Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




À volta do xadrez

por Duarte Calvão, em 26.11.20

JB_2-3-79-TEXTO2.jpg

Já despachei os sete episódios de “O Gambito de Rainha”, minissérie da Netflix. É muito bem feita e representada, embora a história seja banal, do tipo “jovem heroína vence todas as adversidades, apesar de vir de baixo, graças a uma vocação extraordinária”. É uma espécie de “Karate Kid” do xadrez, filme de êxito nos anos 80, que motivou várias sequelas. Adivinho que este “Gambito” também terá mais temporadas, porque de facto a fórmula funciona e eu vi a série com rapidez e agrado, facto ao qual o recolher obrigatório não é alheio. Ao que consta, a minissérie está a causar interesse pelo xadrez um pouco por toda a parte, sobretudo entre os jovens, o que é louvável. O mais estranho é que, apesar de ter consultores ilustres (como o antigo campeão Garry Kasparov), pareceu-me que quase não se aprende sobre o xadrez, nem se percebem as jogadas para quem vê a série descontraidamente. Talvez voltando atrás, parando as imagens e analisando-as, mas não estou para isso.

 

Foi impossível não me lembrar do celebérrimo encontro entre Boris Spassky e Bobby Fischer, ocorrido em Reiquiavique em 1972, que, embora só tivesse 9 anos de idade, acompanhava todas as noites nas reconstituições que a RTP de então transmitia em horário nobre. Sete anos mais tarde, acompanhei no Rio de Janeiro, onde vivia, um torneio interzonal (uma espécie de eliminatória para decidir quais os candidatos a desafiar o campeão) e vi como o xadrez pode ser absorvente. Durante mais de três semanas, para mim e alguns amigos adolescentes igualmente entusiastas pelo xadrez, o mundo esteve todo no Copacabana Palace – o fantástico hotel onde decorria o torneio – e, quando não estávamos lá, íamos para casa uns dos outros reconstituir as partidas e discutir as peripécias do dia. Encontrei na Internet um recorte de um jornal da altura, em que estão os participantes, que acima reproduzo. Foi ganho pelo húngaro Lajos Portisch, ficando em segundo o soviético-arménio Tigran Petrosian, que já tinha sido campeão do mundo, perdendo o título precisamente para Spassky, em 1969. Pude então confirmar algo que se vê no “Gambito”, que os jogadores soviéticos, apesar de competirem entre si, se ajudavam mutuamente nos intervalos das sessões. Lembro-me de ver Petrosian, sempre acompanhado pela mulher, numa sala à parte a analisar as suas partidas com Balashov e Vaganian. Rezavam as más-línguas que estas sessões se prolongavam noite fora, com muita vodka à mistura.

 

O que me pareceu pior na série da Netflix foi dar a ideia que tudo se resolve numa só partida, quando é quase sempre em longos (e, por vezes, enfadonhos) encontros com várias partidas. Mas aceito que, para a economia dramática da ficção, resultasse melhor desta maneira. Há ainda algo que continua a intrigar-me: porque é que existem campeonatos só para mulheres? Sendo-lhes permitida a participação dos campeonatos ditos “masculinos” - como se vê na série - e não havendo as razões físicas que motivam a separação entre sexos noutras modalidades, julgo que é extremamente sexista organizá-los. Deve haver uma boa explicação, sobretudo quando temos no mundo de hoje tanta atenção a estes assuntos (e ainda bem), mas não consigo encontrá-la.


2 comentários

Sem imagem de perfil

De balio a 26.11.2020 às 16:57


Havendo partidas de xadrez entre mulheres e homens, certamente que há rankings que classificam simultâneamente a qualidade das mulheres e a qualidade dos homens, em função d@s advers@arios contra quem já venceram ou perderam. Rankings similares existem em todos os outros desportos, e no xadrez também existirão.

Se se fôr a olhar para esses rankings, provavelmente constatar-se-á que as melhores mulheres só aparecem para aí na posição 100, ou talvez 50, sei lá.

