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A Resolução do Banif - jogo de sombras

por Maria Teixeira Alves, em 22.12.15

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Ontem, num domingo à noite, começaram a chegar as notícias da venda do Banif ao Santander por 150 milhões de euros. Era na verdade a segunda parte de uma notícia muito mais importante: tinha sido aplicada ao Banif a tão prevista medida de Resolução de que só conhecêramos no caso doloroso do BES. Mas agora numa outra nova versão. Em 8 anos vimos as medidas de intervenção dos bancos passar pelas mais variadas mutações. Sou quase tentada a dizer que a Europa aplica uma medida de resolução nova a cada intervenção necessária. 

Um dos jogos de sombras foi a venda do Banif apregoada nas últimas semanas, com os jornalistas a anunciar interessados e candidatos. Diria que quem lesse pensaria que estaríamos perante um banco muitíssimo concorrido. Cheguei a duvidar das minhas capacidades para analisar bancos. A mim parecia-me absolutamente difícil que alguém comprasse o Banif tal como ele era, o que mais se me apresentava provável era uma medida de Resolução. Havia em mim a incógnita de como iria o sistema bancário digerir mais uma resolução sem pôr em causa o seu capital. 

Claro que afinal o Banif era invendável e a venda voluntária do Banif foi inviabilizada. Na verdade o Santander Totta, tal como sempre me tinha sido explicado, só queria activos, nomeadamente os balcões. O Santander comprou um "banco" bom, que não se chama nada e que vai ser integrado no Totta, que fica assim com um conjunto de activos e passivos (depósitos de apenas seis mil milhões) do banco. Ao todo adquirem cerca de 11,1 mil milhões de euros de activos e passivos, incluindo depósitos, do Banif, desembolsando para isso 150 milhões de euros (um preço de urgência).

Sabe-se entretanto (pela deliberação do Banco de Portugal) que o banco foi antes declarado em risco ou em situação de insolvência (no sábado), quando seguiu o convite para o Santander e o Popular apresentarem ofertas vinculativas.

A solução aplicada, mais uma vez descrita pela Comissão Europeia que a protagonizou, passou ainda pela transferência de activos depreciados, com um valor contabilístico líquido de cerca de 2,2 mil milhões de euros para um veículo de gestão de activos, detido na totalidade pelo Fundo de Resolução de Portugal que o pretende vender mais tarde (veículo esse com capital de 422 milhões).

O Banif deixa de existir como banco independente. Como tal, o BCE acabou por não avançar com a retirada do estatuto de contraparte, na medida em que o Banif deixou de existir com a medida de resolução anunciada. Isto é, o que afinal a TVI tinha dito, apesar de ser meia verdade e de ter sido dita de forma pouco rigorosa, e que terá provocado o aceleramento da fuga dos depósitos (números divulgados falam de 900 milhões o que é só por si um motivo de intervenção por falta de liquidez num banco com a dimensão do Banif), não era totalmente falso. Ao contrário do que foi dito na noite da notícia-torpedo. Mais um jogo de sombras o desmentido ao desaparecimento do Banif.

"Os accionistas do Banif e os detentores de dívida subordinada contribuíram plenamente para o custo da resolução, reduzindo assim a necessidade de auxílios estatais, em consonância com os princípios de repartição de encargos". Se toda a gente se espantou com o buraco do BES que deu origem à Resolução, olhem para o Banif e percebam que um banco é um poço sem fundo quando se trata de perdas. Os bancos são por natureza multiplicadores de dinheiro, nas perdas não perdem esse efeito multiplicador. 

Foi quando na quarta-feira o Banco Central Europeu disse que ia retirar o estatuto de contraparte ao Banif que o destino do banco foi finalmente traçado e acabou por ditar a venda do Banif nas condições anunciadas no domingo. O problema de financiamento alegadamente provocado pela notícia da TVI é que levou à perda do estatuto de contraparte, o banco deixa de ter acesso a financiamento europeu, situação que já tinha ocorrido em Julho de 2014 ao BES e que acelerou a queda deste banco. Com isto não pude deixar de me lembrar das declarações de Jorge Tomé na sua entrevista à SIC: “Não há qualquer tipo de comparação entre o Banif e o BES”. Mais um jogo de sombras.

A Comissão Europeia acabou por aprovar os planos de Portugal para conceder assim cerca de 2,25 mil milhões de euros de auxílio estatal para cobrir o défice de financiamento na resolução do Banco Internacional do Funchal. 

Uma outra medida de auxílio no valor de 422 milhões de euros cobre a transferência de activos depreciados para um veículo de gestão de activos.

