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Tinha a intenção de fechar hoje a série sobre o movimento ambientalista, e depois faria um post sobre a reacção de sinalização de virtude a propósito da aplicação de regras de acesso a curso de medicina da Universidade Católica.
João Miguel Tavares, publicando hoje no Público uma crónica tão representativa dessa sinalização de virtude, acabou por me trocar as voltas e vou fazer primeiro este post, deixando o outro para outra altura.
No primeiro curso de medicina da Universidade Católica há um aluno que entrou no contingente de vagas supranumerárias, por ser descendente em linha recta de um benemérito insigne da Universidade.
Aqui d'El Rey, "é totalmente inaceitável numa instituição que beneficia do estatuto de universidade pública", escreve João Miguel Tavares e, acrescenta, "sobretudo, numa instituição que se assume orgulhosamente católica".
Note-se que o mesmo João Miguel Tavares responde a si mesmo "a Católica poderia sempre argumentar que queria ser uma Harvard portuguesa: o preço de aceitar os filhinhos de papás multimilionários traduzir-se-ia em rios de dinheiro para construir uma uma universidade de topo".
Descontando o habitual tom com que em Portugal se fala dos muito ricos, João Miguel Tavares explica bem o problema: para fazer boas universidades são precisos recursos e as melhores do mundo usam mecanismos de financiamento que, frequentemente, conduzem à introdução de regras cujo objectivo é cativar o interesse dos muito ricos em desviar parte dos seus recursos para essas universidade.
Portanto, e em primeiro lugar, esta é a questão: a captaçãode recursos para que seja possível ter melhores universidades (não vou perder tempo com o argumento de que incluir o filho da senhora da secretaria nos mesmos 3% de vagas supranumerárias é beneficiar a endogamia porque penso que o próprio João Miguel Tavares, quando lhe passar a indignação, reconhecerá que é um argumento completamente absurdo).
A sinalização de virtude assenta em dois ou três argumentos, uns falsos, outros grosseiramente pouco rigorosos e em muita omissão de informação.
Diz João Miguel Tavares que o candidato com 15,8 valores ultrapassou uma boa vintena de outros candidatos que existirão entre os 16,9 da seriação geral e esses 15,8. Sim, é verdade que se não fosse pelo mecanismo excepcional esse aluno de 15,8 não entraria no curso, mas nenhum dos outros o substituiria, ficariam todos de fora, na medida em que se trata de vagas supranumeárias, o seu não preenchimento não aumenta as vagas do contingente geral.
Ou seja, a ausência da regra apenas tinha uma consequência para os alunos: todos ficavam pior, haveria menos um aluno no curso, nada mais.
Mas João Miguel Tavares diz mais: "atribuem vantagens aos filhos e netos dos funcionários e patrocinadores da casa, independentemente dos seus méritos individuais".
O problema com esta afirmação é o de que é falsa, porque para que estes alunos possam entrar há critérios mínimos, que aliás se aplicam a todos os candidatos, nomeadamente uma média de 15 valores, ou seja, não basta ser o filho da senhora da secretaria ou o neto de um benemérito insigne - estatuto que é atribuído por um órgão colegial da universidade, não é uma decorrência directa do valor de uma determinada contribuição-, é preciso juntar a essa possibilidade de concorrer pelos 3% de vagas supranumerárias o mérito individual de ter, pelo menos, média de 15.
O maior erro de análise desta sinalização de virtude, parece-me, está no facto de se considerar que a seriação por nota traduz essencialmente o mérito individual dos candidatos, omitindo que o factor que, em Portugal, está mais correlacionado com as notas dos alunos, é a condição sócio-económica das famílias, esse sim, o verdadeiro escândalo do nosso sistema de ensino, em primeiro lugar, e do nosso sistema de acesso à universidade, em segundo lugar, em especial nos cursos com notas mais altas de ingresso.
João Miguel Tavares reconhece que injustiças sempre haverá, omitindo que a principal injustiça está na forma como o nosso sistema de ensino e de acesso ao ensino superior penaliza quem vem de famílias com menos recursos, para se concentrar no "descaramento desta injustiça em particular".
Depois de reconhecer que a generalização de regras deste tipo poderia resultar em melhores universidades (e, acrescento eu, em universidades mais inclusivas com base no mérito, porque liberta recursos para o apoio a alunos sem recursos para pagar os custos de frequência em universidades de topo), depois de reconhecer que injustiças sempre haverá, omitindo que estas regras se aplicam apenas a vagas supranumerárias, não afectando as entradas no contingente geral, omitindo que essas vagas só existem no máximo até 3% do contingente geral, e na medida em que existam candidatos que, simultaneamente, demonstrem que cumprem requisitos mínimos de nota e os critérios de acesso a esse contingente especial, afinal o escândalo é que esta injustiça é descarada.
E, sendo o respeitinho muito bonito, podemos esquecer o escândalo do nosso sistema de ensino produzir resultados em notas que se correlacionam com o estatuto económico das famílias e podemos esquecer o escândalo de este problema só existir por causa da cedência do Estado aos médicos instalados e à ordem dos médicos, porque esses são escândalos que não são descarados.
Se dúvidas houvesse sobre o que está em causa nas reacções de que a crónica de João Miguel Tavares é apenas um bom exemplo (há as habituais reacções jacobinas, trogloditas e infantis, eu escolhi comentar um texto que não é nada disso), a comparação final entre a venda de indulgências e o estabelecimento de regras deste tipo, desfaria qualquer dúvida: é apenas a sinalização de virtude que está em causa.
O problema real não é a católica ter regras destas, o problema é termos sempre a mania contestar regras eficazes para mobilizar recursos, do que resultam melhores soluções sociais, com o argumento de que há alguém em particular que é mais beneficiado que outros, sendo por isso preferível ficarmos todos pior a aceitar a realidade tal como ela é.
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