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No mesmo dia, no mesmo exacto dia em que são publicados os números da estimativa da queda do PIB no segundo trimestre de 2020 (uma queda maior que 15%), são publicados os primeiros dados do estudo serológico português relacionado com a covid, cujas opções metodológicas continuam por justificar inteiramente e não são imediatamente apreensíveis (as pessoas treinadas no desenho de amostras que li fazem comentários de grande perplexidade, mas o que sei não me chega para ter opinião sobre o assunto).
Os dados são o que são, não percebo a necessidade de interpretações da treta como "O valor estimado é compatível com uma limitada extensão da infeção na população Portuguesa, entre março e junho de 2020, e distante do valor necessário para alcançar a imunidade de grupo (projetado, na literatura, entre 43 a 67 %)", mas é inegável que o estudo é útil (há quem defenda que seria muito mais útil se se aproximasse, metodologicamente, do estudo espanhol, mais abrangente e mais rápido, mas eu não sei discutir isso).
Como seria de esperar, os jornalistas resolvem confundir conceitos essenciais para manter a "linha justa" de pensamento: "Os resultados do estudo deitam por terra uma das afirmações mais comuns no início da pandemia na Europa: a de que as crianças eram menos afetadas. Segundo o inquérito, ao nível dos grupos etários são poucas as diferenças. De acordo com o INSA, a percentagem de pessoas que estiveram em contacto com o vírus varia entre 2,2% na faixa etária entre os 10 e os 19 anos e os 3,2% no grupo etário dos 40 aos 59 anos, sendo que a seroprevalência nas restantes faixas etárias é de 2,9%, incluindo as crianças com idades entre os 12 meses e os 9 anos".
Independentemente de "deitar por terra" ser uma afirmação claramente excessiva neste contexto, o estudo não diz rigorosamente nada sobre a afectação de pessoas, o estudo apenas se debruça sobre o contacto das pessoas com a doença, não sobre a sua afectação pela doença (excepto na medida em que usa a sintomatologia para separar sintomáticos, paucissintomáticos e assintomáticos, categorias que dizem muito pouco sobre afectação pela doença). Ou seja, o que o estudo confirma é que as crianças contactam com o vírus, o que combinado com o nível absolutamente marginal de casos problemáticos em crianças, confirma que a doença não as afecta muito, mesmo que as infecte, ao contrário do que afirma a jornalista.
Ora é aqui que entra a alienação pura e dura.
Partindo desta realidade, Filipe Fróis luta desesperadamente com a lógica: "“Isto quer dizer que se as crianças são assintomáticas, à partida, poderão também contaminar mais e ter um papel diferente do esperado na contaminação comunitária”, defende o pneumologista Filipe Froes , acrescentando que estes dados preliminares “apontam para o facto de as crianças também se infetarem, mesmo que fiquem menos doentes do que os adultos”.
Se são assintomáticas poderão contaminar mais? Como? Provavelmente Filipe Frois quer dizer uma coisa ligeiramente diferente: se também são infectadas, então podem infectar. O papel dos assintomáticos no contágio continua em discussão, é certo, mas mesmo que a hipótese de que são tão infecciosos como os sintomáticos seja a correcta - o que está longe de estar demonstrado - não se percebe em que medida este estudo serológico aponta num sentido diferente de uma das hipóteses que sempre existiram (como hipótese, evidentemente), a de que as crianças podem ser infecciosas.
Não se percebe, por isso, a insistência de Filipe Fróis na questão das crianças que, como se vê pela combinação entre os dados serológicos e os do sistema de saúde, até se podem infectar em proporções semelhantes aos adultos, mas o facto é que a infecção não os afecta por aí além (existem casos excepcionais sempre, é a situação geral que interessa).
Ou melhor, percebe-se quando se lêem os outros comentários que faz a este estudo.
Filipe Frois constata que os casos detectados são apenas cerca de15% dos casos reais de infecção, concluindo daqui que "Achatámos a curva mas não conseguimos esmagar a curva durante o confinamento. Os critérios de testagem demonstraram insuficiências em termos de número e de critérios clínicos. Se queremos resolver a pandemia, temos de ter uma política mais agressiva de testagem, utilizar de critérios clínicos mais ligeiros (por exemplo, temperaturas ≥ 37,5º C, queixas nasais, perda de olfato ou de sabor) e procurar activamente os indivíduos assintomáticos".