Por último, a Comissão aprovou uma margem adicional de segurança sob a forma de uma garantia do Estado para prever eventuais alterações recentes no valor da parte vendida ao Banco Santander Totta, o que eleva o total das potenciais medidas de auxílio para quase 3 mil milhões de euros. Isto porque a medida de resolução prevê que o Santander possa voltar a contactar o Estado no sentido de renegociar a avaliação feita aos activos que comprou agora.

Estes valores vêm acrescentar‑se aos cerca de 1,1 mil milhões de euros de auxílio aprovados pela Comissão em Janeiro de 2013, a título temporário, e finalmente aprovados ontem. Destes o Banif pagou 275 milhões no que se refere a CoCo´s. 

Se a esta factura acrescentarmos a participação dos accionistas e obrigacionistas subordinados que perdem direito aos seus títulos e por essa via ajudam à Resolução, então os montantes são incompreensíveis para um banco da sua dimensão. Banif, o banco pequeno em tamanho, mas grande nas perdas. 

Foi muito caro intervencionar o Banif e a única maneira de um banco intervencionado não perder mais dinheiro é ver integrar o banco bom numa boa instituição financeira de forma imediata, a resolução ao BES e criação do banco de transição é disso prova. Se o "novo Banif" não fosse imediatamente vendido ao Santander Totta podem ter a certeza que estes milhões, como o passar do tempo, não iriam resolver grande coisa. O Novo Banco, veja-se, o banco com os activos bons do BES, recebeu de capital 4,9 mil milhões, mas nem por isso se vende num ápice. O prazo voltou a ser adiado para um horizonte agora sem prazo. A saga da reestruturação volta ao Novo Banco, mais uma vez vai reestruturar para reforçar o capital e vender.

O auxílio do Estado ao Banif apoiará igualmente a liquidação ordenada dos restantes activos depreciados do Banif. Todos os depositantes continuam a estar plenamente protegidos. O outro jogo de sombras são as declarações de António Costa a garantir que todos os depositantes estavam protegidos quando já sabia que a resolução ao Banif iria ser aplicada antes da mudança da lei europeia que chama depósitos acima de 100 mil euros e obrigações seniores ao resgate. Diz isso como forma de atenuar o anúncio de que não conseguiria proteger da mesma maneira os contribuintes. Assim como quem tentou imenso salvar os contribuintes, mas só conseguiu salvar os depositantes. Um teatro autêntico.

 O modelo banco bom, banco mau teve no Banif uma nuance é que a aplicação da medida de resolução levou à separação do Banif não em duas, mas em três partes: a operação bancária, com créditos e depósitos, que passou para o Santander Totta e que este pagou 150 milhões; os activos imobiliários e algumas participações e créditos de má qualidade serão transferidos para uma sociedade veículo, a Naviget; outras participações sociais, obrigações para com accionistas relevantes, obrigações de dívida subordinada, entre outros, ficam no Banif, um banco em resolução que ficará na esfera do Estado.

A companhia de seguros Açoreana onde o banco tem 47%, vai passar a ser propriedade do veículo que foi criado para ficar com os activos do Banif que o Santander Totta não quis comprar. Com a empresa vão os seus cerca de 700 trabalhadores. 

No veículo que vai passar para o Estado, fica ainda o banco de investimento do Banif.  o Tesouro injectou 422 milhões de euros. O retorno que possa advir destas alienações vai permitir "a minimização deste custo" da ajuda estatal. Ao todo, o Tesouro colocou 2.255 milhões de euros neste veículo e no banco mau.

A este valor junta-se ainda mais uma garantia estatal de quase 750 milhões de euros.

A fatia mais importante deste montante corresponde aos 1.766 milhões de euros que serão financiados directamente pelo Estado e usados para recapitalizar o que sobra do Banif. Cerca de mil milhões são destinados a injecções de capital necessárias para corrigir os desequilíbrios contabilísticos que resultam do destaque dos activos que o Santander não quis comprar e que ficam na esfera pública. Como estes activos, sobretudo crédito imobiliário, têm imparidades associadas (perdas), foi preciso transferir também capital para cobrir essas imparidades, designadamente para o veículo que fica a gerir os activos de pior qualidade do Banif.

O ministro das Finanças manifestou a esperança de que a gestão dos activos maus, sobretudo via venda, permita retornos que baixem o custo financeiro da resolução do Banif. Quanto maior for o nível de perdas agora reconhecido, maior será o potencial ganho no futuro e a Comissão Europeia impôs um haircut de 75% nos activos que passam para a sociedade veículo, o que ajuda ao potencial de ganho futuro com a venda. But we never know.