De onde, existem campeonatos só para mulheres porque, caso contrário, as melhores mulheres jamais seriam premiadas. Ou seja, ao fim e ao cabo, precisamente pela mesma razão pela qual também existem corridas de velocidade para mulheres, ou ping-pong para mulheres - apesar de também nesses desportos não haver contacto físico.
Imagem de perfil

De Pedro Oliveira a 27.11.2020 às 12:46

A sério?
Compara corridas de velocidade com o imenso esforço de deslocar peças de xadrez?
E a cozinha?
Devia haver um "Michelin" para "chefs" homens e outro para mulheres?

Comentar post



Corta-fitas

Inaugurações, implosões, panegíricos e vitupérios.

Contacte-nos: bloguecortafitas(arroba)gmail.com



Notícias

A Batalha
D. Notícias
D. Económico
Expresso
iOnline
J. Negócios
TVI24
JornalEconómico
Global
Público
SIC-Notícias
TSF
Observador

Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.

Comentários recentes


Links

Muito nossos

  •  
  • Outros blogs

  •  
  •  
  • Links úteis


    Arquivo

    1. 2024
    2. J
    3. F
    4. M
    5. A
    6. M
    7. J
    8. J
    9. A
    10. S
    11. O
    12. N
    13. D
    14. 2023
    15. J
    16. F
    17. M
    18. A
    19. M
    20. J
    21. J
    22. A
    23. S
    24. O
    25. N
    26. D
    27. 2022
    28. J
    29. F
    30. M
    31. A
    32. M
    33. J
    34. J
    35. A
    36. S
    37. O
    38. N
    39. D
    40. 2021
    41. J
    42. F
    43. M
    44. A
    45. M
    46. J
    47. J
    48. A
    49. S
    50. O
    51. N
    52. D
    53. 2020
    54. J
    55. F
    56. M
    57. A
    58. M
    59. J
    60. J
    61. A
    62. S
    63. O
    64. N
    65. D
    66. 2019
    67. J
    68. F
    69. M
    70. A
    71. M
    72. J
    73. J
    74. A
    75. S
    76. O
    77. N
    78. D
    79. 2018
    80. J
    81. F
    82. M
    83. A
    84. M
    85. J
    86. J
    87. A
    88. S
    89. O
    90. N
    91. D
    92. 2017
    93. J
    94. F
    95. M
    96. A
    97. M
    98. J
    99. J
    100. A
    101. S
    102. O
    103. N
    104. D
    105. 2016
    106. J
    107. F
    108. M
    109. A
    110. M
    111. J
    112. J
    113. A
    114. S
    115. O
    116. N
    117. D
    118. 2015
    119. J
    120. F
    121. M
    122. A
    123. M
    124. J
    125. J
    126. A
    127. S
    128. O
    129. N
    130. D
    131. 2014
    132. J
    133. F
    134. M
    135. A
    136. M
    137. J
    138. J
    139. A
    140. S
    141. O
    142. N
    143. D
    144. 2013
    145. J
    146. F
    147. M
    148. A
    149. M
    150. J
    151. J
    152. A
    153. S
    154. O
    155. N
    156. D
    157. 2012
    158. J
    159. F
    160. M
    161. A
    162. M
    163. J
    164. J
    165. A
    166. S
    167. O
    168. N
    169. D
    170. 2011
    171. J
    172. F
    173. M
    174. A
    175. M
    176. J
    177. J
    178. A
    179. S
    180. O
    181. N
    182. D
    183. 2010
    184. J
    185. F
    186. M
    187. A
    188. M
    189. J
    190. J
    191. A
    192. S
    193. O
    194. N
    195. D
    196. 2009
    197. J
    198. F
    199. M
    200. A
    201. M
    202. J
    203. J
    204. A
    205. S
    206. O
    207. N
    208. D
    209. 2008
    210. J
    211. F
    212. M
    213. A
    214. M
    215. J
    216. J
    217. A
    218. S
    219. O
    220. N
    221. D
    222. 2007
    223. J
    224. F
    225. M
    226. A
    227. M
    228. J
    229. J
    230. A
    231. S
    232. O
    233. N
    234. D
    235. 2006
    236. J
    237. F
    238. M
    239. A
    240. M
    241. J
    242. J
    243. A
    244. S
    245. O
    246. N
    247. D