O mais extraordinário é não haver um jornalista que lhe pergunte como, com que recursos, com que probabilidade de êxito e para quê se propõe "procurar activamente os indivíduos assintomáticos". Se para identificar apenas 15% dos casos de infecção, grande parte deles os mais simples porque ou são sintomáticos, ou são contactos próximos com sintomáticos, rebentámos com a economia ao ponto de termos cerca de 15% de queda do PIB num trimestre, que cenário tem Filipe Frois para oferecer que nos permita ir encontrar os outros 85%?
O mais extraordinário é não haver um jornalista que lhe pergunte se não acha que o Serviço Nacional de Saúde vai sofrer cortes brutais em consequência de uma queda do PIB desta dimensão.
O mais extraordinário é não haver um jornalista que lhe pergunte se não acha que a pobreza, o mais consistente indicador associado à degradação das condições de saúde, não vai afectar mais as pessoas comuns que a covid, mesmo do estrito ponto de vista da saúde pública.
O mais extraordinário é não haver um jornalista que lhe pergunte que se o estudo refere: "A diferença entre a seroprevalência e a incidência acumulada era expectável e tem sido observada também noutros estudos seroepidemiológicos (Rosenberg et al. 2020; Salje et al. 2020; Xu et al. 2020; Havers et al. 2020; Pollán et al. 2020). Considera-se que possa ser atribuída ao facto da identificação dos casos durante a fase aguda da doença fornecer informação limitada sobre o estado da epidemia, o que pode refletir a variabilidade da gravidade da doença, bem como a estratégia de testagem adotada, a proporção de indivíduos testados, o acesso aos serviços de saúde e os comportamentos de procura de cuidados de saúde, uma vez que os casos ligeiros ou assintomáticos não são captados na totalidade pelos sistemas de vigilância (Peterson et al. 2020; Wiersinga et al. 2020).", por que razão atribui tanta importância ao número de infecções e não prefere usar outros dados de acompanhamento da epidemia, como o número de internados, o número de pessoas em cuidados intensivos, a mortalidade e o números de anos de esperança de vida perdidos?
O mais extraordinário é não haver um jornalista que lhe pergunte que interesse têm os controlos de fronteira se o vírus está socialmente espalhado dos dois lados da fronteira, dando origem à verificação de que "Apesar do encerramento das fronteiras entre Portugal e Espanha, entre meados de março e junho, os resultados deste estudo encontram-se próximos dos valores estimados nas Províncias Espanholas que fazem fronteira com Portugal, onde se observaram, também, taxas de ataque mais baixas (0,5 – 7,9 %) do que nas Províncias centrais Espanholas, mais afectadas pela epidemia, nas quais a seroprevalência foi de cerca de 11 % (Pollán et al. 2020)."
O mais extraordinário é não haver um jornalista que lhe pergunte (e, neste caso, aos autores do relatório também) por que razão falam tanto da imunidade de grupo teórica, obtida a partir de modelos matemáticos que desvalorizam a diversidade das populações, quando para além dos anti-corpos há outros indícios de que poderá haver imunidade bastante acima do esperado, que é coerente com valores relativamente baixos da população com contacto com a infecção, mesmo em locais onde a incidência da doença foi muito elevada? Por exemplo, se não seria boa ideia comentar este parágrafo: "A imunidade ao SARS-CoV-2, medida através da presença de anticorpos específicos para este vírus, é provável que se encontre subestimada no presente estudo, uma vez que não foi medida a imunidade celular, que também parece desempenhar um importante papel na resposta imunitária contra o SARS-CoV-2."
A completa alienação dos defensores do "temos de esmagar a curva e para isso temos de cadastrar todos os infecciosos", o que implica encontrar os 85% que escapam aos sistemas de acompanhamento que temos montado, no exacto dia em que se demonstram os efeitos brutais dessa alienação na vida das pessoas comuns, com uma queda do PIB em torno de 15% neste trimestre, é deprimente, muito deprimente, porque continua a ser o que comanda as opções que têm vindo a ser tomadas.
Não por qualquer razão maquiavélica, apenas porque é realmente isto que a maioria das pessoas pede e quer: há muita gente cheia de medo e as elites políticas e mediáticas, em vez de assumirem a responsabilidade de contrariar esse medo, preferem fazer contas ao seu futuro imediato e dar pão e circo ao povo que pede pão e circo, mesmo quando têm perfeita consciência dos custos da falta de confiança e do medo numa comunidade.
(Reuters) - AstraZeneca has been granted protection from future product liability claims related to its COVID-19 vaccine hopeful by most of the countries with which it has struck supply agreements, a senior executive told Reuters."
The health minister and the health service executive agreed to compensate and pay the full legal costs of Aoife Bennett, 27, who received the Pandemrix vaccine in school in 2009 as part of a state campaign against swine flu (https://www.theguardian.com/world/swine-flu).
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