A resolução do banco, que implica custos elevados para os contribuintes foi o culminar de um processo que se arrastava há quase três anos e que sempre teve do outro lado, em Bruxelas, uma Comissão Europeia irredutível na opinião de que o Banif não tinha viabilidade e deveria ser integrado num banco maior. Foi o que em parte acabou agora por acontecer.

De quem é a culpa do Banif ter chegado até aqui? Ninguém se devia poder esquecer que no fim de 2012 o Banif foi intervencionado ao abrigo da lei da altura, e já aí o Estado teve de pôr 1.100 milhões de euros no banco que fora de Horácio Roque. O que se compararmos com o BPI que antes tinha precisado de 1.350 milhões, permite perceber a dimensão do problema do Banif em comparação com a sua reduzida dimensão de activos. Todos parecem esquecer que o Banif foi intervencionado em 2012 por causa da situação financeira criada pela gestão de Roque. Por muito que se gostasse de Horácio Roque a sua equipe de gestão não pode ser desresponsabilizada disto. O Banif foi ainda o único que o Estado para o intervencionar teve de se tornar accionista com 700 milhões de euros (e não apenas em CoCo´s). Essa ajuda do Estado andou em bolandas durante dois anos entre a Direcção de Concorrência Europeia e cá. Sucederam-se oito planos de reestruturação chumbados. E só agora foi aprovada essa ajuda pela DGComp concedida na altura como temporária. 

 A troika sempre foi céptica quanto à recapitalização do Banif e a Concorrência europeia sempre duvidou dos planos de reestruturação, apesar de ter aprovado a ajuda pública de forma temporária, ainda no tempo de Vítor Gaspar, na altura com o caso do Chipre (onde foram cativados os depósitos) como pano de fundo.

Na época a intervenção do Estado ao Banif já foi olhada de soslaio pelas instâncias europeias. Provavelmente já nessa altura o Banif não tinha salvação a não ser que se investisse muito dinheiro. O tempo não costuma melhorar bancos em dificuldades. Mas uma resolução do Banif naquela altura poderia perturbar a recuperação da percepção de risco em torno de Portugal. No fim de 2012 estava a preparar-se a primeira emissão de dívida de longo prazo em mercado, por parte de João Moreira Rato (presidente, então, do IGCP). Era o regresso aos mercados depois de uma dolorosa ausência provocada pela crise soberana em que o Governo de Sócrates deixara cair o país. Nessa altura os bancos também voltavam ao mercado. Não era fácil deitar o Banif abaixo com uma medida de resolução numa altura tão crucial para a credibilidade financeira. Ajudou-se o Banif, foi feito de forma a fugir ao impacto aos contribuintes. Mas zás pás o problema da credibilidade num banco é quase tão importante como uma má carteira de crédito imobiliário sem colaterais suficientes.

Mas ainda a procissão vai no adro. Falta ainda saber o impacto da provável falência da Rentipar (dona do banco e de parte da Açoreana)

Falta ainda saber qual o impacto nos accionistas e obrigacionista desta medida? Haverá também litigio. É preciso não esquecer que o Banif fez aumentos de capital colocados pelos balcões do Banif, e que agora ficam sem nada.

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5 comentários

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De João. a 22.12.2015 às 05:33

A meu ver você deveria ter começado o seu post com esta afirmação.


"Fui completamente ludibriada por Passos Coelho e Maria Luis Albuquerque quando das garantias que transmitiram sobre a excelência dos cuidados que lançaram sobre o banif."
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De Anónimo a 22.12.2015 às 09:58

É a cassete do dia? Olha que isto não fica por aqui...
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De João. a 22.12.2015 às 17:42

Não fica por aqui?! Pois não. Há muito mais. 


"Os depositantes têm razões para ter toda a confiança quanto à segurança que o Banco Espirito Santo oferece às suas poupanças", disse Pedro Passos Coelho.

 

"Uma coisa são os negócios que a família Espirito Santo tem e outra coisa é o banco. É muito importante que os agentes portugueses e os investidores externos consigam, não apenas perceber bem esta diferença, mas estar tranquilos relativamente à situação do banco", sublinhou.

 

"Não tenho nenhuma razão para pôr minimamente em dúvida a tranquilidade, que deve ser preservada ao nível do nosso sistema financeiro e bancário", acrescentou Passos Coelho.


http://www.dn.pt/politica/interior/passos-diz-que-depositantes-podem-confiar-no-bes-4021270.html

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De João. a 23.12.2015 às 04:44

Já agora, caso algum ingénuo ainda considere que o PSD não é uma sociedade de mentirosos, a laranjada ainda ontem deu garantias que os contribuintes não vão pagar nada para o BES. 

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