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Hoje, no Observador, está este texto meu em que procuro sintetizar o que penso sobre esta coisa de andar a fazer remendos em edifícios legislativos menos úteis para garantir o acesso à habitação que as ruínas de Palmira no período em que foram controladas pelo Estado Islâmico.

Em síntese, o que penso está nestes dois parágrafos:

"Há um problema sério de acesso à habitação para quem precisa hoje de uma nova casa (a grande maioria das pessoas comuns não estão nessa situação, é bom lembrar), mas isso não se resolve com a defesa desmiolada do sistema de planeamento que nos trouxe onde estamos hoje, nem com alterações pífias que esquecem o essencial do problema: a confiança dos investidores num mercado fortemente distorcido por um Estado que não está disposto a prescindir dos pequenos poderes que tornam relevante tanta gente irrelevante.

Do que precisamos é de liberalizar a sério todo o sector, começando por acabar com o monopólio do Estado na atribuição da licença para urbanizar, ao mesmo tempo que reforçamos os mecanismos institucionais que garantam o acesso à habitação – em especial daqueles que o mercado marginaliza – e a salvaguarda de valores colectivos verdadeiramente relevantes, como os solos mais férteis, zonas inundáveis, áreas de especial interesse de conservação, etc.".

Isto, que podem ser ideias certas ou erradas, é imediatamente desqualificado a partir de pontos de vista sectários ("O mesmo acontece com os meus amigos neo-liberais: não questiono as crenças e as superstições que os movem. São tão infundadas como as que movem os religiosos, mas as regras de coexistência ditam que não se discutam") ou de teorias de conspiração sem qualquer fundamento, quer do ponto de vista teórico (não existem mercados atomizados em que os vendedores podem impor preços sem limite), quer do ponto de vista empírico, já que os não nacionais representam cerca de 2% do mercado imobiliário "O mercado imobiliário está aberto a investimentos de fundos internacionais que distorcem o mercado há 20 anos, e não interessa o preço nem a quantidade da oferta, enquanto houver vai ser comprado a qualquer preço".

Nem o facto de os últimos meses apresentarem dois modelos de intervenção no mercado de arrendamento urbano, o espanhol, já em aplicação em Barcelona, e o de Milei, na Argentina, com resultados diametralmente opostos, leva uma enorme quantidade de gente a interessar-se pela discussão racional e cartesiana do assunto, que descartam com invectivas à especulação e outros gambuzinos.

Em Barcelona, o condicionamento das rendas fez desaparezer 9% do mercado de arrendamento e provocou um aumento de 5% das rendas, na Argentina o resultado da ultra-liberalização de Milei no mercado de arrendamento urbano é o que se pode ver neste boneco (cuja fonte é esta):

milei.jpg

Desengane-se quem achar que as mesmas medidas em contextos diversos dariam os mesmos resultados, o sistema é suficientemente complexo e o problema tem tantos factores, que não é possível simplesmente copiar soluções de um lado para o outro, esquecendo o que corre bem e mal na sua aplicação a cada contexto, o que me interessa realçar é que afastar da discussão a economia real (às vezes com argumentos teóricos sofisticados, mas que na realidade são inúteis porque são formalizações intelectuais sem grande aderência à realidade concreta sobre a qual se quer actuar, como "Não existe curva de custos marginais de produção do factor terra, porque a terra tem apenas preço e não custo (as bem-feitorias são outra coisa). Na ausência de uma fiscalidade eficaz sobre o património imobiliário, este tende a ser retido especulativamente e por isso deve ser taxado") não contribui para resolver nenhum problema.

O sistema de preços, mesmo sabendo-se que não existem mercados perfeitos fora dos livros de economia, é um sistema de informação muitíssimo eficiente, mas é apenas um sistema de informação, não é a realidade.

Fixar os preços é como tapar a válvula de escape de uma panela de pressão: deixamos de nos assustar de cada vez que a panela atinge a pressão que faria funcionar a válvula de escape, mas não alterámos o facto de ela continuar a aumentar a pressão, com os resultados que a física explica.

