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O programa para a época que se segue foi claramente enunciado pelo presidente da referida associação patronal, a Liga dos Bombeiros Portugueses, Jaime Marta Soares, comentando o processo reivindicativo que está em curso, no sentido de se aumentar o desvio de recursos de todos para as organizações de bombeiros (não confundir a captação de recursos pelas organizações de bombeiros com a captação de recursos para os bombeiros, isso seria o mesmo que dizer que o apoio à capitalização das empresas é um apoio aos trabalhadores portugueses, relacionam-se, mas não são a mesma coisa): "Quanto aos meios mobilizados para o combate aos incêndios deste ano, constituem "o dispositivo possível", para o presidente da Liga. "Está preparado para uma média de 200 a 250 fogos por dia. O problema é que num país como o nosso, em que andam à solta os incêndiários criminosos, ocorrem 300 a 400 e às vezes até 500 fogos por dia"".
Comecemos por um rasgado elogio à política de comunicação da associação patronal dos bombeiros que conseguiu a notável conquista de convencer toda a gente que a Liga dos Bombeiros Portugueses é uma associação de bombeiros e não, como efectivamente é, uma associação das associações de bombeiros. Com este passe de mágica (que seria semelhante à CIP convencer a sociedade de que é legítima representante dos trabalhadores portugueses e, consequentemente, apoiar a CIP é apoiar os trabalhadores portugueses) a Liga dos Bombeiros Portugueses consegue transformar o esforço voluntário e generoso de milhares de pessoas no seu principal activo económico e político, quando reivindica mais dinheiro do Estado para os seus associados (as corporações de bombeiros, não os bombeiros em si), que é a sua principal actividade.
É essa notável campanha cerrada de comunicação que, pelos vistos, constrange os jornalistas a fazer perguntas básicas sobre as afirmações que são feitas por Jaime Marta Soares, um homem muito económico no uso da verdade quando discute fogos.
A pergunta central que qualquer jornalista informado deveria fazer é a seguinte:
"Se, como diz, o sistema está preparado para 200 a 250 fogos por dia, se a variação diária de fogos depende essencialmente das condições meteorológicas, se os dias em que há 300 a 400 fogos, o mesmo 500, são os dias de condições meteorológicas extremas, e se é nesses dias de condições meteorológicas extremas que arde 80% da área que arde num ano, a sua afirmação significa que o dispositivo só está preparado para os dias em que não faz grande falta, não estando preparado para os dias em que é preciso, é isso?".
O jornalista informado poderia acrescentar:
Colérico como é o actual presidente dos patrões dos bombeiros, o mais natural é que respondesse em altas vozes, dizendo qualquer coisa sobre os 35 a 40% dos fogos nocturnos que demonstram que isto é tudo obra dos incendiários, e que sobre isso os bombeiros não podem fazer nada (aliás, sempre que lhe fazem perguntas difíceis, o patrão dos patrões dos bombeiros saca de um argumento cuja resolução não diz respeito aos bombeiros).
E poderia até citar a autoridade do Senhor Secretário de Estado da tutela, que acha que "33% dos incêndios começam entre as oito da noite e as oito da manhã. Um terço dos incêndios em Portugal começar de noite é preocupante. Isto quer dizer alguma coisa".
Na verdade esta afirmação (que quase todos os secretários de estado do sector acabam por repetir de cada vez que a situação foge do controlo) só quer dizer que o Senhor Secretário de Estado não estudou bem o assunto, nem sequer foi ver a informação produzida pelos serviços, como estes gráficos:
Se os senhores secretários de estado, e o senhor presidente da associação patronal dos bombeiros, quisessem deixar de ser demagógicos, em vez de falar de um terço de fogos à noite, explicariam didacticamente que o período da noite é definido administrativamente, das oito da tarde, às oito da manhã, o que significa que, no Verão, inclui muitas horas diurnas.
Explicariam também que a distribuição horária desses fogos não é uniforme, pelo contrário, concentra-se, como é normal, nas horas do fim do dia, sendo a maior parte nas duas ou três primeiras horas do tal período nocturno, a maior parte do qual ainda é dia.
Explicariam também que a hora a que um fogo é registado é a hora a que é detectado, não tanto a hora a que realmente começa, podendo haver desfasamentos importantes (de várias horas, mas muito frequentemente de uma a duas horas, o que é perfeitamente normal).
E que dos famosos 35 a 40% de fogos nocturnos que alimentam as teorias de conspiração que alimentam os orçamentos das entidades patronais dos bombeiros, em especial a ideia de que o problema não é a inadequação do dispositivo às necessidades mas sim os incendiários (apesar de 1% das ignições darem origem a mais de 90% da área ardida), dos 35 a 40%, dizia, apenas cerca de 5% ocorrem entre as duas e as seis da manhã, a maior parte sendo, provavelmente, reacendimentos que são reportados como novos fogos.
Que Jaime Marta Soares defenda os interesses das corporações de bombeiros (o que não é o mesmo que defender os interesses dos bombeiros, repetirei sempre) eu entendo, está no seu papel (só não entendo como nunca ninguém achou que havia um conflito de interesses entre ser presidente da câmara a tomar decisões que beneficiavam a corporação de bombeiros a cujos orgãos sociais pertencia).
Que os secretários de estado, aflitos, digam qualquer coisa para se esquivar politicamente a um problema politicamente irresolúvel, porque resolvê-lo significa afrontar directamente os interesses das corporações de bombeiros e das autarquias, o que ninguém quererá fazer, eu também compreendo.
O que não compreendo é um jornalismo tão pobre, tão pobre que se satisfaz com teorias de conspiração que não resistem à mínima análise empírica de factos, cujos resultados estão disponíveis e são facilmente acessíveis.
Para quem acha que é assunto que não lhe diz respeito, será bom lembrar que tudo isto é um dos exemplos mais clássicos e bem documentados do velho princípio de que quando se atira dinheiro para cima de um problema, uma das duas coisa desaparece, mas raramente é o problema: o dispositivo custava trinta milhões, hoje custa mais de cem milhões, sem que na análise dos dados se consiga detectar a menor alteração de resultados na gestão do fogo em Portugal.
ADENDA: para o caso de alguém perceber melhor o atraso que está associado ao discurso do Presidente da Liga dos Bombeiros Portugueses, dos responsáveis pela protecção civil, dos responsáveis pelo Governo que tutelam os fogos em Portugal, talvez seja útil ver este video dos serviços florestais americanos, que é excelente.
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óptimo, pode alargar a área de fogo controlado par...
Maria,num terreno da minha família foi o Estado qu...
a ideia de que é impossível juntar várias parcelas...
Não sei responder
Se o pagamento é feito contra a demonstração de qu...