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Primeiro foi um pequeno sinal: numa pré-publicação de uma entrevista a Inês Ramires, Secretária de Estado da Administração Pública, ficava a saber-se que se estava com intenção de mexer nos processos de escolha de dirigentes na função pública.
Quando se queria perceber em que sentido, entrava de rompante o modelo de gestão surrealista que caracteriza este governo, verificando-se que o governo queria apenas resolver um problema inexistente, criando outro problema real: com este modelo de escolha individualizado não era possível fazer equipas consistentes.
Na Segunda-feira, as páginas 2 e 3 do Público tinham então a entrevista anunciada com a maluqueira que citei acima.
Diverti-me bastante com a entrevista, cheia do lero, lero habitual de quem acha que os outros são todos estúpidos e portanto basta dizer qualquer coisa que pareça um alinhamento lógico de palavras, para as pessoas fiquem satisfeitas.
Foi ao ler isto que resolvi ir ver o curriculum profissional desta senhora de que nunca tinha ouvido falar: "temos pela frente um trabalho árduo de repensar como é que entre a revisão da Tabela Remuneratória Única (TRU) e do Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP) conseguimos levar os trabalhadores a perceberem que podem ter uma carreira com perspectivas de progressão".
Vamos esquecer a lógica interna do que é dito (não se percebe como é que se vai repensar uma coisa que nunca foi pensada, e esses pormenores típicos de quem opta por martelar as palavras certas em frases sem grande sentido) e olhemos para a questão de fundo: a Senhora Secretária de Estado da Administração Pública acha que o fundamental é fazer os trabalhadores perceberem o que hoje não percebem, sobre a sua condição.
Daí a minha pergunta: quem é esta senhora, o que fez, de onde vem, para achar que o seu papel é fazer os funcionários perceberem o que não percebem sobre a sua carreira.
É uma Senhora que aos 25 anos (2005) anos acabou a sua licenciatura em direito, aos 32 anos (2012) concluiu o seu mestrado em direito público, e nos anos de Passos Coelho, entre 2011 e 2015 foi consultora de um gabinete de advogados. Nessa altura, em 2011, colaborou com o gabinete do Secretário de Estado da Administração Pública no âmbito do "Plano de Redução e Melhoria da Administração Central (PREMAC)".
Entre 2005 e 2006, ou seja, logo após a sua licenciatura, foi estagiária no escritório de João Pedroso (o escritório que deu origem a uma confusão com Maria de Lurdes Rodrigues, que acabou em tribunal, mas vamos admitir que a estagiária que por acaso estava ali nunca ouviu falar do assunto), mas logo em 2006, no ano do estágio, entrou nos gabinetes governamentais, saltitando de gabinete em gabinete, aparentemente até o PS perder as eleições.
Depois do interregno entre 2011 e 2015, em que esteve num gabinete de advogados como consultora, voltou aos gabinetes, sendo bastante tempo chefe de gabinete de Brandão Rodrigues e brevemente Secretária de Estado da Educação, no governo anterior.
O relevante aqui é que a Secretária de Estado da Administração Pública, a tal que pretende fazer os trabalhadores perceberem a sua condição de trabalhadores da administração pública, não só nunca foi funcionária pública, nunca trabalhou em nenhum serviço público, como tem toda a sua carreira profissional feita nas bolhas sociais dos gabinetes governamentais, um mundo particularmente fechado e alienado do mundo real dos trabalhadores a quem a Senhora Secretária de Estado quer fazer perceber a sua verdadeira condição de trabalhador da administração pública.
Não admira que me tenha divertido tanto a ler o lero, lero da Senhora Secretária de Estado, porque é uma conversa completamente alienada sobre um mundo que não existe.
Daí que a Senhora Secretária de Estado fale da tal Tabela de Remuneração Única como se realmente fosse única e fale do Sistema Integrado de Avaliação na Administração Pública como se fosse alguma coisa que alguém levasse a sério e para ser levada a sério.
Deixe-me explicar-lhe a questão.
Por puro acaso, li a sua entrevista no mesmo dia em que me chegou ao meu mail o relatório de actividades do meu instituto, isto é, em 14 de Junho de 2022 chegou-me ao mail o relatório de actividades de 2020. Um ano e meio, Senhora Secretária de Estado, para fazer, homologar e publicar um relatório de actividades.
O relatório diz que está tudo óptimo, tem uma execução de 95% em relação ao previsto, está tudo no melhor dos mundos, como diria Pangloss.
Veja bem:
À questão "1.2 É efetuada internamente uma verificação efetiva sobre a legalidade, regularidade e boa gestão?", o relatório, exultante com o êxito, responde: "A verificação tem lugar no quadro da segregação de funções que é assegurada pelas diversas unidades orgânicas no quadro das suas ações em cada momento dos processos que se interpenetram e reforçam o cumprimento dos princípios de legalidade, economia e eficiência, regularidade e boa gestão. A atuação do Gabinete de Auditoria e Desempenho, bem como os diversos normativos existentes nas áreas de suporte e nas áreas operacionais, contribuem para o processo de verificação, tendo decorrido em 2020 uma ação de auditoria interna, embora não tenha sido concluída".
Fabuloso, não acha, Senhora Secretária de Estado? Um lero, lero ainda melhor que o seu, em que se diz que não se fez a ponta de um chavelho em matéria de verificação da legalidade do que se faz no instituto, mas de maneira a dizer que está tudo sob controlo.
Não acharia melhor dedicar o seu tempo a explicar aos seus dirigentes (não venha com a história dos concursos, estão todos em substituição há anos, os dirigentes de topo, os outros foram agora nomeados depois de concursos que, veja lá, até me permitiram ganhar um deles, embora, por razões estritamente pessoais, eu tenha declinado o exercício do cargo) que a verificação da legalidade é uma coisa séria, em vez de explicar aos trabalhadores que eles têm uma carreira com progressão no futuro?
Não lhe sugiro que vá ler o relatório: eu, que conheço o Instituto onde trabalho, que até fui dirigente muitos anos, não consigo perceber grande coisa do que lá está, imagino que a Senhora Secretária de Estado tivesse ainda maior dificuldade, mas ao menos repare como todos os indicadores são indicadores de processo (quantas licenças passadas, pro exemplo) sem grande esforço para produzir indicadores de resultado.
Cara Senhora Secretária de Estado, vá lá tratando da sua vidinha, garantindo os lugares de recuo para quando o seu partido perder as eleições, ocupando os lugares que entender quando o seu partido estiver na mó de cima mas, por favor, não faça nada, não mexa, deixe andar: a coisa está preta na Administração Pública, como sabe, mas garanto-lhe que pode ficar muito pior se levar a sério o que anda a dizer nas entrevistas.
É que o seu patrão e patrono, António Costa, não a quer aí para fazer ondas, quere-a exactamente para que faça de rolha e se aguente à superfície com qualquer maré, concentre-se nisso e deixe os trabalhadores da função pública em paz, não se ponha com essas parvoíces de dar mais dinheiro a quem fez doutoramentos: normalmente só faz doutoramentos na administração pública quem não faz grande coisa como funcionário ou quem, como eu, saiu por uns tempos para ir apanhar ar, quando o ambiente claustrofóbico que se vive na administração pública se torna irrespirável.
Os outros, a maioria, os que verdadeiramente fazem funcionar os serviços independentemente das marés, nunca lhe perdoarão estar a premiar quem não merece, como eu.
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