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A sociedade e o fogo

por henrique pereira dos santos, em 10.08.18

Em Janeiro (não agora), Jaime Pinto, preocupado com o facto da sua aldeia, em Góis, ter ficado no intervalo não ardido dos fogos do ano passado, decidiu contribuir para que o risco da aldeia ser arrasada por um fogo, que virá, mais cedo ou mais tarde, diminuísse.

Para isso convidou o Pedro Bingre, o Henk Feith e eu para uma sessão, co-organizada com a Câmara de Góis, em que se discutiu o fogo e a forma das pessoas se prepararem, em cada aldeia, para os dias em que tudo arde à nossa volta.

Uma sala cheia no Loural, uma discussão interessante, uma presença empenhada da Câmara e uma sala com bastante gente permitiram alguma discussão, da qual resultou depois um documento que deveria servir para que a Câmara tomasse as suas decisões e desse alguma orientação a quem dela precisa para perceber melhor o que se passa e, sobretudo, para se defender melhor.

Não sabemos se porque entretanto o Governo lançou o programa aldeia segura, a verdade é que o documento então feito, subscrito por Pedro Bingre, Henk Feith e eu (e quem nos conhece aos três sabe que seria impossível que todos concordássemos com todos os pormenores de um texto comum, é portanto um texto de compromisso entre visões diferentes do problema) ficou esquecido em qualquer lado.

O Jaime continua preocupado com a sua aldeia (com razão) e pediu-nos que ao menos circulássemos o texto da forma como nos parecesse melhor.

Sendo um texto relativamente longo (deveria ser a base para um folheto, ou qualquer solução desse tipo), acabámos por achar que eu o publicaria aqui, esperando depois que cada um usasse os canais de comunicação que tem para lhe dar alguma visibilidade como parte da intervenção cívica que todos podemos ter em relação ao problema da gestão do fogo e das suas consequências.

 

E eu?

Os fogos que hoje temos resultam da falta de gestão e serão, provavelmente, mais perigosos no futuro.

A quantidade de combustível (matos, folhada, silvas, ervas) acumulado à volta e dentro das aldeias, terá tendência para aumentar.

É normal que qualquer pessoa,que viva sempre, ou passe uns dias numa aldeia, se pergunte se está segura a dormir em sua casa.

Esta pergunta não pode ser respondida por mais ninguém a não ser cada uma das pessoas da aldeia.

E a esta pergunta não se pode responder quando tudo arde, é preciso saber responder-lhe hoje, amanhã ou em qualquer altura em que ainda exista tempo para resolver cada um dos problemas que nos façam sentir inseguros.

Em primeiro lugar não vale a pena pensar que talvez o fogo não chegue à aldeia, mais vale prevenir e partir do princípio de que podemos não saber quando chega o fogo, mas sabemos que é uma questão de tempo até que chegue.

Comecemos então por avaliar se a nossa casa está preparada para esse momento, ou seja, se há sítios em que uma fagulha qualquer, vinda de um fogo que ainda pode estar a centenas de metros, pode cair em qualquer coisa que possa arder: caruma e folhas no telhado e nos beirais, um silvado no quintal, um sótão em que possa haver uma fresta por onde a fagulha entre, um vidro partido numa janela de um compartimento que não é muito usado, uma telha partida ou em falta, etc.. Recordemo-nos que grandes incêndios florestais podem provocar fortes ventanias capazes de abrir janelas mal fechadas e levantar telhas soltas.

Olhemos para toda a casa lembrando-nos que essas fagulhas podem vir pelo ar, de bastante longe, e que são muito pequenas, facilmente entram em pequenos buracos ou frinchas que existam. De maneira geral não representam nenhum risco, excepto se caírem em cima de qualquer coisa que arda facilmente, como por exemplo em antigos sótãos, sobrados e soalhos de madeira.

Depois olhemos em volta da casa, num raio de 20 metros convém avaliar bem o que pode arder facilmente, ervas, matos, folhas, sobretudo coisas muito finas a que rapidamente o fogo se possa propagar. Todos os galhos, ramos e raminhos que estejam espalhados nos quintais e pudessem servir como acendalha numa lareira vão comportar-se como tal em caso de incêndio.

É então a altura de conversar com os vizinhos, com os que estão por ali todos os dias, mas também com os que aparecem uma vez por outra, para ver se todos olham para cada uma das casas da mesma maneira: quatro olhos vêem mais que dois.

Já agora aproveitemos para ver que sítio mais seguro existe na aldeia para onde se possa ir se tudo estiver cheio de fogo e fumo.

É muito importante ter a noção de que com tudo cheio de fumo, o que pareciam caminhos fáceis que todos fariam facilmente, podem ser armadilhas se não se tiver a absoluta certeza do que se está a fazer. No momento da fuga, não se pode percorrer um caminho que esteja rodeado de matas ou matos a arder, pois mesmo que as chamas não atinjam as pessoas, o calor intenso e a falta de oxigénio poderão ser fatais a quem estiver por perto. Devemos manter-nos sempre a uma distância do fogo igual ou superior a quatro vezes a altura das chamas. Os caminhos seguros são aqueles sem matos ou matas espessas nas bermas.

 Se há um ou dois sítios na aldeia para que quem não se sinta seguro na sua casa possa ir, então é bom que o caminho para lá chegar seja muito bem conhecido e definido, evitando andar às apalpadelas numa altura em que se vê mal com o fumo e a calma tem fortes probabilidades de ter desaparecido com o medo que é inevitável que apareça numa situação de risco. Em casos extremos, se sentir que o fumo começa a intoxicá-lo apesar de o fogo se encontrar longe, rasteje ou gatinhe de modo a poder respirar o ar rente ao chão, com mais oxigénio e menos fuligem.