 


12 comentários

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De Anónimo a 07.01.2025 às 10:24


Em relação às rendas na Argentina, deve-se ler este texto no relatório citado no post:
"Desde 2020, estava em vigor na Argentina a Lei do Arrendamento, uma das leis de controlo de rendas mais rígidas do mundo, implementada com o objetivo de manter os preços da habitação acessíveis. Os efeitos dessa lei revelaram-se desastrosos, com a oferta de habitações no mercado a cair e o valor das rendas a manter a trajetória ascendente."

O que quero dizer é que a situação melhorou, em boa parte, porque já não podia ficar pior.
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De M.Sousa a 07.01.2025 às 16:22

Errado. Pode sempre ficar pior... veja-se o descalabro de Cuba, onde o parque habitacional  já não passa de uma ruína,  ao fim de mais de 60 anos de socialismo ...
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De Anonimo a 07.01.2025 às 11:36


Muito bem, subscrevo inteiramente.


Do que precisamos é de liberalizar a sério todo o sector, começando por acabar com o monopólio do Estado na atribuição da licença para urbanizar, 



Não subscrevo

ao mesmo tempo que reforçamos os mecanismos institucionais que garantam o acesso à habitação





Quem garante e com que critérios? Eu quero ter acesso à habitação na Quinta da Marinha. Há que criar mecanismos institucionais para tal.


O mercado decide, as pessoas não são árvores, movimentam-se, pelo que as ncessidades e ofertas de habitação variam consoante estas migrações. Deixem as pessoas decidirem, construtores, proprietários, senhorios e inquilinos.
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De henrique pereira dos santos a 07.01.2025 às 11:40

Em que parte do texto leu qualquer defesa do acesso à habitação na Quinta da Marinha?
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De Anonimo a 07.01.2025 às 12:50


ao mesmo tempo que reforçamos os mecanismos institucionais que garantam o acesso à habitação



Onde? Onde o "Estado" permita que se viva? Ou onde as pessoas desejam viver? Nem indo a questões de permilagem de imóveis. Percebeu perfeitamente a analogia, apenas não sabe como responder sem apelar à veia socialista/estatista.
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De henrique pereira dos santos a 07.01.2025 às 15:33

Onde? Onde for possível.
Onde as pessoas quiserem, se tiverem recursos para escolher, onde houver disponibilidade, se não tiverem recursos para escolher.
Nem percebo a questão.
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De Anonimo a 07.01.2025 às 23:09

Isso, apenas com mercado livre. Auto-regulaçao. Liberdade individual. 


Mecanismos institucionais é paleio de estatista.
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De henrique pereira dos santos a 08.01.2025 às 10:00

Confesso que dispenso lições sobre o que é o liberalismo com este grau de infantilidade.
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De vasco Silveira a 07.01.2025 às 19:48

Caro senhor
Felicito-o pelo seu artigo, e louvo-lhe a insistência/paciência na discussão de esclarecimento ( se possível). 
O tema não tem estação preponderante,  nem término, pois sempre haverão pessoas a procurar: o essencial, melhor, maior,  ... 
Não sou engenheiro, nem construo, mas reconheço o seu peso decisivo na economia, e as terríveis consequências dos desequilíbrios no sector.


Cumprimentos
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De Anonimo a 08.01.2025 às 07:06

"O mesmo acontece com os meus amigos neo-liberais: 




Quem são esses? Os que querem Estado mínimo e privatização de saúde,  educação e demais serviços sob égide estatal? Convém perceber que as etiquetas direita/esquerda  ou socialista/liberal não dependem do indivíduo,  mas de quem o rodeia.
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De Nelson Goncalves a 08.01.2025 às 11:24


"Do que precisamos é de liberalizar a sério todo o sector, começando por acabar com o monopólio do Estado na atribuição da licença para urbanizar, ao mesmo tempo que reforçamos os mecanismos institucionais que garantam o acesso à habitação – em especial daqueles que o mercado marginaliza – e a salvaguarda de valores colectivos verdadeiramente relevantes, como os solos mais férteis, zonas inundáveis, áreas de especial interesse de conservação, etc."



A salvaguarda dos valores colectivos não corresponde na práctica a implementar um monopólio do Estado para decidir onde não se pode construir ?
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De henrique pereira dos santos a 08.01.2025 às 14:54

Não, eu posso não querer construir, independentemente do que o Estado decida, logo, não há monopólio.
Mas mesmo que se considere que há, é bem diferente ter um monopólio sobre onde não se pode construir ou ter um monopólio sobre onde se pode construir.

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