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Oito e meia da tarde de um Domingo, 22 de Junho, à porta da conservatória dos registos civis e começa a formar-se uma bicha já com cinco ou seis pessoas que pretendem ser atendidas quando o serviço público abrir portas ao público, mais de doze horas depois, pelas nove da manhã de Segunda feira, 23 de Junho (escusado será dizer que, pelas sete da manhã do dia 23, duas horas antes da abertura do atendimento, a bicha já deveria ter umas cem pessoas).
Este é o ponto de partida da reforma de um Estado incapaz de ter um atendimento suficientemente eficiente para quem precisa de se relacionar com os serviços públicos.
Mas não é o único ponto de partida, a outra parte diz respeito ao contexto em que é preciso ir mudando alguma coisa (como tem mudado e melhorado em pontos específicos) para que a situação descrita deixe de ser o retrato de um Estado caro e ineficiente.
Comecemos por utilizar uma peça do Público de ontem, que é um bom retrato da forma como a imprensa trata este assunto, sempre na oposição e fazendo o que se pode chamar "jornalismo de especialistas" que consiste em escrever quilómetros de prosa sobre um assunto, pedindo opiniões a este e aquele, sem grande preocupação com a realidade concreta.
"Olhando para o que foram as reestruturações feitas em 2005 e em 2011, o resultado de fusões e reduções de organismos foi a diminuição drástica do número de trabalhadores do Estado e a criação do quadro de excedentários (mobilidade especial)".
A quantidade de erros factuais neste simples parágrafo escrito por Raquel Martins é assombrosa (desde confusão entre quadro de excedentes, mobilidade especial e afins, até ao enorme erro de se dizer que houve reduções drásticas do número de funcionários públicos, coisa sem qualquer base factual).
Enfim, pode acontecer a qualquer um que acredita no senso comum e acha desnecessário o bom senso, no jornalismo.
O mais extraordinário é a escolha dos especialistas escolhidos pelo Público que justifica a chamada de primeira página, título e etc. "Reforma do Estado é "menu de medidas avulsas"/ Especialistas consideram medidas positivas, mas criticam falta de modelo de Estado "sólido" e consensual".
Não vou discutir a ideia de fazer reformas a sério de forma consensual e não conheço um dos especialistas, o que diz coisas essenciais para responder às cinco ou seis pessoas que ontem, às oito e meia da noite, se preparavam para passar uma noite ao relento, com o único objectivo de serem atendidos por um serviço público: "a reforma implica uma reflexão sobre as bases fundacionais do Estado e uma mudança de paradigma, embora as alterações dos procedimentos sejam importantes e muitas vezes se revelem uma reforma", diz o senhor que, com estes tipo de proclamações, qualquer funcionário público com experiência qualifica imediatamente (talvez injustamente) como um empata bem falante e deixa de ligar ao que diz.
A mim interessa-me o outro especialista, João Bilhim, com quem me cruzei profissionalmente quando era presidente da CRESAP, onde teve praticamente carta branca e fez um trabalho tão bom, que é bem provável que a CRESAP ou venha a ser extinta, ou sofra profundas alterações (um erro frequente, este de fazer alterações profundas em vez de ir fazendo pequenas alterações contínuas e incrementais, visando corrigir o que vai sendo indentificado como negativo).
Como já várias vezes escrevi sobre Bilhim, e a sua ilusão de ser o king maker do regime (ilusão relativa, se é certo que não conseguiu impor os métodos que defendia para escolher as pessoas que se pretendia, foi muito eficiente a usar um poder que, na administração pública, é muito maior de o poder de escolher: o poder de excluir), limito-me a remeter para este post, mais este, não vou perder muito tempo a analisar o trabalho de uma pessoa que inventou umas regras de tal maneira geniais, que tive de reclamar do presidente de um júri (João Bilhim), para o presidente da CRESAP (João Bilhim).
O facto é que o especialista que o Público acha adequado ouvir sobre a reforma do Estado é um funcionário a quem atribuem a tarefa de escolher de forma independente os dirigentes da administração pública, e que o próprio só aceita depois da concordância do secretário geral do seu partido (António José Seguro), a quem dão carta branca para definir as regras do seu trabalho, que a Provedoria de Justiça avalia assim, e a Comissão de Acesso aos Documentos administrativos assim, ou seja, faz tudo ao contrário do que é uma reforma do Estado séria, convencido de que o único critério verdadeiramente relevante é a sua opinião, circunstância que só foi alterada quando alguém mais teimoso que eu resolveu continuar pelos tribunais administrativos e obrigaram João Bilhim a alterar as regras que eram manifestamente ilegais, como estava toda a gente fartinha de saber.
É por coisas destas que não gostei nada, mesmo nada, da intervenção de Gonçalo Matias na apresentação do programa do Governo, com uma intervenção messiânica (muito mau sinal), centrada na ideia de que sabe o que quer e para onde vai, quer o ministro, quer o Governo (muito mau sinal), apresentando meia dúzia de ideias "consensuais", mas bastante etéreas.
O mais grave, para mim, é Gonçalo Matias ter apresentado como ideia fantástica o princípio de "só uma vez" (as pessoas entregam informação ao Estado só uma vez, e o Estado que ande à procura da informação dentro do Estado, quando ela existe) e Carlos Guimarães Pinto, muito bem, ter-lhe feito notar que esse princípio estava na lei desde 2014, mas o problema é o Estado não cumprir a lei e Gonçalo Matias ter respondido sobre o seu conhecimento profundo do problema e do princípio citado, em vez de fazer o que me parecia sensato:
1) reconhecer que realmente o problema não são os grandes princípios (estão todos no Código do Procedimento Administrativo, acrescento eu) mas a sua aplicação real;
2) que se essa aplicação real não se verifica, deve haver problemas mais fundos e menos evidentes que precisam de estudo e atenção;
3) o que implica que o seu ministério, mais que inventar novidades, se iria focar em compreender e resolver os bloqueios reais à aplicação de princípios que são largamente "consensuais", quase tão consensuais como a sua falta de aplicação concreta em toda a administração.
Temo que seja mais fácil reformarem-se os reformadores que o Estado, porque quando chegar o momento de responsabilizar um dirigente tão diligente, venerando e obrigado por haver bichas inaceitáveis à porta dos serviços públicos, nos jornais, na oposição e nas concelhias partidárias, levantar-se-ão dezenas de razões sensatas para compreender a situação e concluir que ninguém é responsável pela chuva ou pela seca.
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