Olhemos então para o que rodeia a aldeia, para saber como se pode fazer para diminuir os riscos.

O mais importante não é evitar que haja fogo, o mais importante é que o fogo não seja tão alto e forte que ninguém possa fazer nada dele, deixando-o à solta.

Há três maneiras principais para poder deixar ao fogo menos combustível, ou seja, para criar condições para que haja menos fagulhas pelo ar, a chegar mais longe e para que o fogo possa ser conduzido para onde não possa fazer tanto mal ou até, se for possível, pará-lo antes que chegue ao que tem mais valor: floresta com valor comercial, campos e pomares, casas e pessoas.

  • Roçar o mato (sobretudo estevais, urzais e tojais), desbastar as matas demasiado espessas (removendo as árvores débeis, especialmente no caso dos pinhais miudinhos em “pêlo de cão”), desramar os ramos baixos quando estes impedirem a passagem das pessoas. É a maneira mais cara, deve ser usada se outras maneiras não forem possíveis e se não houver actividades que possam garantir que isso se faz. É escusado abater as árvores maiores e podar as suas pernadas mais robustas, pois não é daí que provém o principal perigo;
  • Usar fogo controlado para diminuir o que arde. Há muita gente com medo do fogo controlado, pensando que é igual ao fogo de Verão, mas na verdade é um fogo que pode ser feito apenas onde se quer, nos dias em que se tem a certeza de que tem menores efeitos negativos e menores probabilidade de fugir. Deve ser feito apenas por quem sabe e da forma adequada. Normalmente é preciso abrir umas faixas de dois metros, em que os 30 cm centrais estão totalmente limpos até ao chão, para delimitar o fogo e não o deixar fugir para onde não se quer. Pode ser feito em áreas com árvores: desde que bem feito, não estraga as árvores e não lhes diminui o valor. Juntar os vizinhos, pedir ajuda ao Gabinete Técnico Florestal da câmara municipal e definir muito bem o que se pretende é um caminho possível para usar mais o fogo controlado como forma de diminuir o risco dos grandes fogos entrarem pela aldeia;
  • Usar gado, em especial o caprino. Nem todo o gado serve igualmente para todas as situações, mas se houver oportunidade de ter gado e o usar nas áreas que possam ajudar a defender a aldeia, deve fazer-se um esforço nesse sentido.

Se existirem recursos para cortar mato, é bem possível que com os mesmos recursos se possa fazer muito mais usando o fogo e o gado, deixando o corte de mato para as situações em que não é possível resolver de outra maneira.

Deixar tudo como está, acreditando que connosco nunca vai acontecer, é a única opção que não é possível.


5 comentários

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De Anónimo a 10.08.2018 às 11:33


Muito, muito bom. O prevenir fogos nas cidades e nos aglomerados populacionais tem regras específicas.
Já nas habitações isoladas, adentro das matas, há uma cultura a adquirir, que passa pela formação dos próprios locatários. E resulta se esta prevenção em área restrita for bem organizada. 


Não sendo nada de novo em muitos Países o parágrafo que começa por "Comecemos então por avaliar se a nossa casa está preparada para esse momento,...", é o b-á-bá de como se organizar nesses casos. A boa notícia é que até resulta.
Não se pode exigir o ter um grupo de bombeiros à porta de cada vivenda ou que estes possam atraverssar um fogo para acudir. Como se viu um pequeno grupo de vizinhos organizados individual e colectivamente resiste quase incólume. 

Boa sorte.
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De Luís Lavoura a 10.08.2018 às 15:58

Gostei sobremaneira da parte relativa às casas individuais.
Tal como hoje em dia se fala aguma coisa sobre a construção antissísmica, também se deveria falar sobre a construção anti-incêndios.
Continua a haver muitas casas onde o telhado está assente sobre vigas de madeira, onde há alpendres com lenha abertos, etc.
Embora a minha casa de campo esteja numa zona que quase nunca tem incêndios (muito menos dos grandes), deu-me que pensar...
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De José Monteiro a 10.08.2018 às 22:43

«olhemos em volta da casa, num raio de 20 metros»
E vale a pena? Testemunho recente, Silvares/Fundão.
Uma idosa, com um matagal a poucos metros da habitação, telefona à GNR, criticando ervas, matos e silvas no local. Reposta do Sr agente: e na capela (em terreiro perto do lugar), lá dentro também há silvas?!
Chuta para o Ambiente, especialidade lusa (tuga), passar a bola.
Que leva a idosa a pensar ser preciso tratar com Castelo Branco!
Segunda, consulta pública autarquia Fundão, secretária em exercício, confirma-me 
haver um Sr vereador onde cabe o pelouro Ambiente. Vale a pena incomodá-lo?
Donos do terreno em apreço, a viver no Canadá. Pergunta o Sr agente GNR: conhece a identificação do terreno nas Finanças do Fundão?
A saber, ninguém manda, isto é, na província da Lusitânia, não há, no Estado ou na Autarquia, responsáveis por nada.
Mandam todos e não manda ninguém.
Malhas que os escritório de advocacia pagos pelo circo S. Bento tecem.
A bem do Regime.



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De Anónimo a 10.08.2018 às 23:00

Dicas para prevenir e salvar casas isoladas, nas matas, dos fogos selvagens "wildfire".
Com versão em português:
https://www.nfpa.org/Public-Education/By-topic/Wildfire/Firewise-USA

Em Inglês e "spanish" há imensa informação:  goolar "wildfire prevention"
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De Anónimo a 11.08.2018 às 18:24

Todo o político estreia-se no cinismo, evolui para a hipocrisia e acaba na mentira!

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