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Ainda sou do tempo...

por henrique pereira dos santos, em 27.12.21

... em que as medidas não farmacêuticas para controlar a epidemia tinham de ser tomadas muito cedo porque demoravam duas a três semanas a ter algum efeito na incidência, o que era uma desgraça por causa da natureza do crescimento exponencial.

Ainda sou do tempo em que as incidências mais altas do mundo eram da Estónia, Hungria e Roménia e por aí, países com baixas taxas de vacinação.

Ainda sou do tempo em que as diferenças de incidência entre a Suécia e a Dinamarca eram demonstrações de como diferentes abordagens da epidemia resultavam em incidências muito diferentes.

Ainda sou do tempo em que o crescimento da incidência na Alemanha ou na Áustria e por essas regiões era por causa da resistência dos povos de língua alemã à vacinação.

Ainda sou do tempo em que a taxa de vacinação em Portugal nos punha a salvo de crescimentos de incidências semelhantes aos dos países que tomavam medidas contra não vacinados com o objectivo de forçar a vacinação que protegeria os que já estavam vacinados.

Ainda sou do tempo em que era matematicamente demonstrável a utilidade do controlo de contágios porque havia relações practicamente fixas e estáveis entre incidência, internamentos e mortalidades.

Desde o início há duas escolas de pensamento sobre a epidemia que assentam em pressupostos diferentes sobre o que fazer face à incerteza.

A escola da OMS, muito bem ilustrada por Myke Ryan, o homem que não se coibiu de chamar "estupidez epidemiológica" aos desconfinamentos demasiado rápidos do Verão por causa dos estragos que a variante Delta iria provocar, declarações que foram feitas logo após o anúncio do Reino Unido de que iria abrir tudo em 19 de Julho. É o mesmo homem que é peremptório a afirmar que o que aprendeu com os surtos de Ébola é que precisamos de agir rapidamente "be fast, have no regrets, you must be the first mover ... if you need to be right before you move, you will never win ... the problem we have in society is everyone is afraid of making a mistake", ou seja, a escola que entende que agir rapidamente para quebrar as cadeias de contágio é mais importante que tomar decisões certas tendo em atenção a incerteza e a escassez de conhecimento sobre o processo em que estamos a querer intervir.

E há a escola minoritária, que entende que a incerteza é um dado do problema e a rapidez de intervenção ou a possibilidade e importância de quebrar cadeias de contágio está associada ao grau de risco social, que tanto pode ter origem na epidemia, como nas medidas tomadas para gerir a epidemia. Para esta escola de pensamento, "estupidez epidemiológica" é gerir uma doença altamente transmissível por aerossóis, mas relativamente benigna, que mata muito menos de 1% dos infectados, com base no risco e capacidade de quebrar cadeias de contágio de outra epidemia que se transmite por contactos com fluidos e mata 50% dos infectados.

O difícil é encontrar um chão comum entre estes diferentes pontos de vista que permita tomar decisões colectivas equilibradas, esse é o papel da política, de que grande parte dos políticos se demitiram por razões racionais e politicamente compreensíveis.

O risco político associado à actuação sugerida pela primeira escola de pensamento é quase nulo: fazer qualquer coisa rapidamente e depois correr mal, resulta do facto de sabermos pouco sobre o assunto, é difícil responsabilizar politicamente os governos por serem excessivamente prudentes.

O risco político associado à actuação sugerida pela segunda escola de pensamento é altíssimo porque os governos podem ser responsabilidados por estarem paralisados pela incerteza e o medo, não fazendo o que poderiam fazer, pondo nas costas do governo a responsabilidade por tudo o que possa correr mal.

Mesmo decisões completamente ineficazes, sim, verdadeiras estupidezes epidemiológicas, como cortar as ligações com a África Austral para para a transmissão de uma variante altamente transmissível, ou o confinamento dos Países Baixos (é comparar as curvas dos Países Baixos com a Bélgica para ver se se encontra qualquer sinal dos efeitos desse confinamento), têm um efeito marginal na credibilidade da primeira escola de pensamento (tal como a curva de incidência do Reino Unido logo após a abertura que Myke Ryan indirectamente estava a dizer que era uma estupidez epidemiológica).

Por isso continua a não haver grande esperança sobre a gestão da epidemia.


10 comentários

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De balio a 27.12.2021 às 10:50


Eu tenho, apesar de tudo, uma genuína esperança de que a pandemia esteja perto do fim.
É que o sars-cov-2 teve uma grande virtude: eliminou praticamente a gripe e as constipações. Esses vírus virtualmente desapareceram.

Ora, parece que a variante omicron estará a fazer o mesmo às restantes variantes do sars-cov-2: eliminá-las.
Ora, se, como parece confirmar-se, a omicron tiver uma patogeneticidade muito baixa, há a possibilidade real de, daqui a uns meses, termos toda a população infetada com omicron, todas as outras variantes do sars-cov-2 extintas, e os hospitais vazios. Se isso acontecer, e eu tenho esperança que aconteça, talvez a loucura coletiva em que os governantes do mundo estão mergulhados termine.

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