

De resto, a peça é de 2014 e pergunta qual será a força dos neonazis na nova Ucrânia.
Em 2022 é fácil responder: em torno de dois por cento dos votos e zero deputados nacionais.
Mas claro, esse é o perigo, não o exército russo.
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De Hugo Filipe a 23.03.2022 às 10:12

Henrique, ainda faltaram as brigadas vermelhas que mataram Aldo Moro, era só primeiro ministro de Itália... É com cada lunático que aqui anda...
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De Hugo Filipe a 23.03.2022 às 10:13

Henrique, desculpe, não tenha em consideração o que escrevi. Falou sim das brigadas vermelhas. Um abraço.
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De Anónimo a 24.03.2022 às 10:42

"A história, que remonta a mais de mil anos e começa na "Rússia de Kiev", tem muita importância para os russos".



E daí?! Isso é justificação??? A nossa História de séculos também tem muita importância para a maioria de nós e não é razão para querermos recuperar, por ex., os nossos ex-territórios ultramarinos. Mas pelo que expõe, parece que na sua perspectiva isso seria aceitável. (Esse tipo de raciocínio é perigoso como efectivamente hoje está demonstrado).
Caríssimo, os Impérios têm o seu apogeu, declínio e queda, fazem-se e desfazem-se na poeira dos tempos, e temos de aceitar que faz parte da ordem natural, da evolução do Mundo e do Homem. Olhe para todos os Impérios e observe que assim aconteceu com a queda do Império Romano de que já fomos parte integrante. Passaria pela cabeça de alguém "reconstituí-lo"? Seria absurdo!


Contudo, no meio desta ordem "natural" que constitui o Progresso e a História do Homem, com todas as transformações que ela comporta e todos aceitamos, acontece, porém, que de tempos a tempos, o Acaso  _ que não obedece às leis da racionalidade, nem da previsibilidade, mas  tão-só às leis das probabilidades_  produz umas "degenerescências", i.e., uns seres com características "recessivas" ancestrais, quase inumanos, portadores de deformações morais e mentais, infractores da lei e das normas da Civilização. Estes seres sombrios, ou melhor, estes "lobos do homem", como disse Plauto, são incapazes de reprimir a sua brutalidade atávica e exibem um potencial de destruição e de letalidade extraordinárias :  assombram o Mundo, ameaçam a Ordem e criam o Caos _ que é o mesmo que dizer que o Mundo se transforma num Grande Manicómio de barbárie. 


A História tem mostrado que, geralmente, quando se suspende a alucinação e passa a onda de devastação e de loucura, «os indiferentes» costumam depois perguntar-se estupefactos _ "Como foi possível chegarmos aqui e não termos visto?"

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